Mensagem Final
   
   
 

 

 

 

 

 

 


Carlos Coelho – Director da UV

Obrigado pela recepção calorosa ao nosso convidado de hoje Prof. Marcelo Rebelo de Sousa. Eu peço desculpa por ser a única vez na Universidade de Verão que não somos pontuais, mas tem uma explicação. O Prof. Marcelo veio de propósito de França para estar aqui connosco, não pode almoçar e chegou há 15 minutos. É a razão do ligeiríssimo atraso.

O Prof. Marcelo dispensa apresentação. Foi Presidente do Partido, todos o conhecemos. Mas devemos recordar, para cumprir o protocolo, o retrato falado. Tem como hobby a natação, como comida preferida o cozido à portuguesa. O animal preferido é o elefante, provavelmente por causa da memória. O livro que nos sugere é “Politics”, não tem nada de política, é chocantemente heterodoxo. É um ensaio intimista que se quer de vocação universal. O filme que sugere é “Citizen Cane” e a principal qualidade que aprecia nas pessoas é a honestidade.

Nós pedimos ao Prof. Marcelo Rebelo de Sousa para nos dar uma aula de Ciência Política e Direito Constitucional, mas dando uma perninha na questão ideológica e na caracterização do nosso Partido. Por isso chamámos ao nosso painel “Somos Social-democratas?” e temos um dos melhores comunicadores portugueses. Uma das pessoas que nos honra em ser nosso companheiro. O Prof. Marcelo tem a palavra.

PALMAS

 

Prof. Marcelo Rebelo De Sousa

Boa tarde. É com alegria que vejo 40% de mulheres. Queria dizer que só o Carlos Coelho me fazia vir de Paris para Castelo de Vide, para além de vocês que não vos conhecia e não imaginava que fossem tantos. E queria cumprimentar a ideia da Universidade de Verão. Lá fora é muito frequente. Entre nós, foi o PSD e concretamente a JSD (e muito pela iniciativa e generosidade do Carlos Coelho) a arrancar. E agora o Bloco de Esquerda também já a copia.

Queria dizer também que, por coincidência, estamos no dia 11 de Setembro que, para muitos que são pessimistas, é uma data vista como altamente preocupante. Eu sou um optimista, vocês são optimistas, os jovens são sempre optimistas. Há que ver estas datas numa óptica optimista acreditando nas pessoas, e acreditando na capacidade de ultrapassar os problemas e não propriamente ficando resignado ou deixando cair os braços perante os problemas.

O titulo é, “Será que ainda somos sociais democratas?” Eu prometo não ser muito chato mas vou ser um pouquinho longo. Porque quero aproveitar para duas coisas: (vocês são muito novos), por um lado falar da social democracia em geral e depois falar da social democracia do PPD/PSD. O que significa para vocês, que ainda não tinham nascido há trinta anos, recordar aspectos da política que o próprio Carlos conhece mas que era um miúdo.

Vamos começar pela social democracia. Tudo começa com as revoluções liberais. Eu vou falar da social democracia na Europa porque a América é outra coisa, não tem nada a ver. Mesmo o partido democrático não é um partido social democrata. Tem correntes sociais democratas. E na África, Ásia, América do Sul, há exportações, mas a social democracia surgiu na Europa. E é da Europa que vamos falar.

Ora a Europa, como vocês saberão, conheceu revoluções liberais entre o final do século XVIII e o princípio do século XIX e nasceu um novo Estado: o Estado Liberal. O Estado Liberal ainda não era democrático, por exemplo, o voto não abrangia as mulheres e não abrangia muitos homens. Este Estado Liberal era uma ruptura em relação à monarquia absoluta e tinha como características fundamentais o quê? A separação de poderes, (as várias funções do Estado separadas por vários órgãos), a declaração dos direitos (atenção, eram os direitos económicos e de participação da burguesia, como o direito da propriedade absoluta), uma Constituição escrita (para travar o poder), e também a possibilidade de eleger os representantes para o Parlamento.

As eleições começaram por ser indirectas. Elegiam-se os grandes eleitores que por sua vez elegiam os parlamentares. Mas os parlamentares de apenas de uma das câmaras: continuava a haver uma Câmara hereditária em muitos casos.

Este Estado liberal conviveu de início com monarquias limitadas. O Rei estava lá mas tentava cortar-se ao máximo o poder do Rei. Mais tarde isso aconteceu com Repúblicas, por importação do modelo americano, o que aconteceu mais tarde durante o século XIX e já no século XX. Ora nesse quadro havia, por um lado, a aristocracia – a nobreza – uma parte da nobreza absoluta tinha desaparecido, outra parte tinha-se convertido em liberal. Por outro lado havia a burguesia: comercial, industrial e agrícola, pois por vezes comprava as grandes terras dos aristocratas. Até então, eram eles e a Igreja os grandes proprietários.

E portanto surgiram dois grandes tipos de partidos, os partidos conservadores e os partidos liberais. Todos eles jogando dentro do quadro do Estado Liberal. E nascidos de um objectivo que era: os Deputados conseguirem garantir a sua reeleição. Então formaram comités eleitorais e estes estão na base dos primeiros partidos políticos, que eram partidos de notáveis. Pertenciam aos partidos: os padres, os notários, médicos, farmacêuticos, os influentes locais. Só funcionavam em período de campanha para garantir a eleição dos candidatos que queriam patrocinar.

Os partidos conservadores eram sobretudo da aristocracia proprietária de terrenos, aqui e ali entrando no comércio. Os partidos liberais eram da burguesia, que rapidamente passou a aristocracia. Como sabem, no final das monarquias do século XIX era possível fazer nobres, e vários desses nobres eram os burgueses da véspera que tinham subido no poder e que constituíam uma aristocracia mais aberta e mais avançada. Mais ligada às actividades comerciais e industriais.

Eis senão quando houve uma revolução industrial, que atravessa o século XIX, mais cedo numas sociedades e mais tardes noutras. E esta revolução industrial traduziu-se no seguinte. Na produção, que até então era uma produção sem divisão no trabalho, passou a haver uma divisão no trabalho em que cada operário participa numa ínfima tarefa do processo produtivo. O número de obreiros aumentam, saem dos campos, desertificam os campos e vão para as novas cidades. É o primeiro fenómeno de urbanização. Vão para grandes fábricas onde a produção é em série (explorando o mais possível a mão-de-obra). Primeiro a masculina, depois a feminina e depois a infantil. Quanto mais barata melhor, bem entendido, dentro da óptica capitalista intensivo. Por essa altura já tinha caído por terra aquela ilusão liberal de que o mercado só por si, com a mão invisível, conseguia a felicidade dos povos.

Surgiram, mesmo de entre os pensadores ingleses clássicos, críticos ao liberalismo. E assim, David Ricardo (com a sua teoria da renda) veio dizer que só existem dois factores produtivos: o trabalho e o capital - a renda é um fenómeno diferencial. Malthus, com a sua teoria da população, veio dizer que o crescimento da população teria um ritmo geométrico em comparação com a a progressão aritmética da riqueza (o que seria dramático) o que quer dizer que haveria um exército a protelarizar-se - o futuro exército do proletariado de Marx. Stuart Mill, com a sua teoria dos salários, veio dizer que estes tenderiam a ir para o mínimo dos mínimos de sobrevivência, precisamente porque havia do lado da oferta de mão-de-obra mais gente do que procura por parte dos empresários. E é neste quadro que surgem os socialismos e surge Marx com o seu dito socialismo científico. Pega em todos estes contributos e faz uma construção global que, em suma, é o seguinte: há duas classes, a exploradora e a explorada. Há um só factor produtivo que é o trabalho. O trabalho é remunerado ao nível mais baixo – a sobrevivência. Em contrapartida os produtos são vendidos com um diferencial, esse diferencial é por assim dizer uma “mais-valia”, isto é, uma apropriação da mais-valia por parte do capital em relação ao trabalho. Isso significa a exploração intensiva do trabalho. Esta exploração começa na Europa depois prolonga-se para criar mais-valias nas colónias, onde a mão-de-obra é ainda mais barata.

A Europa utiliza mão-de-obra barata, nomeadamente a das mulheres, dos mais velhos e crianças. Há um exército de reserva do proletariado constante à procura de emprego e que garante que os salários sejam sempre baixos. A concorrência entre empresas faz desaparecer as pequenas e médias com a concentração progressiva do capital. Essa concentração progressiva do capital levará inevitavelmente à queda do capitalismo nas sociedades industrialmente mais avançadas.

A luta de classes vai acelerar essa queda, embora ela seja inevitável. A luta de classes abrevia essa morte do capitalismo.

É neste quadro que surgem os partidos de massas que já não têm nada a ver com os partidos de quadros (ou notáveis), que funcionavam no parlamento e no regime liberal. Eles contestam a ordem liberal, contestam a ordem capitalista, querem destruí-la. Têm normalmente inspiração socialista e na maior parte dos casos marxista. São partidos que querem (UM MINUTO INAUDÍVEL NA GRAVAÇÃO)

Pretende-se pôr fim ao capitalismo, avançando para uma fase transitória que é a fase do socialismo, desejando-se uma fase final onde não haverá classes, nem haverá Estado, nem exploração de ninguém por ninguém que é o comunismo.

E, transitoriamente, nessa fase socialista, terá de haver a ditadura do proletariado. Para inverter as relações de classe o proletariado tem de explorar o capital. Neste sentido retirar-lhe direitos e submetê-lo à supressão, digamos assim, das características da cidadania.

Ora bom, surgem então os partidos que estão na génese dos futuros partidos sociais democratas. Se quisermos, mais legitimamente, devíamos chamar-lhes partido dos comunistas, porque esse era o objectivo final. E na maior parte dos casos europeus, eles são operários - há excepções onde os partidos social democratas nascem de uma raiz camponesa e não operária. Mas na generalidade são partidos de massas, partidos de militâncias, são partidos de organização constante, que se estão “borrifando” para as eleições, porque contestam as eleições e que querem preparar a revolução com estes objectivos que sumariamente apresentei.

E começam a trabalhar na revolução e tentam vários golpes revolucionários que falham. E assim, na segunda metade do século XIX, há várias tentativas que falham. Onde? Nas economias mais avançadas, porque era aí que Marx tinha dito que ia cair o capitalismo. Falha na Alemanha, falham as tentativas na França, falham os projectos em Inglaterra. E quando começam a falhar, surge o primeiro revisionismo. Isto é, começa a haver dentro dos partidos comunistas quem diga: “isto é capaz de não ir lá pela revolução, porque já tentámos uma e duas vezes. Isto talvez só lá vai por via evolucionista. Vamos para o mesmo fim, mas talvez o caminho não seja exactamente o actual”.

E surgem os primeiros grandes debates do revisionismo, com nomes como Edward Bernstein, Rosa Luxemburgo, de um lado e doutro. E não é por acaso que no 1º Congresso da JSD, realizado em 75, lá estavam as fotografias do Marx. Eu estive lá e nessa altura fui feito militante honorário da JSD. Quem presidia era o Prof. Emídio Guerreiro, que continua vivo com 105 anos de idade. Mas lá estava o Marx, estava também uma imagem de Jean Lorretz (que todos diziam que era Lenine) e depois estava (para dar um toque cristão personalista) – o Emmanuel Monnier.

O que é facto é que surgem os partidos sociais democratas, surgem como dissidências dentro dos partidos comunistas e aquilo que os separa dos partidos comunistas é o facto de quererem chegar lá por via reformista e não por via revolucionária. Mas querem a mesma coisa: o fim do liberalismo, querem o fim do capitalismo, querem o socialismo e a transição para o comunismo. Só que acham que chegam lá de outra maneira: alargando o sufrágio universal. Dizem eles que quando todos votarem, como há mais operários, há mais trabalhadores do que capitalistas, os trabalhadores acabam por ganhar as eleições, tão simples quanto isso. Uma visão um pouco simplista da História, e é assim que se vira do século XIX para o século XX.

E a História deu razão aos dois. Chegaram ao poder os dois ao mesmo tempo, só que deu mais razão aos sociais democratas do que aos comunistas. Porque os comunistas chegaram ao poder não numa sociedade industrializada mas numa sociedade atrasada feudal como era a sociedade russa e os sociais democratas chegaram ao poder nos países nórdicos que eram sociedades apesar de tudo mais avançadas do ponto de vista industrial. O que quer dizer que no início do século XX chegam ao poder as duas correntes, a comunista e a social democrata, uma por via revolucionária e outra por via reformista. A primeira social democracia que surge com peso é a nórdica, é no norte da Europa e é a mãe das sociais democracias europeias. E é nesse quadro de crise do liberalismo, vindo do século XIX, que decorre a primeira guerra mundial. E, mais do que isso, a transição para a segunda guerra e as tentativas que marcaram depois o futuro na Europa para implantar os partidos sociais democratas fora dos países nórdicos.

O grande fracasso, como sabem, é a República de Weimar, na Alemanha. Porque aí a social democracia ficou entalada entre o comunismo e o nazismo e ficou sem espaço vital. E ainda por cima os partidos burgueses tradicionais conservadores e os partidos católicos tinham peso e aí surge uma clivagem entre a Europa do Norte, a Europa Central e do Sul. Essa clivagem é muito importante porquê? Porque na Europa do Norte não há partidos comunistas fortes. Na Europa Central e na Europa do Sul os partidos comunistas são fortes. Isso faz toda uma diferença. Onde há partidos comunistas fracos, a social democracia ocupa o campo todo.

Nos países nórdicos vigoraram, durante décadas, os governos dos sociais democratas, às vezes apoiados em dois ou três deputados comunistas no parlamento, mas só dois ou três. Era a liderança hegemónica da social democracia que se permitia ser mais moderada.

Não assim na Alemanha, mais tarde na França e não assim noutros países do sul da Europa, onde os partidos comunistas muito cedo tiveram um grande peso. Porquê? Porque aí o atraso económico e social era maior. As desigualdades eram maiores e portanto era mais fácil a radicalização da mensagem contestatária. E aí foi um drama. Foi um drama para as sociais democracias terem espaço e serem moderadas. Tinham de competir com partidos comunistas fortíssimos. Ou não conseguiam afirmar a sua voz e demoraram muito tempo a afirmar (que foi o caso da França, durante muito tempo), ou conseguiam afirmar mas com a radicalização à esquerda. E não é por acaso que no seio da Internacional Socialista (separada da Internacional Comunista desde o revisionismo), há os partidos socialistas do sul da Europa e de uma parte do Centro da Europa e os partidos sociais democratas mais para o norte da Europa.

Entre a primeira e a segunda guerra ensaiam-se frentes populares. A mais conhecida é a frente popular francesa, mas houve também um ensaio em Espanha com grande peso dos comunistas. Em que os partidos socialistas tinham dificuldade em travar o radicalismo dos comunistas e às vezes até os ultrapassavam pela esquerda para não ficarem mal vistos na fotografia.

Entretanto subiam os fascismos. Na Alemanha (depois da crise de 29-33), em Itália, e depois modalidades peculiares que em rigor, (mais a portuguesa do que a espanhola) não são verdadeiros fascismos. Têm alguns traços do fascismo mas não são verdadeiros. A segunda guerra venceu os fascismos e foi a vitória, por um lado, das democracias mas por outro lado da União Soviética. Foi uma vitória repartida e à saída da segunda guerra os velhos partidos que tinham sobrevivido do século XIX para o começo do século XX e alguns deles tinham morrido ou entrado em crise durante a II guerra, ou desapareceram ou tiveram de levar uma volta monumental. Quer os partidos de quadros que existiam, quer os partidos de massas.

Porque surgiu um novo tipo de partido – o partido eleitor. O que interessava agora com o sufrágio universal era conquistar eleitores à direita ou à esquerda, prometendo coisas contraditórias. Com programas onde se prometia aos senhorios uma coisa e aos inquilinos outra. Aos patrões uma e aos trabalhadores outra, porque o que interessava era ganhar votos. Isto para os partidos de quadros era uma revolução. Os partidos de quadros eram para ganhar votos de meia dúzia de notáveis e muitos deles morreram. No lado liberal, muitos morreram ou tornaram-se pequenos partidos. Os partidos tiveram que se adaptar para partidos de eleitores, o que obrigava a mudar o programa, a mudar o estilo, mudar o tipo de funcionamento entre outras coisas a funcionar permanentemente. O mesmo se passa com os partidos de massas, primeiro com os sociais democratas e depois com os comunistas.

Os partidos de massas têm de se adaptar, porquê? Vejam o caso do partido social democrata alemão que só no início dos anos 60 deixou de ser um partido da classe operária, marxista, para passar a ser um partido interclassista, com vários contributos ideológicos e doutrinários para conquistar a classe média e conquistar a burguesia. Porque não podia ser só o partido da classe operária para combater a democracia cristã alemã.

Portanto, onde souberam e puderam, os partidos sociais democratas e socialistas converteram-se em partidos de massas. Sempre com este problema: onde havia grandes partidos de massas comunistas era mais difícil do que onde não havia. E mais tarde os partidos comunistas, eles próprios, no segundo revisionismo do eurocomunismo tiveram de mudar de discurso e de estilo. Tiveram de deixar de ser revolucionários.

A viragem do partido comunista francês, que foi teimoso, e que o fez muito tarde. Dos primeiros, o Partido Comunista espanhol e o partido comunista italiano, lá no fim da guerra, com Togliatti a propor alianças à democracia cristã e a dizer que queria integrar o bloco do poder porque queria jogar o jogo reformista eleitoral, sabendo que era a única maneira de conquistar votos para além dos fieis.

Neste quadro, o que é que restou de social democracia? Foi o seguinte, a social democracia começou a ter pouco a ver com a génese histórica. Porque, primeiro aceitava a democracia, segundo aceitava o mercado. Passou a aceitar o mercado, embora os partidos socialistas mais radicais queriam o Estado a intervir com nacionalizações e com direcção na economia. Os sociais democratas mais pragmáticos (a começar nos nórdicos e mais tarde o partido trabalhista britânico) com uma maior flexibilidade em termos do papel do Estado na economia. Defendendo a democracia económica, cultural e social, portanto não só direitos políticos mas também direitos económicos e sociais e sendo o grande apóstolo do Estado prestador de serviços: na educação, saúde, na segurança social e às vezes habitação e na política de terrenos.

Os grandes sistemas sociais devem ser governo onde estão os socialistas e os sociais democratas. Embora aqui e ali com uma presença comunista como é o caso da França.

Isto que vai em crescendo desde os anos 60, atinge a sua expressão suprema nos anos 70 com o Estado providência. O Estado deve providenciar no sentido, não apenas de que não haja ninguém abaixo do limiar de pobreza, como que haja o máximo de igualdade, o máximo de justiça redistributiva. E isso garante-se com a intervenção do Estado nos sistemas sociais. Já não com o Estado a ser produtor ou distribuidor económico. Isto sempre como o norte da Europa umas décadas à frente e com a Europa do centro e depois a do sul umas décadas atrasadas. Tanto mais que na Europa do sul havia ditadura em Espanha até aos anos 70, tal como em Portugal, bem como na Grécia (a ditadura dos coronéis que durou uns tempos). Em Itália não havia ditadura mas havia a liderança incontestada da democracia cristã. Primeiro, sozinha depois com parceiros minoritários e depois às tantas com mais 4 parceiros (era uma coisa infindável). O partido socialista italiano só consegue chegar ao poder quando se americaniza, quando ganha muito juízo, quando fica tão conservador como a democracia cristã e quando fica ainda mais metido na economia de mercado e nos negócios do que alguns democratas cristãos. Já pelo meio, os americanos tinham conseguido a cisão do partido socialista italiano com a criação de um partido social democrata que era mais moderado, mais pró-ocidental e mais pró-economia de mercado.

Hoje o grande drama dos socialistas e dos sociais democratas com este percurso na Europa é que não sabem bem onde se colocar. Durante uns tempos havia duas correntes: a francesa, estilo Jospin – que ainda tem alguns defensores cá, quando ouvimos Manuel Alegre, Mário Soares que estão nessa onda, que o Estado deve apropriar, o Estado deve intervir na economia, o Estado deve ser mais ambicioso na direcção da economia e portanto mais rígidos nessa visão. Se quiserem, mais antimercado e mais rígidos nas relações com a América e mais rígidos na visão da solidariedade internacional. E depois temos outra via. A chamada terceira via, que é no fundo a social democracia a mitigar-se, a mitigar-se e a caminhar para o centro, a aceitar o mercado, cada vez mais o mercado. Em muitos casos a substituir o Estado prestador, pelo Estado garante, o Estado regulador. Aceitando ele próprio, como o caso de Blair, a privatização de sistemas sociais, em tudo o que não é básico, em tudo o que não é para garantir patamares mínimos. No plano internacional, alinhamento com a América, solidarismo mas “non troppo”. E portanto, nesse sentido, direitos económicos, culturais e sociais, sim mas com plafond fiscal, “que a vida está difícil” e depois não há dinheiro para pagar isso. Abertura aos novos desafios ecológicos, das tecnologias, da saúde, da bioética, etc., e também internacionais. Europeístas, a Europa começou por ser uma Europa dos democratas cristãos e os socialistas que torciam um bocado o nariz passaram a ser os grandes apóstolos com nomes como o Chanceler Schmidt, muito pragmático e mais tarde o próprio Mitterrand. Esse foi tudo. Foi estilo Jospin depois de ter sido tudo. Mitterrand foi um homem tipicamente social democrata e também um radical socialista, Pelo meio ainda teve tempo de conviver com Vichy. Depois mais tarde é ele que faz a unificação da social democracia com os radicais socialistas e o último retrato dele é que aparece mais à esquerda do que o que foi o percurso dele na quarta república.

Em qualquer caso a nova esquerda anda à procura de lugar. Sabemos que é algures no centro esquerda mas não sabe exactamente onde. Porque já tem pouco a ver com as suas raízes originais. Dir-se-á, estilo Manuel Alegre, “isso aí não tem futuro”. Errado: bem pelo contrário: é isso mesmo que tem futuro - para agradar ao centro há que ter essas posições. Por isso é que o senhor Blair ganha eleições. Se ele fosse bem mais à esquerda não ganhava eleições, como aconteceu com outros dirigentes trabalhistas. E o mesmo se dirá, do drama em que se encontra o socialismo francês, do drama em que se encontra o senhor Schröder, (que era um homem de esquerda e que tem caminhado rapidamente no sentido do “blairismo”), e o socialismo italiano ainda é mais complicado. Porque, como partido socialista, entrou em crise e era muito pequenino, hoje são socialistas e entram na internacional socialista os ex-comunistas. O senhor D’Alema é que se moderou, tendo sido comunista, é socialista e está a caminho da social democracia moderada.

E Portugal? Portugal é outra história porque tudo isto foi muito mais atrasado e por outros caminhos completamente diferentes. Em Portugal, como sabem melhor do que eu, não revolução industrial no século XIX. Não houve liberalismo económico e social no séc. XIX. Houve sim, uns liberais políticos, que importaram um modelo inglês artificial de dois partidos que rodavam e decidiam em conjunto com o Rei, ou informando o rei que iam mudar o governo e só depois é que havia eleições, (para dar tempo aos caciques locais mudarem de partido). Isto passou para a primeira República e isto só não foi exactamente assim porque havia um partido hegemónico, o Partido Democrático que não gostava de repartir o poder com os outros. Todos eles partidos de quadros, mesmo o Partido Republicano, mesmo o Partido Democrático e que é como sabem, o mais importante dos partidos herdeiros do Partido Democrático, (mais importante que o partido Unionista e o Evolucionista. Unionista à direita e o Evolucionista ao centro).

Portanto, quando chega a ditadura e não chega por acaso, (chega porque é a expressão do que tinha ficado de absolutismo, desde o início das revoluções liberais) houve uma parte do País que entrou na clandestinidade. Os liberais criaram um Estado liberal, mas boa parte do país era anti-liberal. Não tinha com dizê-lo senão através de golpes.

Portanto, ao longo do século XIX, foi fazendo uns golpesinhos, foi aparecendo no começo do século XX. E o franquismo é isso. E uma parte da Igreja, uma parte da nobreza, uma parte da burguesia a manifestar-se fora do sistema. O salazarismo é isso. O salazarismo, mais do que um fascismo, é uma monarquia absoluta com um Primeiro-Ministro que se considerava déspota e iluminado. É pré-liberal. E realmente é pré-liberal porque nós só tivermos a primeira siderurgia em meados do século XX. Portanto quando ele começou era um país agrário. Um país fechado, agrário, não um país industrializado nem de serviços. Não tinha conhecido as transformações dos outros países no século XIX e princípio do século XX. Não vale a pena recordar a ditadura, vale só a pena recordar que teve 40 anos. Vale a pena sim, falar na oposição à ditadura.

A oposição à ditadura começou por ser feita pelos partidos liberais, os partidos da 1ª República. Mas coitadinhos eles estavam a cair já no final da 1ª República e portanto mandados para a clandestinidade. Aqueles burgueses não viviam na clandestinidade. Portanto, uns foram exilados e não tinham como se opor perante uma ditadura que apesar de ser mais monarquia absoluta era bastante repressiva.

Surge o partido comunista que tinha sido criado em 1921 e que era uma pequena força em 1926. Mas ganha força nos anos 30 e na transição para os anos 40. Rapidamente passa a liderar a oposição. Isto é, deixam de ter protagonismo os partidos herdeiros da 1ª República. O partido comunista rapidamente supera o problema dos anarco-sindicalistas e anarquistas que tentaram ter um papel importante na classe operária. Supera-os e passa ser o partido liderante da oposição. E se isto já tinha sido conseguido pelo seu líder José Bento Gonçalves, é reforçado por Álvaro Cunhal, que é uma espécie de refundador do partido comunista português. Pega nele nos anos 40 e refaz o partido comunista. E o partido comunista define uma linha, que aliás é definida em sintonia com a internacional comunista que é a linha unitarista.

A oposição tem de ser unitária, para ser mais forte, e o partido comunista deve liderar essa oposição. E o que é que a oposição tinha? Tinha um resto de republicanos liberais, tinha um resto (mas pouco) de democratas-cristãos e católicos sociais. Tinham alguns poucos sociais-democratas e socialistas. O partido socialista nunca tinha sido um partido forte em Portugal. O partido socialista do século XIX era um partido minoritário. Já não estou a falar dos socialistas catedráticos, bem pensantes, até reuniam com o Rei. O partido socialista era um partido de intelectuais, muito pouco de operário.

Fica na oposição um conjunto de instituições, uma das quais o directório da acção democrato-social, se quisermos social-democrata. Que são herdeiros dos velhos partidos republicanos. É a esse directório que vão parar, também alguns dissidentes do partido comunista que querem no fundo afirmar um certo espaço de intervenção política. Mário Soares, por exemplo, foi comunista e a partir de certa altura começa a convergir nas acções com o directório e com outras forças.

Este directório manifestava-se durante o período das eleições. Manifestou-se no final dos anos 50, no início dos anos 60, manifestou-se em relação ao problema da guerra de África e é dele que vai surgir uma cisão, que dá origem à Acção Socialista. Que é antepassada do partido socialista. A Acção Socialista é uma cisão de acção democrato-social liderada por Mário Soares e com o Salgado Zenha como protagonista e que só se converte em Partido Socialista em 1973. Do Partido Socialista que hoje existe, só surge enquanto tal, constituído no estrangeiro por 30 pessoas, nas véspera do fim da ditadura. Isto para mostrar o ascendente que tinha o partido comunista. É evidente que depois havia organizações armadas ligadas ao partido comunista, havia várias organizações de esquerda com intervenção armada ou não armada e que sobretudo se afirmam nos anos 60 e 70 e de forma muito eficiente contra a guerra em África.

Pelo meio houve as eleições de 69. Nas eleições de 69 o partido comunista defende listas unitárias, o que houve praticamente em quase todo o país, excepto em três ou quatro sítios, em que houve divisão na oposição. Na oposição estavam o PCP, o que viria a ser o MES, o agrupamento de extrema-esquerda, o que viria a ser mais tarde o Partido Socialista (a CEUD) e uma oposição monárquico-independente constituída por monárquicos que tinham sido dissidentes do regime ou que tinham posições autónomas (por exemplo, que tinham sido nacionais sindicalistas, como é o caso de Romão Preto, que de início tinha tiques mais fascistas do que o próprio Salazar e que depois deu a volta no sentido da democracia e contestou numa óptica democrática o fim da ditadura).

Chegamos a 74 e em rigor havia o quê? Do lado da ditadura, que estava completamente podre e já o estava desde Delgado, anos 50, e que tinha mantido uma unidade formal por causa da guerra em África. Que tinha tido uma sucessão de líder com Marcelo Caetano e que não tinha conseguido fazer a transição à espanhola por causa de África e de outros factores que não interessa para o caso. Havia portanto, uma direita pouco democrática e ligada à ditadura, embora em muitos casos, aceitando que era inevitável caminhar-se para a democracia (e há muito tempo que deveria ter sido).

Havia, do lado da oposição, o PCP fortíssimo, o PS pequeníssimo, vários partidos de extrema-esquerda e que tentaram legalizar-se. O movimento unitário que o PC tinha ajudado a criar – o MDP/CDE, que durante muito tempo manteve como companheiro de luta convertido em partido. Tentou ainda ficar como movimento unitário, mas quando o PS e o PPD se opuseram converteu-o em “compagnon de route”. Ou seja, quando em 74 se pôs a questão da criação do PPD, havia à esquerda um partido fortíssimo e que além do mais tinha trabalho e tinha as suas ligações às forças armadas. O partido que também tinha ligações às forças armadas, mas que era muito mais fraco era o Partido Socialista, que teoricamente para olharmos para o percurso de Mário Soares, deveria ter seguido o caminho de convergência com as sociais democracias, mas que sente a necessidade de se radicalizar programaticamente para não ser ultrapassado pelo PC e surge com um programa muito à esquerda.

O discurso de Mário Soares no 1º de Maio de 74 foi mais radical do que o discurso de Cunhal. Para não perder espaço à esquerda. Depois temos várias realidades que vão confluir no PPD e temos uma direita difusa que vai do centro à direita, e que se divide inicialmente por pequenos partidos. Alguns dos quais são proibidos naqueles primeiros meses ou deixam de actuar. Uma parte viria a confluir no CDS.

 

Quais são os antecedentes do PPD? O PPD tem como primeiro grande antecedente a acção católica. Isto é, vários agrupamentos que nos anos 50, 60 e 70 através da juventude escolar católica, a juventude agrária católica, juventude operária católica, juventude universitária católica e doutros movimentos católicos que tomam posições em cooperativas, em cine-clubes onde era possível fazer alguma política, que têm um papel muito importante nas comissões diocesanas de justiça e paz, como é caso de Francisco Sá Carneiro. Que tem uma posição que nós podemos dizer social cristã, embora a fronteira entre os sociais cristãos e os sociais democratas seja ténue. Francisco Sá Carneiro numa entrevista a Jaime Gama em 69 usou a expressão “social democrata nórdico” - a meu ver ele era mais um social cristão. Era um social cristão com ideias sociais democratas.

Depois havia os tecnocratas. Isto é, na transição para Marcelo Caetano ele chamou para o Governo, (e que foram afastados na fase final), uma série de economistas, sociólogos, gente nova ligados ao planeamento económico e social – caso de João Salgueiro, de Rogério Martins e de Xavier Pintado, entre outros, o Magalhães Mota e depois também o Cravinho e Torres Campos (que iriam para o PS) – que têm uma formação que diverge dos sociais cristãos de preocupações políticas por uma pequena diferença, que no entanto, os vai dividir durante a fase do caetanismo. Por exemplo, o João Salgueiro defendia que só se punha fim ao regime duradouramente pela via económica e social. Francisco Sá Carneiro achava que era mais importante a luta dos direitos cívicos e políticos. Era menos sensível, pela sua formação, à problemática económica e social.

E foi dificílimo pô-los de acordo. O António Guterres e eu conseguimos uma vez, pôr de acordo os dois, que no fundo se consideravam candidatos ao mesmo lugar de liderança da mesma área, na SEDES. Mas nenhum deles ficou presidente do Conselho Coordenador. Fomos buscar um terceiro para ficar Presidente e eles aceitaram com grande relutância entrar no mesmo grupo.

Para Francisco Balsemão, que estava na linha do Francisco Sá Carneiro, a mudança é política e nunca económica ou social. Nunca entrou na SEDES, por achar que eram os teóricos, de gabinetes, muito lentos, que o que era preciso era actuar, agir rapidamente. E agiu, ele, criando o Expresso em cuja fundação eu também estive.

Portanto, conflui esta tradição da acção católica, essa linha social cristã que vem depois a ser muito importante na fundação do PSD, com os tecnocratas mais sociais democratas ou menos sociais democratas, com a SEDES (que reuniu gente que tinha estado na ala liberal, alguns da CEUD e alguns da CDE). Muita gente não alinhada e o grosso da SEDES viria a aderir ao PPD/PSD. Núcleo de Leiria com o Tomás Oliveira Dias e Ferreira Júnior. O grupo de Torres Vedras com o Moura Guedes. Uma parte importante de Lisboa, o grupo todo do Porto, com Francisco Sá Carneiro, com Pinto Machado, com outros. O Expresso teve um papel fundamental na génese do PPD. A sede do PPD desde o 25 de Abril foi no Expresso: era lá que se aceitavam inscrições, foi lá que eu escrevi à máquina um comunicado praticamente ditado pelo Francisco Pinto Balsemão a anunciar a constituição do Partido e ajustado por ele e pelo Sá Carneiro pelo telefone.

Mas ao partido também veio a confluir um sector mais radical à esquerda e que foi uma surpresa. Que foi o sector liderado pelo Jorge Sá Borges. E vale a pena perder um minuto, porque ele é uma pessoa pouco conhecida. Tinha sido da CDE, era um homem bastante avançado de ideias, na linha do MES, estaria na linha do “compagnon de route” do PC, como era no fundo o Jorge Sampaio na altura, e o José Galvão Teles. E, de repente, ele é quem mais se opõe (com o Mário Murteira – que segue outro caminho no MPD/CDE) que mais de opôs à conversão automática da SEDES em PPD, quando o Francisco Sá Carneiro e o Magalhães Mota foram propor isso. Mas inexplicavelmente dias depois vem oferecer-se ao partido, para aderir ao partido. Levando com ele um grupo grande de intelectuais e de activistas que vão ter um papel muito importante na génese do partido.

Uma linha não social democrata mas mais socialista. E depois um conjunto de jovens que estavam a sair das universidades. Estavam entre a social democracia e o socialismo, mas apesar de tudo preferiam a linha social democrata e constitui a génese da JSD, de que é Presidente nos primeiros 2 anos, o meu irmão António, e onde estavam Guilherme d’Oliveira Martins e vários outros que já não estão no partido e que vinham de uma linhagem mais à esquerda.

O partido nasce assim com uma frente. Uma frente que tem socialistas, poucos mas alguns (a linha Sá Borges), jovens na linha da social democracia, sociais democratas e sociais cristãos, sociais democratas e sociais liberais. Para mim o Francisco Balsemão é um social liberal de ideias sociais democratas; poucos liberais na altura e depois uma massa conservadora que tinha de ir para qualquer sitio. E o PPD era o primeiro partido que aparecia a dizer-se do centro, leia-se mais à direita de tudo. Note-se que não havia CDS.

Mas apesar de tudo para o País rural, que era avançado em muitas reivindicações sociais, (porque havia um dualismo, uma desigualdade muito grande, mas tinha medo e queria autoridade), não era tão avançado em termos políticos ou outras ideias a que eu chamo uma corrente social populista. Ela também vai entroncar no PPD desde o início. É a génese dos Açores e da Madeira. Na Madeira, porque prevalece o social populismo, nesse sentido o Alberto João Jardim faz um PPD contra os ingleses e contra as classes dominantes que ficaram depois ligados ao CDS ou fora da política. E daí a tonalidade do discurso muito avançada em termos sociais, embora politicamente muito certinho. E o caso dos Açores, onde a pobreza era brutal, o João Bosco Motal Amaral fez um social cristianismo avançado, por causa das situações económicas e sociais dos Açores e acabou por se converter em social democrata, o que só foi bom para ele e para o partido.

Entra-se na revolução, há aquela radicalização da revolução e o primeiro Congresso do Partido, vocês não imaginam o que é. O Sá Carneiro faz um discurso o mais esquerda possível, escrito por Pedro Roseta, que hoje (quando olha para aquilo) deve morrer do coração (RISOS). Diz que a social democracia é a via para o socialismo, a nossa meta é o socialismo, tal como a co-gestão é a via para a auto-gestão. Nós defendemos a auto-gestão no futuro. E o primeiro programa que é aprovado é galopante. Eu conto muitas vezes esta história: às tantas Francisco Sá Carneiro chama-me, porque na altura eu não era da JSD, nunca fui da JSD, mas era aliado da JSD.

Na altura tinha o papel da implantação do partido, em Lisboa, na zona chata: Lisboa, Ribatejo, Alentejo e Algarve. Quando era preciso levar pancada lá estávamos. Era a Roseta, o Jorge Ferreira da Cunha, o Rosado Fernandes e eu. Acontece o seguinte, Sá Carneiro chama-me e disse-me “você tem que, com uma argumentação marxista qualquer, liquidar uma proposta que quer nacionalizar os restaurantes, os cafés, os hotéis, as barbearias”. Já não apenas aquelas que já eram nacionalizadas indirectamente, mas as que eram nacionalizadas directamente.

Depois lá foi explicar se Marx fosse vivo não defendia isso, etc, mas lembro-me que fui tão radical à esquerda que o pobre Alfredo de Sousa, um grande professor de Economia, (e que tinha feito um projecto de programa bem mais ao centro) quase me veio dar bofetadas por causa das propostas de alteração que nós tínhamos apresentado. É nesse congresso que adere ao partido um sector importante do directório de acção democrato-social, os velhinhos republicanos liberais. Mas um deles teve um papel fundamental no partido, foi líder do partido, Nuno Rodrigues dos Santos. E outros: Artur Santos Silva, pai do banqueiro, Olívio França, um grande deputado à Constituinte, Aresta Branco por aí adiante. Por um lado foi bom para o partido, porque veio dar uma legitimidade acrescida de combatentes de décadas contra a ditadura.

Nessa época, nós estávamos na chamada corrida para a esquerda e então entrava-se na sede do Rato e eu tinha posto lá um cartaz que era a social democracia a caminho do socialismo. Nessa ocasião o partido tenta aderir à Internacional Socialista. O Francisco Balsemão faz o melhor e consegue até assistir a reuniões da Internacional Socialista, mas Mário Soares rapidamente se mexe para manter o monopólio. Mas apesar de várias tentativas da JSD e do partido, não somos admitidos na Internacional Socialista. Primeira questão.

A segunda questão: Nessa ocasião PS tinha deixado livre o espaço da social democracia porque estava no socialismo radical. Então nós colocámo-nos ali, numa social democracia muito avançada. Se lerem um dia o primeiro programa do partido verão: a base era o Estado motor da economia e não apenas os sistemas sociais muito ambiciosos, que também os havia para tudo e mais alguma coisa. E recusamos nessa altura um convite dos democratas cristãos. Antes do CDS ter sido constituído, a União Europeia manda cá uma delegação que ainda fala com Francisco Sá Carneiro. Assisti a essa conversa em São Bento, era ele Ministro Adjunto do Palma Carlos e com (muita pena) o Sá Carneiro (percebendo que ia perder ali um espaço durante décadas) disse que não, porque estava na onda da Internacional Socialista. E o que nos aconteceu a nós, aconteceu também em Espanha.

Durante muito tempo o Adolfo Soarez não tinha espaço político para se enquadrar no campo europeu. Os socialistas tinham a internacional socialista porque à direita havia na altura o antepassado do PP espanhol e ele contava com os reformistas centristas e sociais democratas moderados.

O partido nessa altura tinha as seguintes alas. Uma ala direita que era constituída por uma boa parte dos apoiantes e aderentes do partido. A ala Sá Borges que era uma ala esquerda muito peculiar, não só porque era uma tradição de esquerda, mas também porque defendia o frentismo com os comunistas. E depois a nossa ala (da JSD e outros) que rapidamente tivemos posições nas distritais, (eu fui eleito para a distrital de Lisboa) e éramos uma ala esquerda mas moderada e aceitando a liderança de Sá Carneiro.

O Sá Carneiro tentava fingir que era central em relação a isto, embora sentisse que os seus principais aliados era obviamente a ala direita do partido. Nós também éramos, mas éramos relativamente menos poderosos. Como sabem Sá Carneiro cai doente em 1974 e desgosta-se do processo revolucionário, começa a discordar de tudo. Mas cai mesmo doente e é operado em situação muito grave. Por isso, desde o início de 1975, no início da revolução e até ao final do Outono de 75, ele está fora. A questão agrava-se. Fica o Sá Carneiro a deixar de ser o elemento intermédio, ele já tinha objectivamente perdido o 1º Congresso, caso de um líder que ganha, perdendo. Porque tem que negociar com a ala Sá Borges e esta ala fica maioritariamente na Comissão Política Nacional e o Vice-Presidente do Partido fica o Sá Borges.

Quando ele tenta superar isso, nomeando o Rui Manchete e mais tarde o António Capucho para Secretários-gerais Adjuntos, a Comissão Politica nega-lhes poderes políticos. E apesar de nós na Comissão de Fiscalização, (que era um órgão que existia, que controlava todos inclusive o Conselho de Jurisdição) termos dito que a boa interpretação dos estatutos era favorável a Sá Carneiro, não foi essa interpretação que vingou.

E é galopante o peso de Sá Borges. Leva consigo gente muito lúcida, por exemplo, o Mota Pinto e vários outros que tinham um papel importante na implantação do partido. Leva com ele a parte laboral que era importante, com o Alfredo Morgado. Leva com ele a segurança com o José Manuel Ramos, que era Presidente da Concelhia de Lisboa. Leva com ele o Fernando Albuquerque e o Bettencourt que tinham feito a implantação no norte, leva com ele vários indivíduos do Porto.

Se eu conto isto é para dizer o seguinte. Em plena revolução, na substituição de Sá Carneiro, nós estamos assim: um candidato de direita que é o Magalhães Mota, há o nosso candidato que é o Mota Pinto e há o Jorge Sá Borges. E nós convencemo-nos que o Sá Borges está para o PPD como o Manuel Serra está para o PS, que, feito com o PC, tinha tentado conquistado o PS ao Mário Soares. Isto hoje parece incompreensível mas foi assim, e ainda teve 40% dos votos.

E é dramática a substituição do Sá Carneiro, que teve que ser feita em Conselho Nacional. O Mota Pinto levanta-se a meio da votação e desiste deixando-nos sem candidato. O Magalhães Mota não sobe e o Sá Borges ia tomar conta do partido. Leia-se que o partido poderia ter conhecido uma viragem à esquerda brutal. E é nessa ocasião que nós inventamos o Emídio Guerreiro. O tal velhinho hoje de 105 anos. A Roseta como sempre chorava imenso nos Conselhos Nacionais (RISOS), não sei como é agora no PS, mas chorava imenso (PALMAS). Mas ela foi de uma coragem espantosa. Nós devemos à Helena Roseta, no período de implantação do partido o que não tem palavras. Eu praticamente desculpo-lhe quase tudo o que ela tem dito do PPD/PSD depois disso. Praticamente tudo, por conta do que ela fez no nosso partido. Foi espantosa, ninguém queria ir, subir telhados, andar a fugir, ir a boicotes de comícios, todas as noites, mas todas as noites, ela e eu e outros íamos a dois e três comícios que eram sistematicamente boicotados.

Mas inventámos o Emídio Guerreiro porquê? Primeiro, porque Sá Carneiro tinha-o metido no partido, (mais tarde quando eu fui líder descobri que não tinha ficha, mas só no PPD é que é possível isso, chegar-se a líder sem ter ficha) (RISOS). Em segundo lugar tinha votado comigo contra o pacto MFA/Partidos. Tínhamos sido os únicos dois presidentes de distritais, eu de Lisboa e ele do Porto, a votar contra o pacto. Terceiro, era muito corajoso. Era um bocadinho excitado mas muito corajoso. O meu problema é que tinha 75 anos de idade, pensei que ele não aguentava mas está óptimo 30 anos depois. Não só aguentou como foi uma força da natureza.

E com isto, ganhou-se a Sá Borges à tangente. A história depois complicou-se porque Emídio Guerreiro alia-se a Sá Borges contra o regresso de Sá Carneiro. E o regresso decorre apoiado por nós mas tendo contra a linha Sá Borges e outros. Sá Carneiro volta apoiado pela direita do partido, nós e a JSD contra a linha Sá Borges que sai do partido. Esta é a primeira grande cisão.

E o problema da cisão é que com ele sai o grupo dele e gente muito boa que não era do grupo dele: Graça Moura, Leonor Beleza, Mota Pinto e o que acontece nestas cisões é que vai sempre mais do que aquilo que deve ir.

Acontece é que não é possível controlar, porque há fidelidades, lealdades. E é um problema porquê? Nos Congressos de Aveiro, em 75, o partido fica com as alas da direita, quando digo direita é o social populismo e conservador e depois à esquerda ficamos nós, a JSD e mais alguns aliados da JSD que ficámos conhecidos como “os condicionais”. Porque impusemos condições. Não para ficar, bem entendido, mas para negociar uma plataforma. E o Francisco Sá Carneiro que é muito inteligente, percebe que tem que valorizar este sector e autoriza pela primeira vez no partido uma tendência. E funciona uma tendência de que eu era o líder na altura, chamado CERESD (Centro de Estudos de Reflexão Social Democrata) de que ele era o presidente honorário, para ser a ala esquerda do partido e compensar o vazio que havia.

Mas a coisa continua a complicar-se e para simplificar as coisas há uma segunda cisão no partido três anos depois. E aí é mais complicado. Para perceberem um bocadinho o posicionamento doutrinário do partido. Porquê? Porque uma parte dos condicionais sai com as Opções Inadiáveis: o Barbosa de Melo, Rui Machete, Sérvulo Correia, o núcleo de Leiria, uma parte do núcleo de Torres Vedras, sai metade do Grupo Parlamentar, sai o Sousa Franco, que entretanto tinha entrado pela mão de Sá Carneiro para compensar a cisão Sá Borges. E quem é que fica?

Como dizia o Francisco Balsemão: “cada vez que há uma cisão, escapa você e eu” (RISOS). Nós damos um passo ligeiro à direita e a guilhotina cai, quase que nos cortam um dos dedos do pé (RISOS). Dos condicionais fico eu e o Francisco Balsemão. Da JSD inicial não ficou ninguém. Saiu o meu irmão e toda a equipa. Quer a equipa da primeira direcção até 74, quer a equipa de António Fontes da segunda direcção até 76 a 79. E é aí que Francisco Sá Carneiro fica com um espaço muito reduzido e decide fazer uma coligação de poder que seria a futura AD.

Ele está nesta situação, sem ala esquerda, só estamos meia dúzia de gatos pingados na ala esquerda. O resto é tudo da ala direita e portanto ele está encostado à direita do partido, sendo ele mais à esquerda do que o resto e portanto puxando ele para o centro esquerda e para a Europa contra a vontade do partido. Puxando para visões sociais e económicas mais avançadas contra a vontade do partido. É nessa ocasião que ele diz que, com o PS, não é possível nada, tinham sido os governos presidenciais e ainda faz o show off de propor [um pacto] ao PS. Ele propõe ao PS sabendo que ele vai dizer que não e depois propõe ao CDS com quem já tinha havido uns falatórios de convergência democrática e já o Freitas estava cheio de vontade porque estava nas ruas da amargura. Porque o CDS tinha cometido a asneira de ter atacado mal o governo Nobre da Costa, tinha ficado muito impopular com essa estratégia e pior do que isso tinha feito a aliança anterior de poder com o PS. Tinha saído desfeito do governo PS/CDS.

N a sequência da aliança com o CDS, o PPD vai para o poder. No poder, a ala mais avançada é corporizada por Sá Carneiro e pelo seu partido, como é óbvio. Acontece a tragédia de Camarate e Francisco Balsemão tem de avançar para substituir Sá Carneiro. Só que, enquanto que Francisco Sá Carneiro era aceite por Freitas do Amaral e pelo CDS pacificamente, esta segunda AD é diferente. São dois anos terríveis, não tanto do ponto de vista ideológico e doutrinário, mas nas áreas de influência, de afirmação. E que termina mal porque entretanto tinha surgido uma nova realidade no PSD: Cavaco Silva. Tinha sido o Ministro das Finanças, fortíssimo, de Sá Carneiro, e nunca tinha aceite a liderança de Francisco Pinto Balsemão. Ele, com Eurico de Melo, Helena Roseta, Pedro Santana Lopes (que entretanto tinha chegado ao Partido) formam um sector, chamado “os críticos”, que entrou em choque frontal com Francisco Pinto Balsemão. Entraram pela direita, e aliaram-se ao Freitas do Amaral para fazer cair Francisco Pinto Balsemão. Mas isso é difícil de dizer porque não foi tanto uma questão doutrinária mas sim estratégica.

E ele cai dentro do Partido, (embora também por pressão externa) e sobe ao poder o Bloco Central - uma aliança PSD/PS corporizada por Mota Pinto que tinha regressado ao partido no tempo de Francisco Pinto Balsemão. Os “condicionais”, das “opções inadiáveis”, que tinham saído no tempo de Francisco Sá Carneiro, regressam ao Partido após o seu falecimento. Embora alguns deles já colaborassem com Mota Pinto na campanha de Soares Carneiro. Bom, nessa altura também anda alguém, que viria a ser importante, e que sempre esteve na área do partido: João Salgueiro.

No Bloco Central passa a haver três alas. O Carlos Coelho lembra-se bem disso porque fazia parte de uma delas e eu de outra (RISOS). Havia o “Motapintismo”, (que acabava de ir a reboque do PS, mau grado a boa vontade de Mota Pinto e de Rui Machete), havia a ala dita “esquerda” onde estava o Francisco Pinto Balsemão (que sempre lá tinha estado), o João Bosco que tinha lá chegado, o João Salgueiro e outros patriotas. E havia a ala direita, com Pedro Santana Lopes, Durão Barroso, José Miguel Júdice, António Pinto Leite e outros patriotas. O que há de novo é que eu apareço na ala direita.

Quer a ala esquerda quer a direita contestavam o Bloco Central. A esquerda mais suavemente porque não se batia por questões de princípio mas sim por uma questão estratégica: achavam um erro ir-se a reboque do PS. E nós contestávamos pois queríamos um PSD sozinho ou, quanto muito, coligado à direita. Mas a tendência fundamental era o PSD sozinho e não a reboque do PS, mas com posições mais moderadas. Acontece que o Bloco Central caiu por si. Caído o Bloco Central sobe o Cavaquismo, apoiado por alguns herdeiros de Mota Pinto - como sabem, ele morre a 10 dias do Congresso da Figueira da Foz, e apoiado também pela “Nova Esperança”, era assim que se chamava o nosso grupo. Dividiu-se a ala esquerda em dois grupos: os que colaboraram com o cavaquismo e os que ficaram amuados durante uns tempos. Uma coabitação distante mas respeitosa, como o caso de Mota Amaral (Presidente do Governo Regional dos Açores). O João Salgueiro nunca coabitou muito com o cavaquismo. O Cavaquismo tem de novo uma coisa curiosa: sendo apoiado pelo Motapintismo, (que viria a estar na origem do nogueirismo), e pela Nova Esperança (que desembocaria no Barrosismo), ou seja, um apoio mais à esquerda e outro mais à direita, gere muito bem porque dissolve as sensibilidades e tem uma actuação política mais à esquerda do que à direita.

O Cavaquismo vai buscar uma mistura de social cristão, social populista e social democrata, num tempo em que o Estado ainda não tinha feito as privatizações (ia começar a fazer), dando grande enfâse aos direitos económicos, sociais e culturais e na intervenção do Estado. Cavaco Silva, ironicamente, embora tendo estado algumas vezes com posições à direita contra Balsemão, faz uma política de centro-esquerda. Com este talento arrasta a direita e boa parte da base de apoio do CDS, que conhece vários líderes que vão a reboque de Cavaco. Mas era isso que estava no fundo de Cavaco Silva: ele era de centro esquerda e não de direita ou centro direita.

E chega a altura do Dr. Cavaco da Silva ir “tratar da vida”, senão a vida tratava dele (RISOS), tendo a hombridade de ficar até ao fim do mandato (o Eng.º Guterres tratou da vida a meio do mandato). Como sabem, no fim do cavaquismo confrontam-se duas linhagens: a linhagem nogueirista e a linhagem barrosista. A linhagem barrosista é a Nova Esperança mais alguns cavaquistas de direita. O nogueirismo era a velha linhagem de João Salgueiro, Mota Amaral, Francisco Pinto Balsemão, incluindo muito dos que estiveram no cavaquismo. Ganha o Nogueira, à tangente, mas foi uma vitória curta porque se vai embora após a derrota nas eleições presidenciais, porque tinha ficado mais uns tempos depois da derrota nas legislativas. Durão Barroso faz o seu compasso de espera e tem de avançar alguém para preencher o buraco. Avanço eu para esse fim e nessa ocasião existem dois ou três traços que são importantes no posicionamento do Partido.

No tempo de Cavaco o Partido tinha aderido à Internacional Liberal (IL). O PSD não tinha sido aceite na Internacional Socialista, o CDS aderiu à União Europeia das Democracias Cristãs, (futuro Partido Popular Europeu) e o que restava era a IL. Esta era uma espécie de ficar entalado na porta, nem entrar nem sair: era uma coisa muito pequena, mas simpática: nós tínhamos peso porque os outros eram muito pequeninos. E a IL misturava os deserdados da sorte: tinha alguns liberais (que o tinham sido sempre), os sociais liberais mais à esquerda, outros mais à direita, os centristas, os reformistas, os Giscardianos, etc. Muitos deles começaram a tratar da vida e passaram-se rapidamente para uma das duas grandes famílias. Passou a haver duas grandes famílias na Europa, os socialistas e a velha família democrata cristã. Esta decidiu alargar-se e começou a meter partidos não confessionais (como o Partido Popular Espanhol) ou não católicos, (como a Nova Democracia Grega), ou mais centristas como a UDF. Portanto, eu entendi que era a altura de levar o Partido para o Partido Popular Europeu. Foi uma medida difícil. O Partido Popular Europeu era uma ala muito ampla, onde tinha uma ala esquerda, uma ala central e uma ala direita. E nós cabíamos bem na ala esquerda estavam lá os democratas cristãos (o Primeiro-Ministro do Luxemburgo, que é mais avançado que os socialistas luxemburgueses; alguns dos sociais cristãos belgas, holandeses ou nórdicos, que são também mais avançados). E assim lá fomos para o PPE. Pelo meio o Dr. Monteiro (inspirado pelo Dr. Portas) teve a grande ideia de contestar a Europa - isto já foi na Pré-história (RISOS) - e foi corrido do PPE. Em boa hora porque, assim, entrámos pacificamente. E passou o CDS a sonhar no dia em que reentrasse.

E hoje, o que é o PSD? É uma frente. Foi sempre. Há a direita conservadora, sociais populistas, democratas cristãos, liberais (poucos), sociais cristãos, os sociais liberais e os sociais-democratas.

Podemos dizer que em relação há trinta anos, estamos mais à direita. Mas estão todos, o PCP está mais à direita, o PS está mais à direita, o CDS... (RISOS) … só não está mais à direita porque já esteve mais à direita (RISOS)... já foi e já veio. Hoje há estas sensibilidades todas, há um tropismo mais liberal e menos liberal. Por exemplo, eu sempre fui social cristão. Primeiro com posições claramente social-democratas, depois com posicionamentos (estratégicos) mais à direita, não sou liberal. Aliás, choca-me muito o posicionamento só do ponto de vista liberal. É complicado. Embora, tenho de admitir, como a Constituição Portuguesa foi tão longe à esquerda, que todas as Revisões e práticas políticas posteriores foram à direita. Não foi uma viraram à direita, mas a simples adopção de medidas há muito aceites por partidos do centro direita e pelos países nórdicos.

Temos agora um pequeno problema. O PS vai querer ocupar o espaço da social-democracia. E o Sócrates vai ocupar. O Alegre vai falar, falar, mas só um louco é que vota no Alegre para Primeiro-Ministro e líder do PS. Não no Alegre poeta: nesse votaríamos todos, mas no Alegre político. O PS vai tentar ocupar o espaço do centro, não do centro esquerda, mas do centro. E com aquele pragmatismo que os caracteriza não sei se quererão piscar o olho ao centro-direita de vez em quando, como algumas vezes o fizeram.

O que quer dizer que é importante para o PSD, independentemente das vicissitudes futuras da Coligação, em futuras eleições é importante continuar a ser frentistamas não descurar o sector do centro esquerda, sendo certo que os outros sectores já estão garantidos.

Isso significa que é preciso uma atenção muito especial aos sistemas sociais. Ainda que geridos de outra maneira, com imaginação na procura de novos papéis das entidades públicas, (não apenas o Estado como outras). A educação, a saúde, a segurança social, a habitação mas também a justiça, a administração pública são vitais. Vitais também são as políticas fiscais e todas as de justiça distributiva, que não anulam o papel dos indivíduos e da sociedade civil, mas que têm a noção de que o mercado deixado por si só, não garante o óptimo social. Muitas vezes não garante, com assimetrias vindas de trás, outras são novas, (além dos velhos pobres, novos pobres, dos velhos excluídos e novos excluídos - a info-exclusão é uma nova forma).

Depois novos problemas e novos desafios. O CDS está a tentar chamá-los a si, (eu acho que faz muito bem), mas o PSD não pode deixar de os chamar a si: o ambiente, as preocupações da qualidade de vida em geral, a demografia, a ciência e a tecnologia, as tecnologias da saúde, e as novas tecnologias da vida, a integração crucial das minorias, a circulação de pessoas e ideias. Tudo isto é fundamental. Dir-se-á: “não é preciso ser-se da ala esquerda do partido para defender isto.” Sim, mas outros estarão com atenção ao mercado, (ao lado liberal) e este é o lado mais social. A qualidade da democracia é outro problema que deve ser uma preocupação constante. A reforma dos partidos - não na lei nem na Constituição, mas na vivência partidária: a circulação ascendente e descendente de ideias e de pessoas, a credibilidade dos políticos, o discurso dos políticos, o funcionamento dos partidos. Mas num partido de poder é facílimo defender que a reforma nunca é conveniente, porque se está no poder deve-se servir o poder. Quem está na oposição está a “lamber” e cicatrizar as feridas por estar na oposição.

Algo também importante é o problema do papel das mulheres. O partido que melhor perceber o protagonismo das mulheres, vai liderar a construção no futuro. Importa igualmente ver o protagonismo de outros sectores como o dos deficientes ou imigrantes.

São grandes desafios ao partido, à JSD, também aos TSD (que envelheceram, são muitos amorosos mas são os mesmos desde há trinta anos), por muito que tenham um espírito de renovação, continuam a ser os mesmos (RISOS). O seu papel é muito importante nos sindicatos – como na UGT.

Há que dizer que, mesmo sendo herdeiro da Nova Esperança, o anterior líder e Primeiro-Ministro, Dr. Durão Barroso, (que é um homem de pensamento, de reflexão política, que tem uma visão muito abrangente) é um preocupado com as questões sociais em termos de posicionamento do PSD. Ou seja, muito longe de afunilar para uma política neo-liberal. Portanto, tenho esperança que com o novo líder também haja essa sensibilidade e abertura a uma compreensão ampla do partido no papel da sociedade portuguesa.

Agora, somos mais ou menos sociais-democratas? No momento em que os sociais-democratas europeus nunca foram tão pouco sociais-democratas, (no sentido clássico do termo, porque a Terceira Via é uma nova visão da social-democracia), não temos de ter complexos no quadro da realidade portuguesa. Temos de estar atentos àquilo que foi o nosso legado, temos a possibilidade de preencher um papel na futura longa disputa com o PS, que vai ser muito intensa. Houve um cheirinho com o Guterres, mas ele cansou-se tanto de tudo, que não chegou a ocupar esse espaço da social-democracia para o PS. Ocupou-o para ele, mas não para o PS. Mas pode ser que no futuro haja um socialista mais trabalhador, que estude os dossiers, que arranje uma equipa, e que queira ocupar esse espaço.

E não se deve forçar a JSD a desempenhar esse papel, porque a JSD também é frentista (há de tudo como no PSD), mas é bom que acha no Partido alguém para desempenhar esse papel.

Eu prometi que não era muito longo, e agora estou à vossa disposição.

PALMAS

 

Jorge Nuno de Sá – Presidente da JSD

Obrigado Professor. Todos os grupos lhe vão colocar uma questão, devo dizer-lhe que vai ter 40% de questões femininas, o que é bom.

 

Marcelo Rebelo de Sousa

I like it. (RISOS)

 

Jorge Nuno de Sá

E para começar o grupo bege com a Sandra Ribeiro.

 

Sandra Ribeiro

Boa tarde a todos. É com grande prazer que o recebemos aqui na Universidade de Verão da JSD de 2004. Começo por perguntar o seguinte: há politólogos que dizem que o nosso partido não se enquadra em nenhuma família política, têm dificuldade em qualificá-lo. Gostaria que comentasse.

Depois, que diferenças é que existem entre a social-democracia europeia e a portuguesa?

Embora já tenha feito uma síntese da evolução do partido que diferenças existem entre a social-democracia do 25 de Abril e a actual. Qual delas é a mais genuína?

E por fim, para não me alongar mais, como vê as juventudes partidárias. Que papéis podem desempenhar na sociedade uma vez que há quem advogue o fim das juventudes partidárias?

 

Jorge Nuno de Sá

Vi a preocupação dos homens com as mulheres a roubar espaço. Do grupo encarnado a Joana Calado.

 

Joana Calado

Muito boa tarde Professor Marcelo Rebelo de Sousa, desde já quero agradecer a sua presença aqui. Depois do que acabamos de ouvir e sendo nós jovens sociais-democratas com vontade de vingar e melhorar o Portugal de hoje, até que ponto devemos lutar pelas nossas ideologias ligadas ao espectro político ou pelas nossas próprias convicções? E já agora, no seu entender, devia haver regulamentação ou distanciamento mais rígido entre a política e o jornalismo de forma a evitar um aproveitamento de interesses mútuos? Muito Obrigada.

 

Marcelo Rebelo de Sousa

Respondo assim aos pacotes e um pacote de meninas, é muito agradável.

Houve um politólogo chamado Joaquim de Aguiar, que ainda escreve, que, quando o PPD apareceu, disse que não tinha espaço. Era um partido que ia morrer porque já havia os democratas cristãos, os socialistas, os comunistas. Seria um partido liberal que definhava, sobretudo numa sociedade como a nossa em que o liberalismo era fraco: nunca a direita ou a esquerda foram liberais. Concordo com a sua questão. O nosso partido nasceu de uma forma heterodoxa, nasceu contra as previsões dos politólogos mas a realidade é mais imaginativa do que a imaginação dos politólogos. Eu costumo dizer que o partido se fez contra o vento. Se não tivesse havido revolução, provavelmente não teria corrido como correu. Mas mais, se Freitas do Amaral tem aceite o convite que lhe foi feito em 73 de ir a um encontro de liberais organizado por um grupo de pessoas em torno do Expresso, não teria havido CDS. Teria havido um só partido, mas ainda bem que isso não aconteceu. Permite que o preenchimento à direita do PSD seja feito por outro partido e que esse partido possa servir de tampão a outras tentativas partidárias já muito mais radicais.

É um partido de difícil enquadramento mas enquadrou-se, pelas razões que eu expliquei, no Partido Popular Europeu, teve uma génese, uma origem, um processo muito peculiares e muito próprios na democracia portuguesa. O mesmo se dirá da social-democracia portuguesa em relação à europeia. A social-democracia europeia vem do marxismo, de partidos operários. Já a social democracia portuguesa, como o PSD, não nasceu de partidos operários. Embora fora da grande Lisboa houvesse uma grande adesão operária e de trabalhadores rurais no centro e norte. Agora os sectores onde fomos sempre fortes foi nos quadros, nos bancários, função pública, na pequena e média burguesia, na classe média, ou seja, mais em termos laborais do que na classe operária. Esse foi sempre o sector do Partido Comunista e aí até o PS teve dificuldades em entrar.

Juventudes partidárias – Isso é a posição do meu amigo Pacheco Pereira. Não sei bem. Talvez ele não tenha dito aquilo bem ou talvez não tenha sido bem entendido.

As juventudes partidárias tiveram uma evolução. A JSD teve evolução em vários momentos do Partido. Teve um protagonismo importante mesmo ideológico, estratégico e já nem digo táctico. É evidente que as juventudes partidárias são dos dois grandes partidos: a juventude do PC encontra-se em crise, tentando dar a volta a isso, a juventude do Bloco de Esquerda é fraca porque o próprio BE é uma frente jovem, a juventude do CDS/PP tem altos e baixos, mas tem a contingência (sobretudo quando ele não é partido de Governo) das dificuldades de se expandir.

As dificuldades maiores são para as juventudes do PSD e do PS. Como são juventudes de partidos cronicamente de poder, a ligação ao poder é muito grande. Isso faz com que o partido por razões eleitorais ou por evidência de poder, peça à juventude uma atitude de serviço. No passado era mais no tocante às campanhas eleitorais. Isso levou à convicção na sociedade portuguesa que as juventudes partidárias dos dois maiores partidos do poder, estavam a jogar muito mais no poder do que na actividade partidária, na sua afirmação, na sua autonomia, no seu aprofundamento doutrinário, na procura de novos campos de intervenção. Em muitos casos deve ter sido verdade, noutros não. E foi por uma razão muito simples, buscava-se gente para vereadores, deputados municipais, assessores, adjuntos, etc. E acabava por se fazer apelo aos mesmos, a um grupo apreciável de gente da JSD, o que retirava ânimo e credibilidade à juventude para os seus principais objectivos.

Quer o PS, quer o PSD, estão a precisar de dar uma grande volta, e contra mim falo que fui líder, e via dificuldade em fazer essa grande volta porque os partidos estão a funcionar em moldes passados. Quando o País está a mudar, os partidos continuam a funcionar em moldes que foram concebidos há 30 anos atrás, até na própria base territorial. O novo esquema de descentralização vai impor teoricamente o ajuste das bases territoriais do partido.

Eu não iria para a posição extrema porque acho injusta – acabe-se com as juventudes partidárias – este foi um dos erros do Aznar. Ele tinha uma juventude que não valia nada como a nossa JSD, tinha sido criada de cima para baixo. Decidiu fazer uma refundação da juventude do Partido Popular, nunca mais teve juventude. Estas coisas acabam-se e depois não se começam.

Portanto, terá sido certamente uma má interpretação, o Pacheco tem dessas coisas, ele é inestimável e é bom termos “franco-atiradores” no nosso Partido que entram em terrenos onde os mais organizadinhos não entram. E perturbam largamente os nossos adversários. Às vezes também dão uns tiros internos, como sabem eu periodicamente sou acusado disso (RISOS).

Depois temos ideologias e convicções: eu acho que não são incompatíveis. No PSD e na JSD, devemos, no essencial, ser fiéis à nossa família partidária. Quando nos perguntam: “se você não gosta daquele líder então vá-se embora”. Claro que não: na minha família há primos de que eu não gosto, tios para quem não tenho paciência e não é por isso que deixo de ser da família. Não se sai de uma família por uma questão de estado de espírito. E um partido é uma família desde que foi assumido e foi ajudado a fazer, e cada um de nós foi ajudando em cada momento histórico da sua formação.

Agora dentro dessa fidelidade essencial é um partido plural e livre em que não há sanções de consciência, não temos o problema do PCP que todos conhecem – quando as pessoas não concordavam exactamente com a estratégia. Mais, a grande riqueza do nosso partido é irem chegando lá em momentos sucessivos os que contestaram na véspera. Quer dizer que o partido foi alternativa a si próprio. Vejam, a Nova Esperança já teve três líderes. E andámos na rua a dizer mal da liderança do partido (que estava no governo) e do governo. Era impensável que qualquer deles chegasse a líder. É para mostrar que no partido houve sempre uma grande liberdade de pensamento. E ninguém deve sentir-se violentado por ser mais social-democrata, social cristão ou liberal. Embora Francisco Sá Carneiro tenha tido um papel de fundador, o PSD nasceu diferente nos Açores, na Madeira, em Trás-os-Montes, no Minho, etc. E ainda hoje há diferenciações.

Finalmente, política e jornalismo. Como sabem eu fui muito cedo interventor na comunicação social antes de ser na política. E depois quando o fui na política foi em situações de emergência, é a minha tragédia: nunca é quando eu quero muito, mas sim quando não há mais ninguém. O que é uma chatice. É uma espécie de bombeiro voluntário, espero ter terminado de vez esta função. Aliás, “bombeiro não voluntário”, depois a vontade surge a seguir.

Das minhas experiências políticas e jornalísticas sou defensor que haja uma separação tendencial de domínios. Porque a confusão de domínios é muito complicada para uns e para outros. É complicada para a comunicação social porque acaba por ficar refém dos compromissos que assume. É complicada para os políticos porque pensam que tiram vantagem disso e não tiram, no primeiro momento aquilo funciona a seu benefício no segundo momento a intimidade criada com a comunicação social funciona como um boomerang. Eu diria que neste País é difícil porque todos somos primos de todos e cruzamo-nos. Não digo que os políticos não devam ter colunas na comunicação social: devem ter colunas, mas diferentes das colunas que têm as pessoas da comunicação social e outros.

A minha experiência é de que deve haver debates com políticos na comunicação social – deve haver tribunas. Mas o político a fazer comentário político não tem muito sentido, isso compete ao comentador. Agora se este quiser fazer política activa tem de deixar de ser comentador. A separação de domínios é muito positiva.

 

Jorge Nuno de Sá

A terceira questão é para o grupo roxo e é o Rui Fernandes.

 

Rui Fernandes

Boa tarde Professor Marcelo Rebelo de Sousa o grupo roxo gostava de lhe perguntar como é que acha que vai ser a democracia quando o Francisco Rebelo de Sousa tiver idade para se inscrever na Universidade de Verão?

Já agora gostaríamos de saber que nota é que vai atribuir à Geração Portugal no seu exame de Domingo. Obrigada.

 

Jorge Nuno de Sá

A quarta questão é para o grupo castanho. E é o Orlando Marrocano.

 

Orlando Marrocano

Em primeiro lugar muito boa tarde. Gostava de o cumprimentar pelo facto de ser o político mais descontraído que temos no nosso espectro político actual, (coisa que o povo gosta muito) e também por ser um grande comunicador.

Há tempos falou-se que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, pelo facto de ser comentador da TVI, ajudava mais o governo para as medidas que deviam ser tomadas. Gostava que comentasse esse aspecto.

Por fim, não resisto a fazer-lhe uma provocação: gostava de ser Presidente da República? (PALMAS)

 

Marcelo Rebelo de Sousa

O Francisco Rebelo de Sousa, (o meu neto tem agora um ano e dois meses) como será quando ele vier daqui a vinte anos? O que eu espero é que a Europa tenha sido um sucesso e não um fracasso, ainda que um fracasso disfarçado.

Que o equilíbrio internacional tenha superado a afirmação da China que vai ser o grande desafio daqui a vinte anos. Sem grandes traumas, sem grandes problemas.

Que a situação na Europa do Leste, sobretudo na Rússia, não se complique. (Eu comecei pelo internacional, porque isso condiciona muito a vida) que a África não tenha ficado definitivamente um continente para trás, esquecido por todos os demais. Que a democracia tenha podido triunfar claramente na América Latina e tenha podido chegar paulatinamente a outros continentes onde tem sido mais difícil de chegar por razões económicas e sociais. Isso daria um Mundo mais vivível.

Que houvesse atenção às componentes de qualidade de vida ecológica pensando nas futuras gerações de tal maneira que nessa altura, daqui a vinte anos, quando vocês tiverem 40/50, não estejam muito preocupados com o problema da água, do aquecimento, da poluição, etc.… como alguns começam a estar com boas razões. Porque isso torna mais fácil a vivência das democracias, as democracias não são uma fórmula que se aplica instantaneamente, depende de contextos, isso tornaria mais fácil a vivência da democracia portuguesa.

E na democracia portuguesa e na sociedade portuguesa, que fosse possível haver maior homogeneidade económica e social, menor dualismo, maior qualidade da própria democracia e da qualificação das pessoas, melhores oportunidades de circulação das pessoas cá dentro e lá fora.

Que aquilo que ainda hoje é para minorias, em termos de afirmação pessoal e profissional, pudesse ser para maiorias, para muita mais gente. E que o papel da social-democracia estivesse nessa onda, que fosse para muita mais gente, não apenas para os privilegiados. O Francisco Rebelo de Sousa será um privilegiado, eu já fui um privilegiado, o meu filho já foi um privilegiado mas que não fosse só para os privilegiados a possibilidade de atingirem rapidamente certos patamares da vida em todos os seus domínios.

Geração Portugal – há muito tempo que está ultrapassada a pouco feliz expressão “geração rasca”, do meu amigo Vicente Jorge Silva. A experiência de professor universitário diz-me que depois de uma fase em que houve muito individualismo, (a geração de oitenta foi contestatária da geração de sessenta, e foi muito individualista e pouco solidária), esta geração de noventa é mais solidária, está a descobrir a solidariedade, a preocupação que ela implica na vida comunitária. Nesse sentido a classificação que eu dou é uma boa classificação. Do que eu conheço da juventude universitária, o papel da mulher tem sido muito importante, não é que seja possível fazer uma fracção de hemisférios, mas a mulher é muito mais atenta ao concreto, aos problemas específicos e não tanto à abstracção e à generalidade. E nesse sentido, o facto de ter 70 a 85% de alunas, (comparado com antigamente que tinha 70 a 80% de homens), representa uma mais-valia na vivência da sociedade portuguesa. Espero que não seja preciso qualquer dia defender quotas para os homens.

PALMAS

Quanto ao problema do papel de comentador político e daquilo que eu às vezes disse.  O governo anterior na minha opinião programou muita coisa, começou a fazer algumas, outras não, e de uma maneira geral nunca soube explicar o que programou e o que começou a fazer. Foi uma lacuna que eu apontei do princípio ao fim do governo, e foi pena. Terminou esse governo e se perguntarmos aos portugueses, eles não têm a exacta noção do saldo deixado. E quando isso acontece é porque não foi explicado, não há a noção do que foi feito e deixado por fazer. Primeiro porque não ouve essa preocupação no início e depois quando houve era tarde, havia outras solicitações. Eu vi-me muitas vezes a tentar explicar aquilo que os portugueses não percebiam, porque não percebem a linguagem do Pacheco Pereira que é politiquez, que é linguagem de políticos, não percebem e não podem aderir àquilo que não entendem.

Este governo aparentemente tem uma central de informação mais sofisticada (não no sentido pejorativo que a oposição utiliza) mas no sentido de estar mais preocupado com a explicação aos portugueses. Temo bem, no entanto, que isso ainda não tenha surtido o efeito adequado, exemplo disso está a ser a Lei do Arrendamento - confusão generalizada. Todos os dias saem coisas nos jornais. Quando a lei sair vai ser a confusão total, e as pessoas vão olhar para a lei de acordo com a notícia do jornal e o que meteram na cabeça. Isto é uma grande confusão e é imperdoável ou foi telecomando e foi mal feito, ou não foi telecomando e é mau. Se há novos mecanismos de esclarecimentos devem ser utilizados.

Eu não escondo que fui líder do PSD, e não escondo que tenho um determinado posicionamento. Tenho as minhas convicções. E como já terão notado, quando me irrito mais é quando gente da minha área faz asneira. Eu não perdoo a falta de inteligência e quando essa falta se traduz em transformar coisas boas em más, irrito-me! Se fosse bem explicado era bom, sendo mal explicado ou não explicado é um erro. Muitas vezes transparece essa irritação de quando em vez, mas é evidente que ao olhar para o grosso das minhas intervenções, se percebe que nos princípios fundamentais eu estou numa certa área, tenho um determinado partido, tenho um conjunto de valores. Não tenho outros valores nem vou mudar de valores por causa dos comentários políticos. Se as pessoas gostam, muito bem; se não gostam, paciência, o problema é deles.

Quanto à questão da Presidência da República – o que é que eu trago sempre preparado para esta questão? (RISOS, PALMAS)

Eu normalmente digo duas coisas que chegam e parecem bem pensadas: Primeira – é muito cedo para tratar da questão, na minha opinião já se percebeu que o Eng.º Guterres é o candidato de esquerda, quem não percebeu isto anda a apanhar bonés. E o homem vai empatar jogo até ao Verão do ano que vem. Só faltava que, a todas as vantagens que ele já tem, somasse mais uma: os outros andarem a falar nisso e o homem ser o último a falar nisso.

(Tenho que me apressar … Estou ali a ver uma câmara mas deve ser para outro orador. Ah não é?… Pronto.)

Segunda coisa que normalmente eu digo, que é verdadeira e normalmente surte bom efeito. O meu candidato chama-se Aníbal Cavaco Silva. (PALMAS)

Eu explico-lhes porquê. O Carlos Coelho sabe bem que eu sou insuspeito, porque nunca fui cavaquista, e também nunca fui anti-cavaquista. Fiquei naquele limbo de quem ajudou a pôr lá o Cavaco mas nunca lhe deveu nada na vida.

Ele nunca teria subido onde subiu sem o meu apoio, mas eu nunca lhe fiquei a dever favores. Por outro lado, não é o meu estilo de meu companheiro de férias, já lho disse várias vezes. Mais depressa é o Pedro Santana Lopes até o José Manuel Durão Barroso do que o Aníbal Cavaco Silva. Devia ser uma chatice passar férias com ele (RISOS).

Mas não é disso que se trata. Não se trata de escolher alguém divertido, simpático, etc. Trata-se se escolher alguém que faça o papel importantíssimo que o Presidente da República tem de fazer nos próximos anos.

Já tivemos Presidentes que intervieram muito (Eanes), tivemos outros que intervieram pouco (Soares), tivemos que começaram por intervir muito e acabaram por não intervir nada (Sampaio), mas atenção: a crise económica por passar a ser um estado muito vulgar na vida das sociedades, pode haver problemas sociais e políticos no futuro (na Europa como no Mundo), o Presidente pode ter de intervir e pode haver solavancos na vida portuguesa. E é importante ter um Presidente que percebe da vida económica, que teve experiência de Primeiro-Ministro, que teve relações internacionais, que está no fim de carreira, (não está a jogar nada do seu futuro).

É um juízo que faço muito frio e isento. Entendo desde sempre que ele tem condições únicas. A diferença entre ele e Guterres é igual à existente entre o dia e a noite. O Eng. Guterres, com toda a sua simpatia, pelo seu próprio estilo, pela sua maneira de fazer e de não fazer, poderia criar problemas complicados como Presidente da República.

Cavaco como Presidente seria uma garantia importante para os próximos 5 anos. Poderia ser depois para mais 5 mas isso já depende dele e dos portugueses.

Pelo somatório das razões, eu entendo que é preciso preservá-lo e não o expor a outros nomes. Mesmo bem intencionadamente dizer que há 4 ou 5 bons nomes possíveis, é diminuir as hipóteses de Cavaco Silva avançar. Não se pode dizer que há 4 ou 5 bons nomes. Pode dizer-se que há um bom nome e depois 4 ou 5 recursos.

Recomendo que, se for possível, não se trate disto até ao verão do ano que vem, temos as Regionais nos Açores e Madeira, as Autárquicas, e tanta coisa que o Governo vai fazer, etc (UM MINUTO INAUDÍVEL DA GRAVAÇÃO)

Não há alternativa para Cavaco Silva para Belém. Mais questões.

 

Jorge Nuno de Sá

Vamos ao grupo azul, é a Rita Ferreira Lopes.

 

Rita Ferreira Lopes

Senhor Professor, muito boa tarde, a pergunta do grupo azul é simples. Suponha que tinha de nos convencer a optar pelo Partido Social Democrata: que argumentos utilizaria? Obrigado. (PALMAS)

 

Jorge Nuno de Sá

Do grupo cinzento temos o Tiago Monteiro.

 

Tiago Monteiro

Muito boa tarde Professor Marcelo Rebelo de Sousa antes de mais quero dar as boas vindas em nome do grupo cinzento a esta Universidade de Verão 2004 e tenho para si uma pergunta e um convite.

Começo pela pergunta, que vem no seguimento de declarações no Congresso do PSD de um dos fundadores do nosso Partido, Francisco Sá Carneiro. Ele disse acerca da mudança de nome do PPD para PSD, “a alteração do Partido Social Democrata constitui um dos factos marcantes da nossa vida social democrata. Sempre o fomos e continuaremos a ser, pelo que a alteração não significa qualquer mudança, antes fidelidade à linha inicial”, disse ainda que “concebemos a social democracia como socialismo personalista que consolida o primado do social com o integral respeito pela integridade pessoal construindo uma sociedade justa e igualitária, com preservação das esferas de acção moral e material da pessoa, do seu espaço de liberdade”.

Será que o partido com outros nomes teria os mesmos ideais?

Agora o convite: O Professor Marcelo Rebelo de Sousa entra em nossas casas todos os domingos mais ou menos à hora do jantar. Então o convite que o grupo lhe faz, uma vez que temos lugar na nossa mesa, se tiver disponibilidade, então que finalmente possamos jantar juntos. (PALMAS).

 

Marcelo Rebelo de Sousa

Ora bom, como é que eu convencia alguém a ser do PSD. Com dois argumentos fundamentais. O Primeiro: qual é o outro partido em que você consegue encontrar alguém como eu, o Pacheco Pereira, o António Pinto Leite, pessoas tão dísparas, tão independentes, com posições tão próprias, a sentirem-se bem no mesmo partido apesar da diversidade, sem que haja sanções de consciência. E sendo que essa diversidade tem sido criativa, criadora para o partido, geradora de alternativa a si própria ao longo do tempo. Não é o PC, obviamente, (coitados são corridos rapidamente), o PS em que na mínima divergência chamam nomes e depois pedem desculpa por chamar nomes, voltam a chamar. Desconfio que não seja o CDS/PP mas, não queria ser desagradável atendendo ao facto de ser nosso aliado (RISOS). Portanto não há igual. Teoricamente o Bloco de Esquerda cada um tem uma ideia mas são dez homens... tão pouquinhos e, sendo tão recente, não dá para verificar se foram 30 anos a terem aquela diversidade de ideias sem se incomodarem uns aos outros ou se cansarem uns dos outros.

Este partido tem uma riqueza que é a unidade feita na diversidade que faz com que os melhores pensadores políticos, os melhores comentadores políticos, os melhores políticos, (na diversidade de opiniões, em minha opinião) são todos da área do PSD... de uma riqueza doutrinária e de um universo de criação, de um diálogo, de pluralismo únicos.

Segundo, tudo o que houve de mais importante na democracia portuguesa (tirando o Verão de 75, mas também lá estivemos) foi obra do PPD. Na primeira Revisão Constritucional foi fundamental o PPD no fim do Conselho de Revolução, na segunda revisão a transição do socialismo colectivista para uma economia europeia foi obra do PPD/PSD, a construção europeia e o começo do euro são obra do PPD/PSD, as reformas estruturais nos sistemas sociais começadas nos governos PPD/PSD, tudo o que houve de importante e de ajustamento à modernidade e após a modernidade nos últimos 30 anos foi obra do PSD.

É um partido que consegue, mesmo com todos os problemas que eu disse, em termos de organização e funcionamento do poder partidário, ser protagonista a nível do poder político.

Já nem digo só Açores e Madeira, que são obras do PSD. No poder local muito do que houve de melhor foi obra do PPD. E ai mesmo tempo, sabemos que tudo que há de novo na sociedade tem a ver com o PSD. Querem melhor do que isto? Um dia, o Pacheco Pereira, quando lhe perguntaram, foi muito pragmático. Ele vinha, como muita boa gente, da extrema-esquerda e em boa hora aderiu ao nosso partido. Pacheco Pereira respondeu: o PS só quer protagonismo na sociedade portuguesa, é uma confusão, um espírito tacanho, fechado, não dá. O PCP está fora de caso. Veio para o PSD. Foi a mesma coisa mas dita de outra maneira. (RISOS)

Quanto ao nome. Não sei se o Pinto Balsemão vos contou isso, mas só não lhe chamamos PSD porque, na véspera apareceu um Partido Cristão Social-Democrata. Foi um dos sessenta e tal que desapareceram quinze dias depois. Mas tirou-nos o nome. Depois foi uma confusão com partidos de nomes semelhantes: o partido cristão social demcorata português de Palma Carlos, o partido social democrata independente do Luís Arouca. E foi o Ruben A, que nunca foi militante do partido, que deu a ideia de Partido Popular Democrático. O Francisco Sá Carneiro esteve à espera da primeira ocasião para poder mudar o nome. Só aconteceu no Conselho Nacional de 76 e foi o Pedro Roseta que propôs, (e eu apoiei-o), a alteração do nome. Nós subscrevemos a proposta, combinados com Fransciso Sá Carneiro no Hotel Estoril Sol. Não há dúvida que quando foi PPD foi sempre social democrata, nos termos em que eu disse, mas vale mais chamar o nome à coisa do que a coisa existir sem nome.

Quanto ao jantar acho óptimo é preciso é dizer o sítio, em casa, no restaurante, qual é a localidade?

Tiago Monteiro

É aqui em Castelo de Vide.

Marcelo Rebelo de Sousa

Ah! É em Castelo de Vide. Ahhhhhhhhhhhhh… (RISOS E PALMAS)

Vou explicar o meu drama, se tivessem falado mais cedo era possível. O meu drama não é dos encontros de quarto grau (RISOS E PALMAS).

Acho que tudo tem o seu tempo. E acho que hoje o dia não é o adequado. Bom, como não sabia dessa sugestão tenho um jantar com uns amigos em que estará um casal brasileiro (que foi patrocinador do Ayrton Senna e do Guga) . É um dos casais mais ricos do Brasil, de origem portuguesa, vindos do nada, um dia chateou-se com a ditadura, vendeu tudo e passou a viver de grandes eventos desportivos. Ele está cá, e vai-se embora amanhã. Marcámos o jantar em casa de outro amigo, o que me preocupa mais é ouvir a Rita a fazer um discurso por eu não aparecer. Mais do que propriamente o encontro com o nosso inefável líder. Mas podemos arranjar rapidamente uma alternativa. Onde é que eu vos encontro a todos? (RISOS)

 

Jorge Nuno de Sá

Tratamos disso.

Marcelo Rebelo de Sousa

Tratam disso? O Carlos falou-me na hipótese de um almoço. E o almoço tinha o problema da vinda, se ele tem dito jantar eu arranjava a maneira de realizar um passeio ao fim da tarde, para ganhar fome, e voltar para o jantar. Mas sendo assim, fica para a próxima. (RISOS E PALMAS)

Jorge Nuno de Sá

Nós temos as moradas de todos, tratamos disso com brevidade. Nós também fizemos algumas maldades, o grupo rosa faz a próxima intervenção.

Marcelo Rebelo de Sousa

Ah! Também têm um grupo rosa aqui.

Jorge Nuno de Sá

Tinha de calhar a alguém. É o Guilherme Costa que faz a intervenção.

 

Guilherme Costa

Muito boa tarde. Bem-vindo à Universidade de Verão. Partimos com uma citação de Francisco Sá Carneiro, que infelizmente já não está entre nós. “A juventude inconformada, irreverente até incomoda mas é isso que se espera dela.”

Acha que os jovens sociais democratas têm conseguido conciliar a irreverência e inconformação com a moderação obrigatória de uma juventude ligada a um partido no poder? Acha que estes dois factores são compatíveis?

Muito obrigada.

 

Jorge Nuno de Sá

Pelo grupo amarelo o Ricardo Lopes.

 

Ricardo Lopes

Boa tarde Professor Marcelo Rebelo de Sousa. Em nome do grupo amarelo gostava de lhe dar as boas vindas à Universidade de Verão. É com grande satisfação que temos aqui a personalidade que consegue com as suas análises e comentários conferir ao jornal da TVI, uma vez por semana, algum interesse.

RISOS E PALMAS

Passando à pergunta. Na sua opinião temos um Governo mais social democrata com o actual Primeiro-Ministro, Dr. Pedro Santana Lopes, ou com o seu antecessor, Dr. Durão Barroso? Aproveitamos ainda, para perguntar se a actual coligação está ou irá enfraquecer a ideologia social democrata? Muito obrigada. PALMAS

 

Marcelo Rebelo de Sousa

Acho perfeitamente compatível a JSD ter atenção a um Governo PSD e ser independente e crítica. Crítica no sentido de estimulante, lançar novas ideias. Se o tem sido? Penso que o Governo ainda está há pouco tempo no poder. Com o anterior Governo, achei o Partido demasiado parado para o meu gosto. Mesmo no tempo do Professor Cavaco Silva, concertado com a liderança do governo, havia iniciativas que as distritais e as concelhias tomavam, que os TSD tomavam, que a JSD tomava e não podem ser só as estruturaas a tomar as decisões, devendo ser a liderança do partido e o governo.

Isso nem sempre acontece. Vejam o arrendamento. Por exemplo, se se prevê qualquer coisa para os jovens, porque não ser a JSD a começar a defender? Se se prevê uma lei qualquer no sector laboral, porque não serão os TSD a defendê-la? Se há excepções nas portagens SCUT (devido a problemas de interioridade) porque é que não são as estruturas locais a trabalhar o tema? Eu espero que, com este governo, seja possível esta convergência de iniciativas de estruturas com autonomia, mas em concertação com a Direcção do Partido e do Governo.

Agradeço igualmente o cumprimento. Também concordo consigo quanto ao Jornal Nacional da TVI, que é realmente um rosário de tragédias – a mãe bateu na avó, o avô cuspiu no neto (RISOS E APLAUSOS) – é uma coisa horrível. Mas há excepções. Dou-lhe o exemplo do Miguel Sousa Tavares, que é interessante no seu estilo. Podemos não concordar, até porque ele muitas vezes não diz tanto aquilo que é fruto de grandes elaborações intelectuais, mas é mais o feeling e a emoção do momento. Mas a vida também se faz de emoções.

Quanto à comparação entre Primeiros-Ministros, isso é muito ingrato. Eu sou insuspeito porque disse, desde a primeira hora, publicamente, que não concordava com este primeiro-ministro. Vários puseram em causa a metodologia mas não a pessoa.

Mas agora está escolhido, está escolhido! E portanto é injusto estar neste momento a dizer que é melhor ou pior que o antecessor. Não teve tempo para se afirmar.

Eu acompanhei de perto a acção do anterior e, apesar de estar muito cansado e a vida política internacional o ocupar muito tempo, tinha uma linha de conduta, um fio condutor. Houve coisas que conseguiu e não conseguiu fazer.

Este é cedo ainda para dizer se é mais ou menos social-democrata.

Ambos foram meus apoiantes na Nova Esperança, ambos eram complementares, o Pedro era brilhante, intuitivo, líder de massas, telegénico, o José Manuel era mais cerebral, racional, vinha de propósito de Geneve, (eu pagava-lhe a viagem) para explicar aos outros conselheiros o que era preciso explicar cientificamente e teoricamente. Fazia óptimas intervenções. Completavam-se. Onde um era mais emotivo o outro era mais racional, onde um era intuitivo o outro tinha mais aprofundamento teórico.

É muito cedo para estar a traçar juízos, sobretudo quando se aproximam 2 anos de sucessivas campanhas eleitorais. Onde tiver de discordar fá-lo-ei, aliás em homenagem ao estilo de Pedro Santana Lopes: sempre que discordava dizia-o. Mas é um erro estar a fazer congeminações pois temos eleições muito importantes. Nos Açores vai ser muito difícil, na Madeira vai ser um passeio triunfal à Jardim, resta saber se será 65%, 67.5% etc, (RISOS).

Nas autárquicas será mais difícil nuns lados que noutros. As presidenciais serão as mais difíceis de sempre.

E as legislativas serão menos difíceis que as presidenciais mas poderão ser contaminadas.

Pela mesma razão eu não divagaria muito sobre o CDS. Já percebi que não gostam muito do CDS, o que não é em si mesmo um pecado (RISOS), é sinal que gostam muito do PSD (PALMAS).

Mas sabem que quando eu fiz a 3ª AD (a 4ª foi feita por Durão Barroso e a 5ª versão é agora com Santana Lopes), eu na altura não morria de amores pela ideia: é sempre preferível um governo de um Partido sozinho.

Eu espero que a coligação corra o melhor possível, que não haja grande atritos, que não são bons. Sobretudo porque vamos estar em campanha eleitoral permanente. Qualquer erro de percurso pode ser negativo.

Perguntam-me se haverá coligação para as próximas legislativas? Se eu vos quisesse estragar a tarde diria que sim. (RISOS).

Mas tudo dependerá de como correrem as presidenciais. O melhor seria avançar sem coligação e depois fazer uma pós-eleitoral. Provavelmente o CDS quererá uma pré-eleitoral, e pode ser que seja necessária uma pré-eleitoral.

Imaginem (tragédias das tragédias) que o Eng. Guterres é perdoado pelo País e ganha as eleições. Aí pode ser necessária a coligação.

O ideal é que não fosse necessária.

Mas nestas coisas nunca se sabe: alguém imaginaria, há 9 meses, que o Dr. Barroso iria para Presidente da Comissão?

Não vale a pena destratar o CDS, implicar com eles, nem deixar de reconhecer que eles são fundamentais nesta fase. E vão sê-lo também nas presidenciais, e em algumas Câmaras, como Lisboa e Sintra.

Veremos.

 

Jorge Nuno

Caro Professor, as regras não me permitem, mas devo dizer que adorava debater consigo uma ou duas questões relacionadas com as ultimas perguntas (RISOS).

Grupo Laranja, Eduardo Ribeiro

 

Eduardo Ribeiro

Boa tarde Professor. O grupo laranja vai colocar-lhe questões bastante simples.

Eu gostaria de citar umas frases de um Presidente da República, proferidas em Outubro de 74: “Somos um povo europeu em cuja paisagem e arte se amalgamaram influências de todos os continentes, em cujo sangue há marcas genéticas, dos clãs europeus, das tribos do norte ao sul de África, Ásia e das Américas.”

Sabendo que a família social democrata encontra grandes personalidades que afirmam que nesta não existe uma política energética activa, uma política do descer à terra deixando o seu patamar e vindo até ao povo.

As bandeiras de hoje não são iguais às da sua formação, assim, que temas devem ser prioritários para a democracia em Portugal?

Hoje os jovens cada vez mais se afastam da vida política activa pela falta de oportunidade, por vezes por causa dos ditos dinossauros da nossa família. Obrigado.

 

Jorge Nuno de Sá

E para encerrar o ciclo de perguntas, o grupo verde, a Joana Marques.

 

Joana Marques

Boa tarde. Estamos na Universidade de Verão, e gostávamos de perguntar ao Professor Marcelo o nome de um político de cada uns dos partidos com assento parlamentar a quem aconselharia a frequência duma Universidade de Verão. (RISOS E PALMAS) E que livros de estudo lhes aconselharia?

 

Marcelo Rebelo de Sousa

Eu queria em primeiro lugar pegar na intervenção do penúltimo questionante. A Europa, toda ela, é hoje multicultural, multilinguístia e nós em particular. E isso como nunca foi: ao longo da história fomos tradicinalmente um País de emigração e actualmente somos de imigração. Primeiro da África lusófona, depois da África não lusófona, depois do Brasil, agora muito da Europa do Leste. Este é o desafio aos partidos, aos políticos, notem que não há praticamente nenhum dirigente importante dos partidos que tenha a ver com essa nova realidade.

É uma lacuna. É uma dimensão fundamental da democracia e da integração social-democrata. Isto é um grande desafio para o nosso partido. Um grande desafio para os próximos anos.

Segunda questão, os jovens. Os jovens são muito sensíveis a questões concretas, não a abstracções mas a questões concretas, como a qualidade da democracia. Como se participa? Se vale a pena participar e como? Com que resultados? Mas outras têm a ver com a sua vida económica e social. Hoje é mais difícil entrar no mercado do emprego do que quando eu entrei. Não é por acaso que se entra mais tarde, não é por acaso que se constitui família mais tarde, não é por acaso que há problemas que levam o homem e a mulher à sua afirmação profissional antes de enveredarem pela opção familiar.

A vida é bem mais complicada hoje para vocês do que há 10 anos para os jovens de então e há 20, 30 anos para mim. É bem mais complicado. Não é só a entrada na universidade, é o percurso escolar, o percurso profissional, é a afirmação, a competitividade, a circulação, é a actualização, tudo isto é mais difícil responder a estes problemas que tem a ver com o económico, com o educativo, com o laboral, com a segurança social. É o que os jovens pretendem numa linguaguagem perceptível, compreensível.

Os políticos normalmente falam em circuito fechado, falam entre eles. O exemplo acabado é o Parlamento. Quem está de fora não percebe, pensa que é um jogo para os eleitos. Essa comunicação com o exterior, com as coisas palpáveis, passa pela reconquista dos jovens pelo interesse na política, pelo respeito pelos políticos e pela particpação partidária.

Quanto à última questão, não querendo ser muito injusto, indicaria praticamente quase todos. Isto porque muitos deles, acabaram por não ter, é uma iniciativa muito recente. O que as UV’s têm de mais rico que é aprofundar em grupo, trabalhar em sistema, fazer um esforço durante um tempinho para estaram longe do ritmo trepidante do dia-a-dia. E com o distanciamento pensarem, porque há pouco tempo para pensar.

A democracia mediática tem essa coisa horrível que é, às sete da manhã, a pessoa está a fazer a barba e ouve na rádio uma notícia fundamental e às sete e dez está a comentar. Senão comenta às sete e dez, às oito já houve 10 comentários, às nove 20 comentários. Quando eu era membro do Governo era possível gerir uma crise política durante umas semanas, hoje é impossível: só o é durante horas. Esta pressão é um dos aspectos terríveis dos políticos, deixam-se arrastar pela pressão mediática, pela agenda mediática, e não saberem dizer “calma”. Vêem o microfone e é como um tiro.

Ora bom, faria bem a muitos políticos um distanciamento e uma reflexão do tipo UV. Devia ser periódica. Mas sem show off. Não as reuniões aqui e acolá de três e quatro horas mas a sério porque o comum do político de hoje não lê nada, não escreve nada, pensa pouco, tem de decidir a horas em cima de agendas mediáticas. Obviamente isto é um drama da democracia mediática ao minuto. Isso é mau, só por acaso as coisas são amadurecidas.

É que depois, é evidente, o problema com a comunicação social é este: com a pressão vai-se deixando escapar isto e aquilo. E fica-se preso ao que já se deixou escapar. E portanto levando a sério o seu desafio, era importante que os políticos tivessem a oportunidade de, de vez em quando, ter umas sabáticas, nem que fossem de dois dias. E então liam. Mas não há regra, o que falta a uns não falta a outros: há uns a quem não falta a intuição mas falta densidade, outros têm essa densidade mas falta-lhes a intuição.

E portanto não há livros iguais para todos. Hoje é mais difícil fazer política do que quando fui líder do partido. É mais difícil hoje ser líder do partido. É mais difiícl hoje ser membro do Governo do que quando eu fui há 20 anos. E por aqui vai a minha consideração pelos políticos. Sou muito crítico por muita coisa mas tenho esta consideração que é muito difícil ser político hoje em Portugal - como em qualquer ponto da Europa, a menos que seja de ânimo leve. Então isso é o cúmulo da felicidade. São os que passam pelos lugares sem angústias. Eu não sou capaz disso, mas há quem seja. O Engº Guterres é o Papa maior, passou pelo lugar fingindo que estava angustiado sem nunca ter estado. Mas isso é o lado teatral. Por acaso acho que ele só teve uma angústia política, que foi sob o Euro e a Europa. Eu isso pude partilhar: foi Primeiro-Ministro durante seis anos e só se preocupou com a matéria europeia: o resto era irrelevante, completamente irrelevante. Depois há outra coisa terrível e com esta termino, hoje a vida internacional solicita muito a um governante. Em rigor, se ele quiser corresponder às solicitações, metade da semana é passada a viajar, em contactos europeus e bilaterais. A menos que se queira apagar nesse domínio internacional. O que tem um problema terrível, por um lado é atraente governar papéis e não pessoas, ou governar os povos dos outros, é bestial. Chega lá e diz: “vamos resolver o que se passa da Moldávia. Na Moldávia fazemos isto! E no Afeganistão? Oh, no Afeganistão... (RISOS)”.

É evidente que não tem problema nenhum directo, tem indirecto. Ou então gerir papéis.

Ou então pode levar a sério e apaixonar-se. E isso dá muitos problemas, eu vi isso com Cavaco Silva.

Cavaco Silva na fase final apaixonou-se pela questão europeia e o País passou um bocadinho para segundo plano. Guterres foi na fase inicial. Durão Barroso consegiu preocupar-se sempre com o País mas, na fase final, a percentagem de preocupação internacional já era 60 ou 55%. Com Barroso não se passou, mas com Guterres passou-se. As pessoas que estão a resolver grandes problemas à escala mundial desembarcam na Portela de Sacavém e vêm-lhe dizer: “há um boicote no hospital, um problema na escola” e pensam: “fomos resolver problemas mundiais e vêm chatear-nos com uma escola qualquer, ou com um Ministro que não é bom para o Secretário de Estado? Mas, que maçada!”.

Têm razão em termos comparativos mas tem a ver com os problemas do povo que o elegeu. Esse é um problema que não é do político A, B ou C nem do Ministro A, B ou C mas cada vez mais do futuro com a internacionalização da vida política vai ser um problema muito complicado. Há alguns casos de países, o exemplo da Inglaterra, que tem dois ministros para algumas áreas, um ministro que viaja e o outro ministro sombra que fica no gabinete a resolver as questões. Bom estamos nas cinco horas, gostei muito, fica para a próxima, fica o jantar que não é hoje mas, fica para a próxima. PALMAS

 

Carlos Coelho

Vocês já sabem que nós estamos reconhecidos à Universidade de Verão 2003 pelo exemplo que ela constituiu e porque, com a experiência deixada, temos vindo a melhorar a Universidade de Verão de 2004. O que julgo que ninguém sabe, ou poucos sabem, é que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa foi das primeiras pessoas com quem falei na organização da Universidade de 2003. Ele não pôde estar presente mas deu-me vários conselhos e ajudou-me na construção dessa primeira experiência da UV do ano passado. Uma das primeiras coisas que me disse, na altura quando vimos o programa, foi: Carlos Coelho você tem de imprimir as actas da Universidade de Verão, que é uma coisa que se faz em toda a Europa, para que o trabalho de uma semana não fique fechado naqueles que tiveram oportunidade de beneficiar desse trabalho e possa ser aproveitado por outros.

Dada a natureza da experiência de 2003 não era possível fazer um livro de actas, há muita coisa que está em material multimedia, power point, outro tipo de produção quer dos oradores quer dos participantes de 2003 que não era susceptível de ser transposto para um livro. Vocês viram, aliás, abrimos a Universidade com uma homenagem a 2003 num filme de sete minutos. Não se pode pôr um filme num livro. E daí que nós na altura já tenhamos conversado sobre outros formatos e concretamente em fazer um CD-ROM, que é uma surpresa e que vos será distribuído amanhã no almoço. (Aplausos). Eu tomo-vos como testemunha, para oferecer o primeiro exemplar (que acabou de me chegar às mãos) a alguém que já nos ajudou na concepção de 2003 e que nos ajudou muito com a sua presença em 2004, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa.

(O DIRECTOR DA UNIVERSIDADE DE VERÃO, DEPUTADO CARLOS COELHO, OFERECE UM EXEMPLAR DO CD-ROM DA UV 2003 AO PROF. MARCELO REBELO DE SOUSA)

PALMAS