Mensagem Final
   
   
 

 

 

 

 

 

 


Deputado Carlos Coelho – Director UV

Muito bom dia. Como eu já tive ocasião de vos dizer, uma das recomendações que resultou da avaliação dos participantes na Universidade 2003 foi introduzir o sistema de painel oponente num dos temas.

Qual é a vantagem de termos painéis oponentes? Desde logo, termos duas opiniões sobre a mesma matéria e, para lá da discussão da substância do tema que está em questão, terem oportunidade de (com pessoas de grande relevância e de grande conhecimento), assistirem ao esgrimir de argumentos.

Dr. José Correia e Dr. Paulo Teixeira Pinto são duas pessoas (eles agora vão tapar os ouvidos), notavelmente inteligentes.

São também amigos e portanto predispuseram-se a este exercício de confronto, que não é muito comum nos partidos. Ou seja, não é muito comum no partido estimular a discussão aberta sabendo que as pessoas têm posições diferentes em questões cruciais. A questão da construção europeia é essencial para o nosso país.

O Dr. José Correia e o Dr. Paulo Teixeira Pinto têm posições diferentes. Daí que, (como já viram), pela primeira vez também nesta Universidade, temos uma Mesa diferente. Eles estão mais ou menos de frente para vós, mas também de frente um para o outro, para ilustrar melhor esta situação de terem opiniões diferentes. Vamos ouvir duas intervenções iniciais.

Entre eles decidiram quem começa. Não foi muito pacífico, mas acabou por se definir (RISOS). Pedia a ambos para não ultrapassarem os 20 minutos na intervenção inicial, para que o tempo das intervenções não prejudique a fase do debate. E depois, na fase do debate, vou também pedir para que as respostas não sejam extremamente compridas, para que o tempo acumulado dos dois respondentes permita ainda (se todos nos esforçarmos por sermos sucintos), que haja tempo para as “perguntas livres”.

Eles são muito conhecidos, dispensam grandes apresentações. Mas de qualquer forma há um protocolo da nossa Universidade que vamos seguir. O mais relevante, em termos de ligação partidária, do Dr. José Correia, (para lá de ter sido Chefe de Gabinete do Dr. Durão Barroso, enquanto Primeiro-Ministro e Vice-Presidente do Grupo Parlamentar do PSD) é o facto de ser actualmente Vice-Presidente da Comissão Política Nacional do Partido.

É um Vice-Presidente designado de “Executivo”, pois está residente, salvo seja, na sede nacional do PSD a exercer com maior disponibilidade a função de coordenação política.

O Dr. Paulo Teixeira Pinto, está na actividade privada, no Grupo BCP, sendo Secretário-Geral do Grupo.

Foi particularmente conhecido quando Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros no Governo do Professor Cavaco Silva.

O retrato falado de ambos: o Dr. José Correia tem como hobby ler. O do Dr. Paulo Teixeira Pinto é demandar o Alentejo. A comida preferida do Dr. José Correia é a comida tradicional portuguesa. Do Dr. Teixeira Pinto é “aquela que antes de mais me apeteça e depois menos me desgoste”. O animal preferido à minha esquerda é o gato, à minha direita é o pelicano. O livro que José Correia sugere é A Queda de Um Anjo, de Camilo Castelo Branco. Paulo Teixeira Pinto, O Jogo das Contas de Vidro, de Herman Hess. Filme sugerido à esquerda, 2001, Odisseia no Espaço, à direita, O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman. Principal qualidade que ambos valorizam, Dr. José Correia a inteligência, Dr. Paulo Teixeira Pinto, a capacidade de dar.

Estão apresentados os nossos convidados.

Já está distribuído um texto do Dr. Paulo Teixeira Pinto, e está em processo de duplicação um texto do Dr. José Correia, que será distribuído ainda de manhã.

Vamos assim iniciar os nossos trabalhos convidando o Dr. Paulo Teixeira Pinto a fazer a sua intervenção inicial.

 

Dr. Paulo Teixeira Pinto

Bom dia a todos. Em primeiro lugar, (como o protocolo obrigaria), mas não o faço por protocolo, mas por profunda convicção, os parabéns à iniciativa da Universidade de Verão do Partido. Em particular ao Deputado Carlos Coelho, que coordena os trabalhos, mas também a todos os que se predispõem, nesta época do ano, a estar uns dias a pensar a política, num momento em que a política tem tendência para parecer, para ser cada vez mais aquilo que parece, aquilo que se faz, e não aquilo que se pensa.

Ter tempo para pensar, estudar, reflectir, é algo que merece sempre uma palavra especial de apreço, pelo carácter raro e excepcional que hoje tem. Por natureza, aquilo que cada vez é mais raro, mais valorizado é.

Também uma palavra particular para o meu amigo Dr. José Matos Correia, Vice-Presidente do Partido, pessoa que eu estimo e respeito, e admiro. Aliás, não é a primeira vez sequer que temos uma conversa sobre este tema.

Quando fui convidado para falar sobre o tema, senti-me obrigado desde logo a aceitar porque tenho dito ao longo dos últimos anos, simultaneamente, duas coisas sobre isto: que é o mais importante tema e tópico da agenda política do futuro, e porque ninguém lhe presta atenção. E portanto sendo o mais importante e aquele a que menos atenção se presta, não podia recusar a oportunidade de dar o meu contributo nessa discussão, ainda que a data pudesse não ser a mais desejável.

Por falar em data, estamos no início do dia, e não sei se já se aperceberam realmente que dia é hoje. O dia 11 de Setembro tem muito a ver com aquilo que eu penso dever ser a Europa, e o conceito de Europa. Havia duas maneiras possíveis de abordar este tema. A Europa precisa de uma Constituição. A tendência mais fácil, imediatista, seria discutir o projecto de Tratado que institui uma Constituição para a Europa e entrarmos em minudências jurídicas. Optei liminarmente por me afastar deste caminho. Se depois houver aqui questões jurídicas (que eu penso que interessarão mais aos alunos de Direito) podemos discuti-las.

Não deverão interessar a todos – e quando não é do interessa da generalidade dos cidadãos, também não interessa à generalidade dos políticos. É evidente que tem uma dimensão jurídica inescapável, à qual não podemos deixar de prestar atenção e meditar. Mas há sempre uma coisa anterior à decisão jurídica. Que é o cariz político. A opção do que se quer. O direito é a realidade conformadora de uma determinada vontade. E depois a regulação da vida social em função dessa vontade.

Mas há um exercício prévio que deve ser realizado. E que começa pela interrogação. Aquilo que é próprio da actividade filosófica também, do espanto, da interrogação, da pergunta. E quando falamos da Constituição Europeia a tendência não deve ser discutir esta em concreto, embora sobre esta em concreto muita coisa pudesse ser dita, mas de qualquer outra em abstracto. Qualquer que seja o seu articulado. Qualquer que seja o seu texto.

Não resisto nesta fase, desde já, a sublinhar que não deixa de me impressionar, num tempo em que toda a gente diz que é preciso aprofundar a relação entre os eleitos e os eleitores, (que é uma outra forma de dizer, entre os detentores do poder político e os cidadãos), e que é preciso maior transparência, e que é preciso mais Europa, e que é preciso mais empenhamento da vida cívica, e que se consiga dizer tudo isto e ainda acrescentar uma coisa. E ao mesmo tempo decidir sem ouvir os cidadãos, e sem participar com os cidadãos. É assim que neste momento toda a gente dá por adquirido que está aprovado um texto para a instituição de uma futura Constituição para a Europa, um tratado constitucional (assim dito), mas há um pequeno pormenor. Ele está aprovado mas ninguém o conhece.

Isto não deixa de impressionar, porque ao fim de meses de discussão, foi conhecido finalmente um texto a meu ver com pontos assaz lamentáveis, (pelo que tem e pelo que não tem).

É um texto em que não tem, por exemplo, (não tinha, penso que supostamente agora virá a ter), o reconhecimento do princípio da igualdade dos Estados. E tem coisas que nunca deveria ter, nomeadamente a possibilidade de não respeitar a vontade dos Estados na sua própria auto-vinculação à Constituição. Mas dizia eu que é espantoso que depois de ter havido um consenso, pelos Chefes de Estado e de Governo envolvidos, na revisão daquele texto que foi anunciado, que é o projecto de tratado que institui a Constituição para a Europa, ninguém o conhece. E foi decidido em nome e num consenso alargado de todos os Estados Europeus num momento, aliás, particularmente crítico. E o momento particularmente crítico foi o que sucedeu às eleições para o Parlamento Europeu. No momento em que estavam fragilizados muitos dos Governos, para não dizer a generalidade dos governos que estavam no poder à época, qualquer que fosse a sua orientação política.

E foi também o momento em que se assistiu a um fenómeno conjugado do aumento exponencial dos partidos e das chamadas forças políticas euro-cépticas e da abstenção. Quem se preocupa com a Europa, e quem quer a Europa, é a primeira entidade a quem tem que alertar e chamar a atenção para os perigos que aqui advêm no processo que está feito.

E chegados aqui, temos um ponto fundamental. É necessário discernir, distinguir completamente, separar, entre gostar ou não gostar do projecto de Tratado de Constituição para a Europa. Ponto Um. De admitir ou não admitir qualquer outro projecto, outra constituição para a Europa. Esta é a primeira questão que tem de ficar clara.

Segunda questão. Querer ou não querer uma Constituição para a Europa não significa querer ou não querer estar na Europa. A este propósito, naquele inquérito onde me foi pedido que recomendasse um livro aos estudantes deste curso, eu recomendei um livro que exige uma leitura densa, e com extensão. Mas não era desse que vos queria falar hoje e, portanto, como esse é um livro mais sério, queria dizer que há um livro que não devem deixar de ler, e que pode contribuir muito para a vossa formação de futuros políticos, e que tem o sugestivo título de Histórias de Fadas. Histórias de Fadas é uma coisa que ajuda muito a perceber o realismo na política. É escrito pelo genial Oscar Wilde. Sabem que o Wilde era irlandês: a primeira vez que desembarcou nos Estados Unidos perguntaram-lhe o que é que ele tinha a declarar. E ele disse: “nada, excepto o meu génio”.

Um rapaz modesto, aliás, dizia também que egoísta era uma pessoa que não pensava só nele próprio, nele, Oscar Wilde, evidentemente. Mas, estas Histórias de Fadas que eu recomendo vivamente que leiam, parecendo que não têm nada a ver com política, são uma vacina de cinismo, de mordacidade, de lucidez.

Fechando o parêntesis do Oscar Wilde, há uma pergunta que normalmente não é feita em política e que deveria ser obrigatória antes de qualquer decisão: “porquê fazer?”. Para se responder a esta pergunta deve-se fazer mais duas: “para quê?” e “para quem?”.

Sem se ter uma noção perfeitamente clara, objectiva, lúcida e definitiva sobre estas questões tudo o resto é imponderado, é atrevimento, é ousadia e às vezes é a tentação da utopia.

Ora não há nada mais perigoso no exercício político do que a utopia. Grandes erros, para não dizer os maiores horrores, que foram cometidos na História política foram sempre em nome de grandes ideais e é sempre esse serviço ao ideal (que não é aderente à realidade) que provoca antinomia, esse despertar violento com a realidade. Aquilo que me parece que está a acontecer em muitos casos é a ilusão do pressuposto de que se parte.

Eu sou um grande adepto de um filósofo medieval chamado Guilherme de Ockham que formulou o “princípio da simplicidade”, também conhecido por “princípio da economia”, que tem aquela teoria conhecida por “guilhotina de Ockham” que consiste em submeter qualquer argumento à prova a contrário. Se não for assim, o que é que sucede? Em qualquer (bom) livro de História da Filosofia encontrarão referências a este postulado, mas eu tenho aqui um da Oxford que tem a particularidade de ter esta afirmação: “Ockham é conhecido sobretudo por algo que nunca disse (alguém ser conhecido por algo que nunca disse!!!): “entidades não devem ser multiplicadas além do necessário”. Isto é a propósito do princípio da simplicidade. Ele dizia que não se deve pressupor a pluralidade sem necessidade.

Se aplicarmos este critério da “guilhotina de Ockham” ao porquê da necessidade duma constituição e ao que é que sucede se não houver constituição, as respostas talvez sejam surpreendentes. Tanto assim é que a constituição foi feita em nome e por causa do alargamento e o alargamento já está feito e não há constituição.

Não que não seja preciso um novo tratado constitucional, não que não seja preciso uma reformulação dos quadros da Europa. Mas que isso não seja feito em obediência e subserviência um outro requisito político (que não é dito) que é o de criar um Estado Europeu.

A questão toda começa neste primado geopolítico (antes de ser uma questão jurídica) e era aqui que eu queria chegar. Há pessoas que discutem estas coisas e executam-nas e aprovam-nas, alguns sem sequer meditar. Mas outros meditam-nas bem e têm uma noção (mesmo quando eu não concordo com elas e sobretudo quando não concordo) perfeitamente orientada e dirigida a uma determinada finalidade. Aquilo que muitos foram defendendo ao longo dos anos e sobretudo nos últimos anos, era que na nova ordem global, (sobretudo depois da queda do Muro de Berlim e do desmantelamento do chamado Bloco Soviético), não era possível um mundo unipolar. Isto é, não é possível um mundo onde haja só um poder de uma super-potência. Sendo essa obviamente os Estados Unidos. E qualquer pessoa atenta e que saiba um pouco de História, (a História não é importante para saber o passado, mas sim para perceber o que vai acontecer no futuro) percebe que o poder político emergente, a nova grande potência, virá da Ásia. A China, evidentemente em 1º lugar, por tudo e não só, em termos económicos, mas também outros países da mesma zona geográfica, como a Índia e o Paquistão.

Perante esta inevitabilidade, muita gente entendeu, e entende ainda hoje, em especial na Alemanha e na França, que é absolutamente necessário criar um poder político alternativo ao dos Estados Unidos. Portanto a ideia de um Estado Europeu não é desta constituição ou de outra. E um Estado Europeu, como qualquer outro Estado, precisa de uma constituição. O que não é possível é o contrário: um Estado estar submetido a duas constituições, porque neste caso, já não é Estado.

Então, teremos um mundo tripolar, assente em três bases: De um lado um mundo Asiático, depois a Europa e depois os Estados Unidos. Ora, a meu ver, a verdadeira fronteira que se estabelece no mundo (e o mundo tem uma fronteira), não é económica. O que está subjacente a esta directriz, a esta percepção do mundo, é o primado da economia sobre o primado de outro alvo que deve ser o factor distintivo. E esse factor distintivo, a meu ver, não é, nem pode ser, o económico. Não é a liberdade de negociação, nem as organizações de comércio, ou sequer o próprio desenvolvimento económico o verdadeiro critério que sublima uma fronteira. Qual é então? A verdadeira fronteira que existe no mundo é a civilizacional. E nessa fronteira civilizacional, a Europa e os Estados Unidos não podem ser vistos como factores contrapostos, ou como potências rivais, ou como concorrentes e muito menos como adversários. A Europa e os Estados Unidos pertencem ao mesmo canto do mundo que se pode chamar Ocidente. E o verdadeiro critério, a fronteira última deve residir no Ocidente. E pouco releva a Europa estar separada dos Estados Unidos pelo Atlântico. A propósito, espero que tenham todos bem presente que Nova Iorque e São Francisco estão mais longe que Lisboa e Nova Iorque. Portanto quando falamos de distância do outro mundo, convém termos presente que a largura do continente americano é maior que a do Atlântico, nesta parte que separa Portugal da costa leste.

O mundo, como eu o vejo e concebo, é com a Europa forte, mas não antagónica ou alternativa aos Estados Unidos. E só com profundo cinismo é que se pode negar o que está subjacente ao propósito primacial de construção de um Estado Europeu (e ter também uma constituição, moeda única, um exército único, impostos comuns) é a ideia de criar uma espécie de Estados Unidos da Europa.

Mas há uma diferença radical entre os Estados Unidos e a Europa. A Europa é uma unidade, não é só uma unidade estática, mas sobretudo uma pluralidade de nações e os Estados Unidos, como uma nação, têm uma língua comum, desde logo faz toda a diferença. E quando vos propõem e se adopta, como critério fundamental, o artificialismo de qualquer solução política, pode ser tentador do ponto de vista da vontade mas é sempre ilusório do ponto de vista da realidade. Não há nada pior que a falta de sensatez e lucidez e de conhecimento da inserção histórica.

Portanto, se a pergunta for: “eu concordo ou desejo um tratado moderno adequado para a Europa?”, com toda a certeza que sim. Mas, desde logo, tem que se começar por conhecer o princípio da igualdade dos Estados e de se conseguir, por exemplo, salvaguardar determinadas matérias que não estão hoje salvaguardadas. Por exemplo, uma coisa muito concreta daquilo que me atemoriza: hoje a Europa das liberdades tem, na maioria dos seus países, ainda a possibilidade da pena de morte e prisão perpétua. Isso não está salvaguardado na Constituição Europeia. E é essa Constituição que se pretende que prevaleça sobre a Constituição Portuguesa. Aliás, devo dizer que escrevi, e não estou arrependido de o ter feito, a recusa dos termos em que foi feita a adesão ao Tribunal Penal Internacional, exactamente pelas mesmas razões. Isto é um exemplo, só.

Quando se é capaz de escrever 400 e tal artigos e não se escreve uma linha para salvaguardar isto, eu fico muito preocupado. Há uma carta sobre os direitos fundamentais, mas esquece este pequeno pormenor...

Não que nos Estados Unidos não haja pena de morte. Os Estados Unidos são um exemplo de um Estado federal perfeito, aquilo que muitos pretendem para a Europa. Só que a Europa, que não é um Estado, muito menos federal, já harmonizou um determinado tipo de políticas e é impossível ver diferenças em determinadas áreas entre Estados que são soberanos na Europa. Nos Estados Unidos a maior parte dos Estados têm diferenças tão radicais como um ter pena de morte e outro não ter pena de morte. Toda a gente sabe que é assim nos Estados Unidos. Esta ideia de haver políticas comuns em tudo, esta ideia de harmonização, de padronização, de conformação, parece-me o ponto mais absurdo.

Portanto, o verdadeiro critério é civilizacional. A Europa deve reforçar todos os laços e, nesse aspecto, orgulho-me muito da posição que o Governo Português teve nos últimos anos nesta matéria. Mesmo contra a França e a Alemanha. A geopolítica explica que há sempre dois poderes qualquer que seja a sua orientação: há sempre um poder de orientação continental e outro poder de orientação marítima. Isto vem em todas as histórias da geopolítica e é preciso perceber que cada país não é só ele – é ele e as suas circunstâncias.

E os países continentais não têm, não podem ter, em todos os momentos da história, posições convergentes com os países de orientação marítima.

Hoje é dia 11 de Setembro e faz muito sentido lembrar que a Europa precisa de uma proximidade civilizacional e de um reforço dos direitos civilizacionais e da componente cultural da Europa. Não da instituição de um novo poder político e muito menos que esse poder político seja para afrontar ou concorrer com os Estados Unidos.

E é por isso que a constituição é um dado relevante, porque sem isso não há o cimento definitivo que legitime a edificação de um Estado. E eu estou muito mais preocupado com a própria ideia de constituição da Europa do que esta constituição em concreto. Até porque não é, como dizia o Wilde: “farinha e amizade são coisas diferentes e até se escrevem de maneira diferente”.

Vou terminar, para respeitar o tempo, e depois voltaremos a falar. (PALMAS).

 

Carlos Coelho

Obrigado. Dr. José Correia. A palavra é sua.

 

Dr. José Correia

Obrigado. Pela forma como o Paulo acabou, interrompido pelo Carlos Coelho, apetecia-me dizer que a arrogância europeia está bem presente na forma como o Carlos corta a palavra (RISOS E PALMAS), e faz as pessoas calarem-se. (RISOS).

Eu queria também começar com algumas saudações e em primeiro lugar ao Carlos pela forma como se tem empenhado no projecto da Universidade de Verão que eu já tive ocasião de acompanhar no ano passado. Sou nesta matéria repetente - o que não é mau quando se está do lado da docência, o problema é ser repetente quando se está do lado da discência (RISOS).

Foi uma experiência que me agradou particularmente e daí que tenha acedido de imediato ao convite do Carlos para poder estar aqui convosco apesar de ser um sábado de manhã. A segunda palavra de saudação é também para o Dr. Paulo Teixeira Pinto, pessoa de quem eu tenho o gosto e honra de ser amigo há muitos anos e cujas qualidades quer políticas quer intelectuais aprendi há muito a respeitar.

Como ele vos disse, já tivemos ocasião de ter outras discussões sobre este tema e hoje retomamos aqui a nossa conversa. Eu não sei se a pergunta tal como ela consta do nosso “caderno de encargos” é a pergunta mais adequada para possibilitar, digamos, o confronto directo de ideias nesta matéria, porque à pergunta “a Europa precisa de uma constituição?” eu não tenho grande dificuldade em responder, e de modo (porventura) idêntico ao Dr. Teixeira Pinto, que não. A Europa não precisa de uma constituição.

A Europa, sobretudo, não deve ter uma constituição. Agora isso não significa que o problema constitucional não se coloque relativamente a questões europeias e que não haja que dotar a Europa de um conjunto de documentos que tenham natureza constitucional ou, se quiserem, para-constitucional.

Não vou entrar nesse detalhe e nessa discussão jurídica. Aliás é uma questão que esteve sempre presente na constituição europeia, que está visível em muitas coisas que se prendem com a nossa existência diária. Por exemplo, a decisão que a Europa tomou já há uns anos em matéria de moeda única, é claramente uma decisão de natureza para-constitucional. A existência de uma moeda comum, o facto dos Estados abdicarem da sua moeda própria, tem evidentemente implicações nesta matéria, e portanto, eu se tivesse que responder só a esta pergunta não me afastaria muito daquilo que disse o Dr. Teixeira Pinto. A Europa não precisa de uma constituição e não deve ter uma constituição. Sempre pensei, e já o escrevi, que a ideia de dotar a Europa de uma Constituição, de chamar “Constituição” ao texto, não é uma ideia brilhante.

Aqui acompanho também o raciocínio do Dr. Teixeira Pinto, há aqui uma motivação política subjacente à escolha do termo que não é inocente e que a meu ver não devia ter sido seguida. A expressão “Tratado Constitucional”, que às vezes se utiliza, para porventura diminuir a carga que “Constituição” tem, era, a meu ver, um termo bem melhor. Se bem que do ponto de vista jurídico a expressão “Tratado Constitucional”, em si mesma, não tem grande sentido, porque é uma mistura de duas coisas diferentes. Mas a verdade é que a Europa já inventou tanta coisa, e teve sempre um modelo tão aberto de escolha de soluções, que “Tratado Constitucional”, (uma expressão que inicialmente o Partido Popular Europeu, onde o PSD está, trabalhou) é preferível. Mas, enfim… ficou Constituição.

Agora o facto de, por razões políticas, se chamar ao documento que temos em cima da mesa, Constituição, não significa que nós tenhamos que acompanhar esse raciocínio. Aquilo que está em cima da mesa e que os 25 Estados membros terão de decidir se vai ou não entrar em vigor, não é uma Constituição. Não é uma constituição, é um Tratado. É um Tratado que pode lidar com questões de natureza constitucional, como outros tratados lidaram, como o Tratado de Maastricht lidou, por exemplo, mas não é uma constituição. E isto para mim é um ponto essencial porque nós só podemos discutir estas coisas se tivermos uma ideia clara do que é que estamos a dizer. A Europa não é um Estado. Não sendo um Estado, não tem uma Constituição, nem pode ter. Há um conjunto de coisas que um Estado tem que ter e a Europa não tem. A Europa não tem um povo. Não há um Povo Europeu, nós não temos a nacionalidade europeia, nós somos nacionais do país a que pertencemos e temos como reflexo desse facto uma coisa a que se chama cidadania europeia. Mas isso é uma realidade de carácter muito parcelar. A Europa não tem um território. Se repararem, e sem entrar em demasiadas tecnicidades jurídicas, para que haja um território é preciso que haja um poder político que exerça competências sobre esse território. Ora a Europa não tem isso. A Europa não dá ordens, ou não tem mecanismos de aplicação efectiva do seu direito. Por exemplo, ela faz essa aplicação através dos órgãos dos Estados-membros. Nessa perspectiva ela não tem território. Não exerce de facto uma autoridade, uma jurisdição sobre determinado território.

E sobretudo, não tem um poder político. E não tem um poder político. Basta, ver como as coisas se passaram relativamente à chamada Constituição Europeia, para ver que a Europa não tem de facto um poder político próprio. Todas as decisões que a Europa toma, nesta matéria para-constitucional, são decisões dos Estados-membros através da conclusão normal de actos de direito internacional, que depois os Estados ratificarão ou não, consoante as circunstâncias. E, portanto, não há na Europa nenhum dos elementos que caracteriza o Estado. E não havendo, a Europa, evidentemente, não tem uma Constituição, nem precisa dela.

Eu estou inteiramente de acordo com o que disse o Dr. Teixeira Pinto acerca da Europa e da forma como não discutimos a Europa e como toleramos um afastamento face à discussão das questões que têm consequências imediatas na nossa vida diária. Esse é um dos erros que se cometem com demasiada frequência.

Porém, temos que ter a noção que nestas coisas é preciso ser claro. E não é pelo facto, de que às vezes por uma recôndita vontade de natureza política, alguém decidiu chamar Constituição a uma coisa que o não é, que nós podemos ir atrás desses raciocínios. A Europa não tem uma Constituição. O que há em cima da mesa é um Tratado que os Estados livremente decidirão se querem ou não ratificar, que se ocupa de questões constitucionais, mas isso também não é uma novidade no processo europeu, porque muitas outras vezes, a Europa se ocupou de questões de valor ou de índole constitucional.

Aliás uma das coisas que a mim sempre fez confusão em Portugal, na discussão que se vai fazendo, apesar de tudo, sobretudo no plano dos actores políticos, é que nós muitas vezes – e aí também concordo com o Dr. Teixeira Pinto – não discutimos o essencial, mas sim o acessório. Nós em vez de discutirmos que modelo da Europa queremos, qual o limite que estamos dispostos a aceitar, por exemplo, em termos de delegações de soberania, quais os limites que estamos dispostos a aceitar em matéria daquilo a que eu chamo europeização de funções, (transferência progressiva de funções dos Estados para a UE), discutimos sempre coisas acessórias, como se viu por exemplo – e aí discordo do Dr. Teixeira Pinto – a propósito da questão da discussão do primado do direito comunitário sobre o direito nacional dos Estados, por causa do artigo 10º da Constituição. E tivemos o país político virado do avesso para discutir uma questão dessas em vez de discutir aquilo que é verdadeiramente essencial, que é a questão da tal europeização de funções.

Eu julgo que nós, nesta matéria, devemos, antes de mais, ter ideias claras sobre o modelo da Europa que queremos e qual é a melhor maneira de chegar lá. Agora, é óbvio e nunca ninguém escondeu, (nem o poderia ter feito por uma questão de seriedade intelectual), que entrar para um projecto como o projecto europeu é sempre algo que nos deixará no limiar da discussão entre o que é ainda dos Estados, e o que já não é; o que é o federalismo europeu, quais as competências que devem ser transferidas, quais as que (no limite) têm que ficar nos Estados, que consequências vai isto ter para a relação entre o Estado e esse nova entidade, tudo isto tem que ser discutido. Porque só isto é que nos permitirá perceber até onde é que devemos ir. E uma das grandes vantagens que eu acho que a Europa sempre teve e deve continuar a ter, (daí a referência crítica que eu fiz há pouco à expressão Constituição), é que a Europa nunca se deixou “guetizar” na discussão sobre o seu próprio modelo.

A Europa foi sempre um modelo aberto. Aquela lógica de que o caminho se faz caminhando. E vamos descobrindo o nosso rumo à medida que as questões se vão colocando e que encontramos soluções para as encontrar. Há um termo técnico em ciência política que se aplica a estas circunstâncias que é a ideia do “spill over” A ideia de que sempre que há um problema, há que encontrar uma solução que permita dar o salto para um patamar superior onde esse problema se pode resolver. E a Europa tem funcionado assim. E eu acho que funciona se funcionar assim. A Europa só pode funcionar se for sempre um desafio aberto. Se nós chegarmos a um modelo da Europa “per omnia saecular saeculorum” aí acho que a Europa vai entrar em declínio.

Reparem: a União Europeia é um instrumento. É uma organização com características particulares, mas é um instrumento que foi pensado e tem vindo a ser desenvolvido visando realizar certo tipo de objectivos.

E nós temos que identificar com clareza os objectivos que queremos atingir. O que nunca podemos fazer – e uma vez mais, estou de acordo, com o pensamento do Dr. Teixeira Pinto – é subordinar os princípios aos interesses. A Europa é uma construção que visa atingir certos interesses. Temos que identificar esses interesses, mas temos que, ao mesmo tempo, perceber que não podemos sacrificar princípios essenciais para atingir esses interesses. E por isso é que eu não estou a ver que a Europa precise de uma Constituição, porque se a Europa tivesse uma, aí sim, tínhamos um problema. A lógica assumida de federalização que eu julgo que não é aceitável nem desejável.

Agora, isso não significa que nós não tenhamos objectivamente que encontrar aqui o tal modelo que nos permita construir uma integração europeia diferente dos modelos de reorganização estadual a que estamos habituados. Vemos com frequência a questão colocada em termos de saber se a Europa deve ser um modelo federal ou confederal. A minha resposta é simples. Não deve ser uma coisa nem outra. A Europa tem que ser aquilo que nós sejamos capazes de construir, tendo em conta o tal respeito pelos princípios que não estamos dispostos a prescindir, mas ao mesmo tempo a realização de certo tipo de interesses que (sendo cada vez mais determinantes e essenciais para cada Estado), obrigam necessariamente a um reforço cada vez maior do próprio projecto de integração.

Nós temos que encontrar aqui uma solução rápida, que não é fácil de encontrar e por isso é que o modelo deve ser sempre um modelo em aberto que permita esta articulação permanente, repito, entre os interesses e os princípios.

Mal andaríamos nós no dia em que os princípios cedessem em função dos interesses. Que a Europa não deve ter uma Constituição, não deve. Que a Europa tem necessariamente que englobar aspectos de natureza para-constitucional, tem. Porque não é possível construir um modelo europeu sem delegações em favor dessa mesma União (chama-se União ou outra coisa qualquer, já se chamou outras coisas)

Não é possível construir uma Europa como nós a queremos, uma Europa forte na defesa dos seus próprios interesses e dos interesses dos Estados-membros e na afirmação internacional, não funcionando como alguns pretendem – o Dr. Teixeira Pinto também se referiu a esse ponto – não funcionando como alguns pretendem como pólo de confronto com os Estados Unidos, mas como pólo de afirmação dos interesses de quem o integra. Isso não é possível se não houver a transferência de um conjunto significativo de poderes. Nós temos que encontrar aqui um equilíbrio e eu julgo que em muitas coisas a construção Europeia tem algumas coisas, que a meu ver, vão no bom sentido. Também concordo que tem coisas que se não tivesse não se perdia nada.

Mas, por exemplo, quando se impõe no artigo 5º o respeito pela identidade nacional dos Estados-membros reflectida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um, bem como o respeito pelas funções essenciais do Estado, como as que se destinam a garantir a integridade territorial, manter a ordem pública, salvaguardar a segurança interna.

Isto significa que há aqui uma preocupação de dotar a Europa cada vez com mais poderes e, ao mesmo tempo, criar limites que a UE não possa ultrapassar. Porque esses limites adulterariam as funções do Estado e adulterariam, para utilizar a expressão do Tratado, a própria identidade nacional dos Estados-membros. Esta cláusula não constava dos Tratados até agora. É a prova de que se tentou encontrar aqui um equilíbrio. Como se tentou encontrar um equilíbrio, por exemplo, ao prever, pela 1ª vez, uma cláusula de saída, que define as condições em que um Estado pode sair da UE.

O que reforça até a ideia de que não estamos perante uma Constituição, ou de que não estamos perante um Estado, porque se há um princípio aceite em Direito Constitucional, é um direito aceite, é de que não há direito de secessão, direito de saída, de abandono, no caso dos Estados Federais.

Houve aqui alguma tentativa de fazer o encontro entre os princípios e valores, por um lado, e os interesses e objectivos, por outro. Agora é evidente que há outras soluções que podiam ser tomadas num sentido diferente, mas, enfim! Algo com 400 artigos, terá uns que são melhores, outros que são piores.

Agora - antes que a Europa me corte o pio (RISOS) – é preciso de facto encontrar soluções que sejam de carácter constitucional. A Europa, repito, não precisa de uma Constituição, mas é impossível construir um modelo de integração europeia (no Estado em que a integração já se encontra hoje em dia), sem haver essas opções de carácter constitucional no plano europeu, por razões que todos compreenderão, que se prendem com os desafios que a Europa tem que enfrentar no mundo e que exigem da Europa cada vez mais decisões e rápidas. Tem que ver com o facto de a Europa estar a ser construída a 25. A Europa começou a ser construída a 6. Com 6 posso dar-me a um conjunto de luxos. A 25 não. A 25 num Conselho Europeu, se cada Primeiro-Ministro ou Chefe de Estado falar 5 minutos, só pode usar da palavra outra vez, quase duas horas depois.

Portanto, há um conjunto de problemas de ordem técnica que urge resolver. E isso só se faz através de um conjunto de soluções que passam, por exemplo, pela diminuição da composição da Comissão, pelo acréscimo das decisões por maioria qualificada, etc. Não há outro caminho. Aqui temos que ser claros. Ou é assim, ou não é. Ou se arranjam soluções que permitam à Europa ser simultaneamente capaz de defender os interesses dos seus Estados e isso só se pode fazer, sendo eficaz no processo de decisão, ou então, não há Europa.

Mas há limites que são inultrapassáveis, a meu ver. E esses limites têm que ver com o respeito pela soberania do Estado. É claro que isso levaria a uma discussão muito complicada tal como o que é a soberania do Estado? E a soberania do Estado em 2004, não é a soberania no ano de 1960, 70 ou 80.

Há um conjunto de coisas que, repito, para utilizar a terminologia dos Tratados, são fundamentais para definir a idiossincrasia de cada Estado que não podem ser submetidos a raciocínios de carácter tecnocrático ou raciocínios de carácter instrumental. E portanto o que eu tenho que encontrar é o tal equilíbrio entre o que deve ser do Estado e o que pode passar para a União. Dir-me-ão: é fácil encontrar este equilíbrio. Eu acho que não é. Manifestamente, não é.

Nós temos que ter alguns critérios. A ideia do respeito pela identidade nacional do Estado, pela idiossincrasia de cada Estado, pelas tarefas fundamentais e essenciais do Estado, pode-nos fornecer uma pista para, em cada momento, fazer a separação entre uma coisa e outra. Porque – e vou acabar – porque há aqui uma diferença essencial entre os Estados que integram a União e a União. Os Estados são uma realidade por si própria. São uma realidade que existe, fruto de uma determinada manifestação de vontade de um povo. A Europa é um instrumento. A União Europeia é um instrumento. Eu não posso colocar aquilo que tem um carácter instrumental acima daquilo que tem um carácter material, se quiserem. E, portanto, eu tenho que encontrar soluções que me permitam agilizar a Europa e pôr a Europa a actuar de forma a defender os interesses dos Estados-membros, sem que com isso ponha em causa o que é determinante, que é a existência do Estado e aquilo que são as características sem as quais o Estado não é aquilo que nós sabemos que ele tem que ser. Muito obrigado. (PALMAS).

 

Jorge Nuno Sá – Presidente da JSD

Muito obrigado. Vamos agora começar com os blocos de questões. Para começar é o grupo verde e quem coloca a questão é a Andreia Correia.

 

Andreia Correia

Bom dia. A nossa questão é muito simples. Como viram o debate em torno das referências ao cristianismo no preâmbulo do projecto ao Tratado. Foi exagerada? Não havia nada mais importante para discutir? Obrigado.

 

José Pinto (Grupo Bege)

Muito bom dia, antes de mais dou as boas vindas aos oradores à Universidade Verão 2004, e a minha questão vai para o Dr. Paulo Teixeira Pinto. Em Novembro de 2003 referiu na TSF que o actual projecto da constituição europeia permite na prática que quatro países passam a decidir os destinos de 25. A minha pergunta é a seguinte: mantém a mesma opinião? E se sim, quais as consequências para Portugal. Muito obrigado.

 

Dr. Paulo Teixeira Pinto

Em relação à parte do cristianismo a minha posição é clara. Antes de enunciar em termos políticos tinha que vos dizer uma coisa (que não têm obrigação de saber): eu sou católico e procuro ser um católico empenhado. Porém, nunca me envolvi nessa discussão, por uma razão muito simples: não porque eu ache indiferente estar ou não estar a menção ao cristianismo no preâmbulo. O que eu acho é que não é indiferente haver preâmbulo. Precisamente porque eu entendo que deve haver um tratado e não uma constituição, os tratados não têm preâmbulo, era contraditório e incongruente da minha parte estar a querer a menção ao cristianismo no preâmbulo quando o que eu quero é que não haja preâmbulo. O que eu quero é que haja tratado e não constituição e os tratados não têm preâmbulos. E se não há preâmbulos, eu não proponho alterações ao preâmbulo, zero.

Aliás preâmbulo assaz lamentável. Já que falamos disto, não resisto, a dizer-vos duas coisas, mais do que a ausência do cristianismo, este preâmbulo começa com uma citação em grego por parte de pessoas que não sabem grego mas que traduzido diz o seguinte: “a nossa constituição chama-se democracia porque o poder está nas mãos não duma minoria mas de um maior número de cidadãos”. Falso. Falso e isto inquina todo o projecto constitucional.

Na democracia o poder não reside na maioria reside em todos! A democracia não é o regime das maiorias: é o regime em que todos são iguais. Ou teríamos uma oligarquia qualificada. Isso não é democracia. Esta citação grega, que não é inocente, serve para travar o princípio da unanimidade em muitas matérias essenciais de que até aqui estão vigentes nos tratados europeus.

Isto cruza-se com a segunda pergunta: a ideia de que pode haver um directório e não apenas da maioria dos Estados mas a maioria da população ou maioria dos votos poderem determinar certas matérias de determinada forma.

Acho que não deve haver preâmbulo, a questão não se resolve introduzindo o cristianismo. E se houvesse preâmbulo, seria no mínimo estranho e bizarro que sendo o cristianismo a principal matriz cultural e civilizacional da Europa, esteja em igualdade com o Zen e com as meditações transcendentais e coisas assim desse género.

Mas este preâmbulo começa dizendo uma falsidade e uma afirmação no mínimo perigosa para a democracia. E não teria terminado de uma maneira melhor (vou-vos ler), escrito pelos próprios membros da Convenção europeia que elaboraram a constituição: “gratos aos membros da Convenção europeia por terem elaborado a presente constituição em nome dos cidadãos e dos Estados da Europa”. Como é possível dizer tanto numa frase só? Desde o auto-elogio, “gratos aos membros”, eles próprios, por terem feito em nome dos Estado e cidadãos da Europa. Depois fala-se do distanciamento dos eleitos e eleitores.

A questão dos Estados é muito relevante pelo seguinte: precisamente porque nós estamos, (não é preciso ser constitucionalista nem sequer ter formação jurídica especial), gostava só que me acompanhassem meio minuto neste raciocínio: um tratado, qualquer tratado, é um acordo entre Estados. Se é um acordo entre Estados, todos têm direitos e deveres dentro desse acordo. Um dos direitos e um dos deveres, é precisamente o de exigir que cada um (aos outros) o cumprimento do tratado, porque ele próprio tem também o dever de o acatar. Dito de uma maneira mais simples: não é possível a um Estado mudar um tratado sem o acordo de todos os demais, entra pelos olhos dentro, é evidente, é pura lógica, não é direito. E como o acordo vincula todos, só com o acordo de todos é possível mudar um tratado, isto é que é o característico de um acordo entre partes.

Ainda de uma maneira mais simples, neste momento o quadro vigente institucional da Europa, o chamado Tratado de Nice, só pode ser alterado com o acordo quer dos 15 Estados que o aprovaram na altura, quer dos 10 que depois negociaram a adesão. Por isso, o Tratado da UE actualmente vigente (com que a Europa funciona após o alargamento) só pode ser modificado por unanimidade. Acontece que já depois deste projecto de constituição estar elaborado, foi acrescentada uma folha solta (já na parte das assinaturas – uma coisa que passou totalmente despercebida) que diz que se decorrido um prazo de 2 anos a contar da data da assinatura do tratado que estabelece a constituição, quatro quintos dos Estados Membros o tiverem ratificado e um ou mais membros tiver deparado com dificuldades em proceder a essa ratificação, o Conselho Europeu analisará a questão. Mas qual questão? Basta 1 Estado para não haver constituição! Não há questão nenhuma! Quatro quintos? Mas que quatro quintos? Quatro quintos, dois quatros, sete nonos - o que quiserem! Tudo o que não seja unanimidade é zero. Qual questão? O novo tratado, (se for um tratado e não uma constituição), prevê algo muito importante, como foi dito pelo Dr. José Matos Correia que é a saída voluntária de um Estado da União. Mas em nenhum momento, hoje existe o direito de os outros Estados processarem um Estado, mas porquê? Esta questão é primacial.

A outra questão, quando falei à TSF, tinha presente um texto inicial (depois alterado) que surgiu de um consenso entre Chefes de Estado, sobre o sistema da ponderação de votos de tomada de deliberação. Devo dizer que isso não era (nem de perto nem de longe), aquilo que me assustava. Acho que a maior parte das pessoas discutiu a Constituição Europeia lendo aquele capitulozinho de votos e formação de deliberações, como se fosse a única coisa que estivesse em causa, quando para mim é das coisas menos importantes, porque se de facto tivermos um espírito europeu, é indiferente quem vota a favor e quem vota contra, desde que as deliberações sejam validamente tomadas.

O ponto é que, de facto, da forma como estava ponderada a obtenção das maiorias, 3 ou 4 grandes Estados eram suficientes para formar sempre as maiorias. Hoje não é assim. Ainda não vi bem como ficou formulado esse princípio, mas sei que toda a negociação deixou de lado aquilo que era essencial e assentou nestes princípios, embora, repare, um princípio fundamental pelo qual o Governo Português se bateu muito bem, foi a inclusão expressa do reconhecimento do princípio da igualdade. O princípio da igualdade só pode ir no reconhecimento e na realização das matérias tomadas por unanimidade. Muito obrigado. (PALMAS).

 

Dr. José Correia

Vamos finalmente entrar aqui nalguma divergência séria. Relativamente à questão do cristianismo eu acho que há porventura, talvez, um excesso de jacobinismo na deliberação de algumas das opções que constam do Tratado Constitucional Europeu. E nesta matéria parece-me que isso é evidente. Não se pode fazer um preâmbulo a um Tratado Constitucional omitindo aquilo que é a matriz cultural e civilizacional essencial da Europa e esquecendo ao mesmo tempo que a própria construção europeia, a construção da União, das Comunidades e hoje da União é ela própria uma consequência em grande medida de decisões políticas tomadas pelo poder instituído na Europa.

Quando nós olhamos para os grandes construtores europeus, a maior parte deles pertenciam justamente à escola política que tinha que ver com a democracia cristã, em particular e, portanto, tinha muito que ver com esta herança cultural e civilizacional da Europa. Acho que não tem grande sentido fazer referência a certo tipo de heranças culturais europeias no preâmbulo e não referir o cristianismo.

Aquilo que o Dr. Teixeira Pinto disse suscita-me aqui uma série de dúvidas existenciais. Em primeiro lugar, ou temos conceitos técnicos diferentes ou o que eu mais conheço são tratados com preâmbulos. Os próprios Tratados Europeus têm desde sempre preâmbulos importantíssimos que são utilizados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia como critério interpretativo dos próprios Tratados. Ou temos conceitos diferentes de preâmbulo

Dr. Paulo Teixeira Pinto

São introduções.

Dr. José Matos Correia

Dr. Teixeira Pinto, desculpe lá. Tecnicamente não são introduções, são preâmbulos. Têm o valor jurídico dos preâmbulos. Aliás, o que mais há são tratados internacionais com preâmbulos. Não vislumbro o que é que uma coisa tem que ver com outra. Que uma Constituição tem preâmbulos e um Tratado não tem. O que mais há são Tratados com preâmbulos, tem exactamente o mesmo valor do preâmbulo de outros documentos jurídicos. A importância que têm do ponto de vista da compreensão ontológica do próprio Tratado…

Depois, a interpretação que o Dr. Teixeira Pinto faz daquilo que se diz no preâmbulo, é no mínimo discutível. É óbvio que a expressão utilizada, que aquela frase que “a democracia é a vontade da maioria”, não é provavelmente a expressão mais adequada. Pessoalmente, não dou lições de democracia às pessoas que elaboraram a Constituição Europeia. Nesse conjunto estão algumas figuras marcantes na história da democracia europeia. Não sou capaz de ver nelas um pensamento que não seja profundamente democrático. E pode até haver uma expressão menos feliz desse mesmo pensamento.

Depois aquela ideia – que aliás já uma vez tínhamos discutido sobre isso – a propósito da cláusula de agradecimento no fim. Eu mesmo fiz não sei quantas cláusulas de agradecimento a mim próprio. Basta ter trabalhado uns anos no Ministério dos Negócios Estrangeiros para saber que há sempre em comunicados e coisas destas uma cláusula final de agradecimento, que é feita antes sequer de as pessoas lerem os papéis. E depois porem lá uma cláusula de agradecimento dos Estados e dos cidadãos europeus. Não acho anormal, porque de facto a Convenção era um órgão, pela 1ª vez na construção europeia de representação dos Estados e dos cidadãos. Há uma coisa que eu acho curiosa. É muito criticada a Convenção Europeia. A Convenção Europeia é o único exercício minimamente democrático que a Europa já teve do ponto de vista da elaboração dos Tratados. A elaboração dos Tratados, do Tratado de Paris, do Tratado de Roma, do Acto Único Europeu, do Tratado de Masstricht, de Nice, etc., etc. foi sempre exclusivamente inter governamental e depois vê-se criticada a elaboração da Constituição Europeia, quando pela 1ª vez, ao fim de 50 anos, a Europa convoca uma Convenção, onde estão presentes não apenas representantes dos Estados, mas Deputados eleitos pelos seus próprios países representantes do povo que o escolheu. Pela 1ª vez a Europa tem num órgão de elaboração de um tratado, representantes dos Estados, que são os Governos e os cidadãos, que são os Deputados eleitos.

Um último ponto, a propósito da surpresa e da discordância do Dr. Teixeira Pinto sobre a questão da ratificação do Tratado por 4/5 e depois o Conselho Europeu “analisará a questão”. Analisará a questão e bem. Pois se há uma questão. Há uma questão, há, Dr. Teixeira Pinto, há de certeza uma questão, porque há um Tratado que para entrar em vigor tem que ser ratificado por 25. E se não está ratificado por 25 há uma questão: o Tratado não entra em vigor, não há tratado!

Eu posso discutir o critério quantitativo: 4/5, 2/3, 5/6, é completamente irrelevante. O que há é uma questão. E portanto se há uma questão, ninguém melhor do que o Conselho Europeu para a analisar. Como aliás já aconteceu noutras circunstâncias. Não é a 1ª vez que um Tratado Europeu não pode entrar em vigor porque há recusa de ratificação por um Estado Membro e o Conselho Europeu analisou a questão para tentar encontrar uma solução construtiva que permita que essa ratificação se faça. Não me escandaliza rigorosamente nada, não retiro daí nenhuma conclusão negativa, pelo contrário, retiro até uma conclusão positiva dessa opção.

 

Jorge Nuno Sá

Muito bem. Avançamos para a 3ª questão. Grupo encarnado, Marisa Oliveira.

 

Marisa Oliveira

Bom dia. A nossa questão também estava relacionada com a minoria de bloqueio, que foi feita pelo grupo bege, pelo que vamos à nossa pergunta de recurso. Como analisa os vetos nacionais em matérias como a política de asilo. Não configurará isto uma ingerência na soberania nacional? Muito obrigado.

 

Jorge Nuno Sá

Muito obrigado Marisa. 4ª questão, grupo roxo, Gabriela Queirós.

 

Gabriela Queirós

Muito bom dia a todos. Eu tenho duas questões: uma mais pragmática e uma mais teórica. Qual é o espaço de manobra de Portugal nesta discussão, porque obviamente não podemos pensar em estar fora da Europa. Qual é então o campo de manobra que nós podemos ter aqui?

A segunda questão é: a primeira vez que eu entrei numa aula de direito comunitário para ouvir falar da Europa disseram-me o nosso estudo vai ser um OPNI - Objecto Político Não Identificado. Infelizmente, já lá vão 10 anos desde que eu ouvi isto e em 10 anos de construção europeia continuamos sempre a falar de construção europeia, o que não é uma coisa má, mas continuamos também sempre a ter um OPNI e eu não sei até que não seria bom as coisas estabilizarem do ponto de vista políticos e podermos investir a sério no resto da construção europeia: ao nível económico, social, cultural.

 

Paulo Teixeira Pinto

Sobre os vetos. Numa votação por unanimidade, o simples facto de um Estado não votar a favor significa apenas isso, que não votou a favor e não se formou unanimidade. Não é rigorosamente um veto do ponto de vista constitucional ou técnico-jurídico. Os jornais e a comunicação social em geral, e mesmo os analistas, muitas vezes chamam a isto direito de veto, mas não é

Eu, de maneira nenhuma, podia aceitar que uma revisão do tratado pudesse ser feita por 4/5 ou 7/8, 2/3 ou o que fosse: um tratado só pode ser revisto por unanimidade, embora uma constituição não. A nossa é feita por 2/3.

Evidentemente que para mim isso é uma questão que está subjacente a todo o enunciado que foi referido. Eu penso que nesta e noutras matérias importa distinguir o que é essencial do que não é, o que é verdadeiramente relevante e o que não é: Como o Dr. José Correia disse e nesse ponto também estou inteiramente de acordo, com 25 Estados (e previsivelmente com mais alguns que virão também), não é possível que tudo seja deliberado por unanimidade. Não é possível. É ingerível, pela natureza das coisas, isso não funciona.

A parte do direito de asilo tem uma implicação que deve ser ponderada nos seguintes termos. Aliás isso levava-nos a uma questão muito interessante: é que não é verdade aquilo que se diz de não haver fronteiras na União europeia. Há fronteiras, o que acontece é que elas foram deslocadas cada vez mais. Não há é inter-fronteiras. Na medida em que há liberdade dentro do espaço comum, a entrada num determinado espaço não é uma decisão específica desse Estado. Essa é uma matéria que eu entendo que seja percebida numa perspectiva mais comunitária. Porque ao entrar-se num determinado espaço abriu-se a porta não para se entrar nesse País mas em todos os outros países, nos quais haja livre circulação.

Em contrapartida, preocupa-me muito que se possa fazer uma coisa a propósito das competências exclusivas da União. O artigo 12 nº 2) diz o seguinte: “A União dispõe de competência exclusiva para celebrar acordos internacionais”, portanto, reparem, já é um outorgante de um Tratado como se fosse um Estado, celebram um acordo internacional com outro Estado. Depois em que circunstâncias? Em três casos. “Sempre que tal celebração esteja prevista em acto legislativo da União”, (ou sejam tem de estar previsto); “seja necessário para dar à União a possibilidade de exercer a sua competência a nível interno”, isto já é um bocadinho mais fabuloso, muito intangível; ou “afecte um acto interno da União”, mais intangível ainda. Quando diz “um acto da União”, não diz “previsto neste Tratado ou noutro tratado qualquer”. Um acto da União pode ser uma directiva ou um regulamento. E basta um regulamento que é aprovado por maioria, nalguns casos, e não por unanimidade, dizer que determinada matéria é de competência exclusiva da União, para a União ficar com a competência exclusiva para celebrar Tratados. Isso é que me preocupa. E muito. Aliás, acho que isto é muito perigoso.

Quanto à questão do OPNI e da estabilidade. Penso que falta à Europa pensar primeiro e agir depois. E tem-se andado numa dinâmica que se chama (em eurocratês) “dar passos em frente”. Rumo aonde? Não se sabe. Mas dá-se passos em frente. É sempre para a frente. E depois não se tem presente que por acaso há aqui uma pequena descoordenação com a História. Se forem ver, tudo o que aconteceu, ainda agora, nos últimos anos, na Europa de Leste, e o que existe, às vezes, perto de nós, é que todos os movimentos populares são sempre no sentido de autonomização e independência e não de convergência.

De alguma forma podemos dizer que são forças centrífugas e não centrípetas.

E que aquilo que se está a fazer na Europa é uma força centrípeta, é uma conjugação de um ponto central de poder em perfeita descoordenação (para não dizer violação) do princípio da subsidiariedade, porque cada vez mais poderes passam dos Estados para um nível transestadual. E cada vez fica menos nos Estados. Nós vimos o que aconteceu com a implosão de todas as Repúblicas Soviéticas na própria União Soviética, mas também noutros Estados e não necessariamente em termos bélicos.

A Checoslováquia que se dividiu na República Checa e na Eslováquia. O caso dramático da Jugoslávia com guerras civis. Os Estados Bálticos dividiram-se sem nenhuma perturbação militar. Mas, de facto, a vontade dos povos tem sido sempre esse. Eu não conheço nenhum movimento popular na história que tenha sido no sentido da unificação do poder político. Foi sempre ao contrário.

Permitam-me sublinhar, já agora, o seguinte. Voltando às lições da História, quando se tenta uma solução definitiva, devemos ponderar no seguinte: não há um único caso, (esta é uma regra sem excepção), que a História registe, em que o poder político não tenha soçobrado e decaído. Até o poder político mais imenso que alguma vez a humanidade viu, (o Império Romano), soçobrou. Quase 1.000 anos entre cair no Ocidente e cair no Oriente, 476 para 1453. Mas caiu. Não há nenhum poder político eterno. E portanto quando há este perigo da utopia de fazer as coisas primeiro e perguntar depois.

Ou quando se diz: “quem discorda é porque é antieuropeu porque não quer a Europa”, que é logo um anátema que se lança, como se metade dos povos e dentro de metade dos povos, metade de cada povo, fosse irresponsável, fosse anti-europeu. Era essa a conclusão que teríamos que tirar do resultado dos referendos.

Mesmo a França que é a campeã do vanguardismo da unificação europeia, quando foi da votação do tratado de Maastricht ficou 51%-49%. esta história de fazer primeiro e perguntar depois, antes de pensar que devia haver uma sedimentação, primeiro estabilização e depois afinamentos e não revoluções constantes, mutações constantes, sem primeiro se perceber o que está em causa, e quando as coisas estão feitas. Já se estava a mudar Nice e ainda nem todos os Estados tinham ratificado Nice – faz-me lembrar a história de um jovem cirurgião que quando pela primeira vez foi deixado à solta, o antigo professor perguntou-lhe: então a operação correu bem? E ele respondeu com ar espantado: A operação? Não era autópsia? (RISOS).

 

Dr. José Matos Correia

Relativamente a estas diferentes questões que foram colocadas, quanto à questão do veto. Estou inteiramente de acordo com o Dr. Teixeira Pinto no que diz respeito à utilização incorrecta da expressão, o que está em causa não é o direito de veto. Nós chamamos-lhe habitualmente um direito de veto porque o efeito que tem é vulgarmente designado por veto. Eu confesso que a questão do veto, seja qual for a matéria, não é uma questão que me perturbe particularmente, por razões de ordem vária.

Em primeiro lugar porque a construção europeia tem demonstrado que a possibilidade de utilização de um veto é uma possibilidade marginal. São muito raras as circunstâncias, quando se cria uma dinâmica de decisão muito grande, é extremamente difícil a um país utilizar o direito de veto na União Europeia. É algo que se acena sempre dizendo: olha que tenho o direito de veto. Mas quando se chega ao momento de vetar, é muito raro que aconteça. Quando se cria (como eu estava aqui a referir) determinada dinâmica de decisão num certo sentido e é muito difícil extrapolar essa decisão e ficar parado, isolado quando os outros todos já vão em determinado rumo. E portanto, o veto é mais um tranquilizador de consciências do que propriamente uma imagem com real utilidade. Acresce que a questão do veto nos leva a um problema muito mais complicado que é o problema da própria essência da Constituição Europeia.

Porque é que a Europa tem funcionado? A Europa tem funcionado e funciona tão bem que começou com 6, passou por vários alargamentos e chegou aos 25, e eu não vejo ninguém a querer sair, só vejo é pessoas a quererem entrar.

A minha conclusão é que isto não deve ser mau de todo. Começámos com 6, já aumentámos 400% e ainda há outros que estão a bater à porta. A coisa não deve estar a correr mal.

Há uma coisa que na Ciência Política se chama o “jogo de soma zero” que tem que ver com a análise do fenómeno do poder. Sendo o poder uma relação, aquilo que alguém ganha com o exercício do poder é aquilo que outrem perde com esse mesmo exercício, portanto, se alguém exerce o poder sobre outrem, tem autoridade sobre ele. Quem tem essa autoridade ganha determinada coisa, quem está submetido, perde em montante idêntico – a Europa não é, nem nunca pode ser um jogo de soma zero. No dia em que a Europa se transformar num jogo de soma zero, em que começamos a fazer contas sobre o que ganhamos e perdemos, é meio caminho andado para a Europa acabar.

A Europa só tem sentido, quando os Estados se sentirem realizados nela e quando o resultado global que retirem da integração europeia seja benéfico. É evidente que eu depois não posso dizer que: “mas eu perdi tanto na agricultura, ou perdi tanto nas pescas”. Está bem, mas em contrapartida ganhei aqui ou ali. O resultado é globalmente analisável a nível de cada um e depois globalmente analisável a nível de poder. Não podemos construir a construir a Europa na lógica do confronto: “Temos de ter vetos para se isto não nos agradar, o exercermos!” Quando eu começo a raciocinar assim, está tudo perdido. Também nesse ponto de vista, a questão do veto não me preocupa muito.

Isso entronca numa outra questão colocada pelo 2º grupo que tem que ver com o espaço de manobra de Portugal. Porque eu acho que aquilo que cada País quer ou deve ganhar, não se joga na lógica do veto, a dizer: se não me dão eu veto. Não. Joga-se ao contrário. Na lógica de ter uma actividade política ou diplomática grande, boa, significativa, que permita fazer valer os interesses do Estado, tanto quanto os interesses do Estado podem fazer-se valer no contexto a 25. É jogar o jogo de forma activa, de forma a que esse momento não chegue, ou não chegue tanto quanto é possível não chegar.

Portugal tem espaço de manobra ou não tem? Eu acho que todos têm espaço de manobra. Essa, aliás, é uma das grandes vantagens do projecto europeu. Todos tiveram sempre, até o Luxemburgo, espaço de manobra. Agora o espaço de manobra que cada um tem, é o espaço de manobra que cada um souber criar. Porque é óbvio que para um grande Estado, o espaço de manobra está mais garantido pelo seu próprio peso político, demográfico, económico, territorial, etc.

Nos Estados mais pequenos, o espaço de manobra deve ser criado pela capacidade que demonstram para contribuir para o projecto Europeu e pela seriedade com que os seus outros colegas o vêem nesse mesmo projecto. E a verdade é que nós tivemos, ao longo dos anos, ocasião de ver que mesmo um País como Portugal pode, quer no plano europeu, quer no plano internacional, fazer valer um peso significativo. É mais aqui que nós temos que jogar, o que às vezes não é fácil, implica uma mudança daquele espírito muito tradicional do “coitadinho do português”, que está sempre à procura de desculpa para se justificar, em vez de encontrar um caminho que lhe permita fazer aquilo que ele quer. Não é fácil, mas é possível e aconteceu várias vezes na Europa – ainda há pouco o Dr. Teixeira Pinto referia e bem – a forma como o Governo Português se bateu pela questão do princípio da igualdade e pela consagração do princípio da coesão, que não estava previsto inicialmente nos Tratados. Ou, por exemplo, o papel que um país pequeno como Portugal foi capaz de exercer na questão do Iraque ou Carta dos Oito, etc. Não interessa agora discutir (porque essas opiniões são de cada um), se fizemos bem ou mal, mas é a prova evidente que mesmo um pequeno país pode até eleger um Presidente da Comissão.

Eu prefiro olhar para as coisas neste quadro. Quanto ao OPNI, agora apetecia-me dizer: “desde que não seja tripulado por extraterrestres, pode ser um OPNI à vontade”. Mas a questão do OPNI vem ao encontro daquilo que eu estava a dizer à pouco: não tenho nada contra o OPNI, pelo contrário, o que eu não quero é um OPI, porque isso significa fechar o modelo e eu acho que a Europa não está em condições (nem é benéfico) de fechar o seu próprio modelo de construção. Agora isso não significa isto, estou de acordo com o Dr. Teixeira Pinto, que demos o passo primeiro e pensemos depois.

Temos que saber o que queremos, mas devemos deixar em aberto a forma de lá chegamos para construir a Europa. Ou seja: como cumprir o objectivo de todos sem pôr em causa as características de cada um. Obrigado. (PALMAS).

 

Jorge Nuno Sá

A próxima questão é do grupo castanho e é a Luciana das Neves que a coloca.

 

Luciana das Neves

Bom dia. Creio que a diferença fundamental entre esta constituição, ou tratado constitucional, e os anteriores tratados é a necessidade de os Estados terem de subscrever a totalidade do seu conteúdo, o que não acontecia nos tratados anteriores. Eu achei interessante porque me pareceu que até houve um certo consenso no painel quanto ao facto de a Europa não precisar duma constituição. E também há consenso na necessidade da Europa unida para reforçar a afirmação dos seus interesses e também de que não existe neste momento uma figura jurídica capaz de enquadrar essa necessidade. Portanto agora a nossa questão será: que figura jurídica e que modelo então?

 

Jorge Nuno Sá

Grupo azul, Hélder Baptista

 

Hélder Baptista

Bom dia, Dr. Teixeira Pinto, Dr. José Matos Correia.

Antes de mais não posso deixar de citar uma pequena frase do nosso ilustre Presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, em que ele disse que “são os Estados que vão voluntariamente aceitar os avanços da integração europeia e por isso não estou preocupado ao contrário de outros que têm medo de uma constituição acima do nosso Estado”.

Eu acho que neste momento, a população portuguesa (10 milhões de habitantes), está completamente afastada do tema da constituição europeia, o que é pena, porque se hoje tivéssemos um referendo, acho que haveria uma abstenção de 90%, ou então as pessoas iriam votar ignorantemente. Eu pergunto se não se está a discutir em demasiado os conceitos em lugar dos aspectos que o Dr. José Matos Correia apelidou de para-constitucionais?

Até que ponto a discussão em volta de termos como para-constitucionais, constituição, preâmbulo, tratado não é responsável pelo afastamento das pessoas do projecto da pseudo-constituição europeia? Porque não discutimos as verdadeiras essências da Constituição Europeia? A ponderação dos votos no Conselho Europeu é boa ou má para Portugal? O fim das presidências rotativas é bom ou mau para Portugal? A redução do número de Comissários é boa ou má para Portugal? A não referência às raízes cristãs é bom ou mau para Portugal? Obrigado.

 

Dr. José Matos Correia

Desta vez falo eu primeiro que é para o Dr. Teixeira Pinto poder criticar-me a seguir. (RISOS).

Relativamente à primeira questão. Há porventura aí uma confusão do ponto de vista técnico. Se há um princípio básico nos Tratados Europeus, é que estes não aceitam reservas. Ou seja, os Tratados Europeus têm que ser integralmente subscritos, todos. Desde o Tratado de Paris de 51, até à Constituição Europeia, é princípio básico dos Tratados que eles têm que ser subscritos por todos os Estados. O que não significa que por vezes não possa haver períodos de adaptação, como aconteceu com a adesão de Portugal, em que tivemos um período, uma série de anos, em que a aplicação das regras não se fazia na íntegra. O principio básico dos Tratados de aplicação a todos não significa que não possa haver certo tipo de tratados no âmbito comunitário entre os Estados-membros que não possam ser subscritos apenas por alguns.

Agora, os Tratados Fundadores e as suas alterações, esses têm que ser subscritos na íntegra. O que não significa que depois não possa haver compromissos que são assumidos parcelarmente. Estou a pensar em Schengen, por exemplo, que não é uma obrigação de todos.

Quanto à questão que colocou do modelo, aí, por mais que tente dar a volta ao texto, não consigo. Quer dizer, a mim não me preocupa o modelo da integração europeia. Não me preocupa. Preocupam-me os objectivos da integração e encontrar soluções que, em cada momento, sejam as adequadas para os realizar sem pôr em causa a tal identidade fundamental dos Estados-membros. O modelo não me interessa. Eu não acredito que uma certa ortodoxia jurídica seja útil aqui. Eu tenho que ir à procura das melhores soluções em função dos desafios com que sou confrontado em cada momento. Porque se se tem fechado o modelo em 1951, (aquando da CECA), não haveria uma Europa a 25. Só se pode ter esta Europa porque nunca se fechou o modelo a ninguém. Se eu começo a fechar o modelo, a meu ver, arranjo um problema. Eu prefiro manter as opções em aberto.

Passando para o outro grupo. Têm razão na questão que colocam, isto de discutirmos o que não tem interesse nenhum, em vez de discutir o que tem interesse. Agora, vamos ser absolutamente claros. A Europa está afastada dos cidadãos e devemos discutir a Europa, levar a Europa ao pé das pessoas, esclarecer as pessoas sobre o que diz o Tratado Constitucional Europeu.

Quantas pessoas em Portugal conhecem o texto da Constituição Portuguesa? Quantas pessoas sabem o que lá está escrito? Quantas pessoas sabem as implicações do que lá ficou dito? Nós tivemos uma revisão constitucional há uns meses atrás, terão reparado? O País entusiasmou-se, com a revisão constitucional? Eu era Presidente da Comissão de Revisão Constitucional e recebi para aí duas cartas. O País, de facto, parou a pensar na revisão constitucional? Fizemos alterações essenciais em matéria de Regiões Autónomas. O pessoal das Regiões Autónomas andava excitadíssimo durante aqueles meses todos a pensar: é desta que vão alargar as competências legislativas, vão extinguir o Ministro da República, vão acabar com as Leis Gerais da República…

Mas lá vamos ao mesmo problema, eu vou-lhe dar um exemplo.

Você vai ao Parlamento. Discute-se o barco da women on waves e desata tudo aos gritos. Estão lá os Deputados todos, as galerias estão cheias de gente. Passamos para a discussão da ratificação do Tratado Constitucional, vai-se tudo embora. Normalmente é uma 6ª feira de manhã, (RISOS) – não estou a brincar – a aprovação de Tratados pela Assembleia da República é marcada para as 6ªs feiras de manhã, que é quando há menos Deputados e não há público. Ninguém liga nenhuma àquilo.

A Europa é discutida não sei quantas vezes no Parlamento, porque há relatórios que são feitos, as Comissões têm que fazer o acompanhamento, sobretudo a Comissão de Negócios Estrangeiros e, depois enviar documentos ao Plenário para discussão. Está sempre tudo vazio. Mas se a gente discutir a questão do barco women on waves, ou se o Dr. Louçã se lembrar de inventar um fait divers qualquer sobre uma cabala qualquer deste mundo, desata tudo aos gritos no Parlamento.

E, portanto, as coisas têm que ser colocadas no seu devido enquadramento. É óbvio que há uma responsabilidade que é, em primeiro lugar, dos políticos, e quando eu digo dos políticos, digo de uma forma alargada, do Governo, do Presidente da República, da Assembleia da República, dos dirigentes partidários, etc. Devem motivar as pessoas para a discussão europeia. Porque as pessoas têm que perceber, de uma vez por todas, que há muito que a sua vida é determinada pelas questões europeias. Ainda recentemente a propósito do tal barco, discutia-se se a entrada era ou não permitida nas águas territoriais nacionais pelo direito comunitário. Quantas e quantas vezes nós não somos confrontadas com a legislação portuguesa que é ela própria consequência da legislação comunitária. Portanto, as pessoas têm que abandonar de vez esta ideia de que a Europa é uma vaga super-estrutura que não tem nada que ver com a nossa vida de todos os dias. Agora, também não podemos ter demasiadas expectativas quanto ao que vai ser o debate europeu. Se não debatemos o País, muito menos debatemos a Europa. Se debatêssemos, e era o que eu referia há pouco na minha intervenção, eu não escolhia certamente o artigo 10º e o primado do Direito Europeu sobre o português como o tema essencial de discussão. Discutiria quais são as competências que devem passar para a União e as que devem ficar nos Estados, se as línguas devem ou não deixar de ser todas oficiais, se a Comissão deve ou não ter comissários de todos os países. Isso é que é importante. Porque isso é que afecta o tal equilíbrio sensível entre os Estados e a União, equilíbrio que se for afectado põe em causa a construção europeia e põe em causa necessariamente os interesses dos Estados. Obrigado. (PALMAS).

 

Dr. Paulo Teixeira Pinto

Estou em crer que o Dr. José Correia quis falar primeiro do que eu porque desta vez eu não podia discordar. (RISOS) As perguntas eram tão pacíficas… Eu não tenho discordância e não vou repetir o que foi dito.

Faço só duas notas adicionais. Há bocado quando se falou do OPNI, a propósito do poder comunitário e do espaço de manobra de Portugal, tinha-me esquecido de referir um pormenor. Por favor, não falem mais de Portugal como um pequeno país neste âmbito (PALMAS). Não é uma questão emocional, não é por sermos pequenos ou pouco importantes, é porque se de facto olharem para a tabela, da densidade populacional da área vão perceber que Portugal hoje já não está nos pequenos países. Metade dos países da Europa são aproximadamente da dimensão semelhante ou menor a Portugal. Nós somos um médio país,

Há cento e tal anos atrás ainda não se discutia a União Europeia mas já havia pessoas que tinham explicações científicas sobre como o mundo seria melhor ou como evoluiria perante um determinado rumo. Uma dessas pessoas foi um cavalheiro chamado Engels que explicou como inevitavelmente o materialismo científico levaria a um determinado estádio político - enfim, conhecem toda a teoria marxista.

Um dia alguém lhe fez a pergunta inocente: “e se a realidade não for alterada dessa forma?”. Ele respondeu: “tanto pior para a realidade”. Os jovens políticos podiam pensar muitas vezes nesta frase porque muitos não a conhecem e agem nos mesmos termos, “tanto pior para a realidade”.

Estou inteiramente de acordo com o Dr. José Matos Correia sobre a distinção entre tratado e constituição. Eu penso que isso se deve à circunstância do próprio corpo legislativo permitir regimes diferenciados durante algum período para alguns países. Vejam que o Reino Unido continua a não ter euro. E todos percebem e está plenamente vinculado ao tratado. Só não vai estar à Constituição, porque eu acho que não vai passar no referendo. Aliás, a partir do momento em que se tornou inexorável a realização de um determinado tipo de referendos nalguns países, acho que estão todos à espera de não ser os primeiros. Todos dizem que vão fazer, incluindo Portugal, (até estamos de parabéns porque já há uma data). Começou-se por não haver ninguém a favor e neste momento não há nenhum partido político que seja contra - só que não há referendo.

Neste momento, pela primeira vez, houve a coragem de apontar uma data, acho que não seremos mesmo assim dos primeiros, até talvez venha a ser desnecessário porque algum país que o faça primeiro, provavelmente o resultado não será o desejado. E a começar pelo Reino Unido, evidentemente.

E a este propósito queria só lembrar-lhes o seguinte. Quando se fala do distanciamento das pessoas e da discussão dos temas políticos, do que verdadeiramente importa às pessoas, a mim impressionou-me sempre muito o que aconteceu na Irlanda. Na Irlanda, quando foi a ratificação do Tratado de Nice, o Governo era a favor. Normal. O Governo é que tinha negociado, mas a oposição também era a favor. E os sindicatos também eram a favor. E a Igreja também era a favor. Estamos a falar na Irlanda. Sabem qual foi o resultado? Venceu o Não. Quando tudo parece ser a favor e há um resultado destes, a tendência é ser um bocado como o Engels: tanto pior para a realidade.

O que é que aconteceu? É o perigo de deixarmos de estar sintonizados com a realidade que nos cerca. Apesar de na Irlanda haver um compromisso e um comprometimento exemplar do Estado, porque qualquer alteração aos tratados europeus é considerado ipso iure, portanto, directa e automaticamente uma alteração à própria Constituição Irlandesa. E isso torna obrigatório e vinculativo o referendo. Acontece que quando se realiza um referendo, o próprio Estado Irlandês tem num site que diz: submetemos este texto a referendo. O texto traduz-se no seguinte: as implicações são estas e estas. As vantagens são estas, as desvantagens são estas. A nós dá vontade de dizer: parvos, porque os resultados depois são estes. Qual foi a reacção automática? Quando se fala do respeito dos eleitores e como vão analisar a questão, a resposta dada automática foi o senhor Prodi vir logo dizer: evidentemente que se vai repetir. Ele que até é Irlandês e responsável pela Irlanda, garantiu logo que se ia repetir o referendo. Foi automático, antes de ter havido qualquer declaração do responsável da Irlanda. O mesmo aconteceu depois na Suécia. O senhor Prodi é o exemplo paradigmático do que é brincar com coisas explosivas.

Não resisto a dar-vos outro exemplo. Agora quando foi dos Jogos Olímpicos, não sei se viram, veio dizer: a União Europeia ganhou os Jogos Olímpicos! Somou as medalhas dos países todos, dava mais do que os Estados Unidos que pensavam eles que tinham ganho e a seguir a China.

Com este realismo, estou mesmo a imaginar os povos num campeonato do mundo de futebol a gritar: União Europeia, União Europeia contra o Brasil (RISOS). A União Europeia ganhou e é assim que se fazem às vezes certas deliberações. As contas estão feitas. Mas a União Europeia com quantos países participou? Não se pode somar tudo. Quando há 400 metros barreiras, ganha a França, em 2º a Inglaterra, a União Europeia quantas medalhas tem? Uma ou duas? Eu estou a dar isto porque é quase anedótico, mas foi dito a sério. E é paradigmático do que é a ilusão da realidade.

 

Dr. José Matos Correia

Posso dizer só uma coisa? Eu sou contra a europeização de funções no futebol. Santa paciência. (RISOS).

 

Jorge Nuno Sá

7ª questão. É a Diana Vieira Fernandes do grupo cinzento.

 

Diana Vieira Fernandes

Bom dia. Antes de mais gostava de dar as boas vindas à Universidade de Verão. E a questão que eu coloco, ou seja, o grupo todo, é bastante simples.

A Constituição Europeia no que ela representa, pode ser utilizada como elemento estabilizador de coesão e de equilíbrios de forma a atenuar as várias assimetrias sentidas em toda a União Europeia? Obrigada.

 

Jorge Nuno Sá

Grupo rosa. Rodrigo Neiva Lopes.

 

Rodrigo Neiva Lopes

Bom dia. Antes de mais, queria saudar o Dr. Paulo Teixeira Pinto e o Dr. José Matos Correia por terem vindo à Universidade de Verão. Em especial ao Dr. Matos Correia, que foi meu professor na Universidade Lusíada e é bom revê-lo aqui. A questão que eu tinha para perguntar aos dois, era a seguinte: no seu artigo “much ado about nothing”, o Dr. José Matos Correia referia e defendia basicamente o Primado do Direito Comunitário sobre o Direito Interno Português e exemplificava isso com as sucessivas decisões ao longo de vários anos do Tribunal das Comunidades Europeias. Nesse sentido, crê que a actual polémica acerca da importância da soberania portuguesa faz sentido? Ou seja, a soberania é algo que se possa partir em pedaços, vamos perdendo soberania com o passar dos anos, será que isso é uma questão relevante? A 2ª questão é relacionada com esta: crê que o actual modelo se assemelha de certa forma a uma confederação? Acha que se irá evoluir no futuro, acha que é congruente que se possa evoluir para uma federação baseada neste Tratado Constitucional? Era a pergunta que o grupo rosa tinha. Obrigado.

 

Dr. José Matos Correia

Eu, no ano passado, quando cá estive, já manifestei a minha estranheza pela existência de um grupo rosa, mas vocês nem assim... (RISOS e PALMAS). Com tanta cor que há no espectro podia-se arranjar outra coisa melhor.

Relativamente à primeira das questões, melhor dizendo, a questão não é propriamente uma questão da Constituição. Sobre isso estamos, julgo eu, esclarecidos. Eu acho que uma Constituição não tem sentido e eu e o Dr. Teixeira Pinto temos uma aproximação não necessariamente idêntica, mas coincidente nesta conclusão.

O problema é de saber se havendo uma Constituição, ou Tratado Constitucional, Tratado normal, Convenção, Carta, Protocolo, qual é o papel que os Tratados Europeus devem ter nessa questão. Na questão da coesão. Na questão da diminuição das disparidades e das diferenças, que é uma questão reintroduzida pelo alargamento a 25. Reintroduzida, quer dizer, redimensionada, ela já cá estava. Aí há alguns desenvolvimentos que foram preocupantes. O facto de a Constituição Europeia, nas suas primeiras versões, ter esquecido o princípio da coesão como princípio constitucional da Europa, é uma decisão preocupante. Isso preocupa-me muito mais do que outras coisas. Porque isso é esquecer o desígnio essencial da Europa. É de que não pode haver Europa de 1ª e Europa de 2ª. Estados no patamar Y e outros no X.

Os Tratados Comunitários, este ou outro qualquer, têm que funcionar necessariamente como elemento determinante da criação de condições para que a coesão (aproximação entre os diferentes Estados) se verifique. E no que isso significa em termos de condições de vida das pessoas, acessos a bens culturais, etc, etc, etc. É preocupante que se esqueçam de que isso é assim.

E que se esteja muito preocupado com a composição da Comissão, ou com as decisões por maioria qualificada, mas que se esqueça que o princípio da coesão é, a par com o princípio da igualdade ou do princípio democrático, um dos princípios estruturantes do projecto europeu. Para isso é que a Europa foi criada. Foi criada para que os cidadãos dos Estados-membros pudessem aspirar a um determinado tipo de existência. E se eu esqueço isso, esqueço o desiderato n.º 1 da Europa.

Quanto às questões do grupo rosa, a minha opinião sobre isso é conhecida. Não me perturba o princípio do primado. Não só não me perturba, como acho que o princípio do primado do Direito Internacional sobre o Direito Nacional tem que ser assim. Porque se não houver princípio do primado, não há respeito pela igualdade, nem há garantia da coesão. Porque se eu tiver cada Estado a dizer: eu não cumpro porque o meu Direito não me deixa, ainda que seja o Direito Constitucional do Estado-membro, crio uma lógica de diferenciação na aplicação do Direito Comunitário que necessariamente leva a uma desigualdade. E isso não pode ser. É uma característica essencial do Direito Comunitário que seja aplicável de igual forma e aplicado de igual forma a todos os Estados-membros e isso só é garantido com o princípio do primado. Agora isso não é um primado genérico do Direito Comunitário sobre o Direito Europeu. É um primado das normas do Direito Comunitário nas áreas em que os Estados transferiram, delegaram competências na União Europeia. É normal, se a legislação tem que ser aplicável a 25, só há uma maneira de garantir que essa aplicação se faz. É que seja idêntico o Direito para todos os Estados-membros.

Isso implica primazia do Direito Comunitário sobre o Direito Constitucional? Implica. E foi uma regra do jogo que toda a gente sempre aceitou. Mas à boa maneira portuguesa, quando a questão esteve debaixo do tapete, ninguém levantou problema, quando a questão se coloca finalmente de uma forma transparente e clara, e a Constituição passa a ter uma norma sobre essa matéria, aqui d’el rei, cai o Carmo e a Trindade. Mas durante estes anos todos em que andámos a assobiar para o lado e a alterar a Constituição Portuguesa preventivamente para garantir que não havia essa desconformidade, e aceitando de facto de subordinar no plano político a nossa Constituição aos Tratados Europeus, aí esteve-se tudo nas tintas. Agora, anda tudo muito preocupado com o artigo 10º da Constituição Europeia.

Quanto à questão da Confederação / Federação: só lhe posso dizer aquilo que já referi várias vezes. A Europa não é uma Confederação. E desejavelmente, a meu ver, não deve ser uma Federação. E, portanto, temos que nos manter no domínio do tal OPNI que nos permita fazer o caminho à medida que vamos caminhando. Obrigado.

 

Dr. Paulo Teixeira Pinto

Em relação às duas questões que foram suscitadas pelo grupo rosa, vou responder também telegraficamente. Primeira: se contribui para a coesão e para o equilíbrio da União Europeia? A minha resposta é clara. Se estivesse em causa este texto definitivo, a minha resposta é não. Não vou responder com segundas palavras nem com meios-termos. A minha resposta é não, não contribui. E isso significa que não possa haver uma solução? Pode e deve. Que tenha em consideração a conjugação dos dois princípios basilares que são o eixo de toda esta actividade.

Um que já hoje aqui foi falado e que falaremos outra vez à frente a propósito de soberania, que é o princípio da subsidiariedade. Mas deve ser articulado e conjugado com o princípio da solidariedade. Uma das coisas que mais perturbação causa na vida das pessoas, é o excesso de regulamentação, o excesso de intervencionismo. O que chamo de poluição normativa. Se forem ver o Diário da República, nos últimos anos, não há nenhum ano em que não sejam publicados mais de 100 Decretos-Lei só para efeitos de transposição de Directivas Comunitárias. E versam assuntos tão espantosamente importantes e relevantes como alguns – se alguém quiser depois posso deixar aqui uma lista que tirei aleatoriamente: o regulamento relativo aos pneus e à instalação dos automóveis, protecção das galinhas poedeiras, utilização de determinados pesticidas, tudo coisas do maior calibre e interesse. Se isto fosse nos Estados Unidos, para dar outra vez o exemplo de um Estado Federal, alguém tentasse criar isto como regra normativa geral aos 50 Estados que compõem os Estados Unidos, era internado como demente. Pensar que do Dacota à Califórnia, da Florida ao Maine, toda a gente tinha que seguir as mesmas regras nestas matérias, era um absurdo total.

E portanto a solidariedade e a subsidiariedade têm que andar a par.

Quando os Estados se associam num determinado projecto seja ele intergovernamental, federal, confederal, é inexorável que tenham que perder determinados atributos de soberania. Mas quando se começa a transferir incessantemente, sempre no sentido ascendente (porque nunca há no sentido descendente), competências dos Estados para uma instância superior e ao mesmo tempo uma translação dessas atribuições e competências para graus inferiores (como é o caso das Regiões Autónomas e as autarquias), o que é que vai ficar no Estado? Há uma dificuldade muito grande em responder. Qual é o limite para se parar?

Porque quando diminuem as competências e atributos do Estado, para passar (e bem) para instâncias inferiores, nomeadamente autarquias locais ou regionais e ao mesmo tempo existe uma transferência superlativa, então o que é que reside no Estado? Pois nada. E então vai-se chegar a esta conclusão: se não reside nada, não é preciso Estado. Faz-se ao contrário. É como o problema da Constituição: ela não é precisa. Nesse ponto eu e o Dr. Matos Correia estamos inteiramente de acordo. Mas um dia vai ser precisa. E ela já existe. E já que existe impõe-se.

Eu na matéria do primado não estou de acordo mas não vou iniciar aqui uma querela jurídica.

Eu fui um dos signatários daquele manifesto chamado “Manifesto dos Constitucionalistas”, a propósito do artigo 10º. Mantenho exactamente a mesma opinião e sem entrar em minudências técnicas quero dar uma explicação.

Para mim o Tratado da União Europeia que está em vigor prevalece sobre toda a legislação interna dos Estados, precisamente porque há um compromisso entre os Estados.

Não pode é qualquer norma comunitária que não o Tratado prevalecer sobre a hierarquia normal de direito de um Estado, incluindo a sua natureza constitucional.

Uma coisa é dizerem-me: “se houver colisão com uma lei da Assembleia da República, o Tratado na União Europeia tem que prevalecer!” Estou de acordo.

Outra coisa é dizerem-me assim: “uma Resolução do Parlamento Europeu vai prevalecer sobre a Constituição portuguesa!” É inadmissível. E quem diz do Parlamento Europeu diz do Banco Central: é inadmissível. Uma Directiva da Comissão vai prevalecer sobre a Constituição Portuguesa? Inadmissível. Não retiro aquilo que digo.

Quando um Estado se vincula com outro ou outros Estados ao cumprimento de regras comuns que estão vertidas num Tratado que tenha de o fazer a todos os títulos, e que não possa escapar-se por regras inferiores, isso é evidente. E se não tiver preceitos constitucionais conformes, tem que os adaptar. Mas tem de ser no momento da adesão. No momento do cumprimento valem as regras que estão por baixo.

Portando, isto vale para o direito comunitário chamado originário, mas muito mais vale para o direito comunitário derivado. Aquele que não é sequer o que está vertido nos Tratados mas que dimana dos órgãos e serviços da União Europeia que vai prevalecer sobre todo o direito interno português incluindo sobre a Constituição.

Voltando ao exemplo que vos dei há pouco: se houver um Código Penal Europeu que preveja a prisão perpétua. Mas qual é a salvaguarda? O Estado de Direito Democrático? Mas há Estados de Direito Democrático com pena de morte: os Estados Unidos, a França, a Alemanha. O problema não está aí: essa salvaguarda está garantida! Nesse ponto lamento muito mas não estou de acordo!

PALMAS

 

Jorge Nuno

Agora é o Grupo Amarelo – Pedro Ferreira.

 

Pedro Ferreira

Bom dia! Em nome do Grupo Amarelo as boas vindas!

A nossa questão é a seguinte: consideram que o processo de criação da Constituição Europeia revela as fragilidades da União Europeia? Obrigado.

 

Paulo Teixeira Pinto

Acho que sim! Acho que sim! (RISOS)

 

Jorge Nuno

Para terminar a sequência dos grupos é o grupo laranja o último – o Miguel Real Mendes.

 

Miguel Real Mendes:

Dr. José Matos Correia, Dr. Paulo Teixeira Pinto, os meus respeitosos cumprimentos.

A minha questão, em nome do grupo laranja, é sobre o aprofundamento da integração no projecto europeu. E neste sentido permita-me citar uma declaração feita por um político português, em 5 de Fevereiro de 2004, no Congresso do Partido Popular Europeu, e que foi nos seguintes termos: “diz-se muitas vezes que é preciso mais Europa e eu estou de acordo que é preciso aprofundar o projecto europeu. Mas é preciso sermos sérios e honestos, sermos objectivos na análise da actual situação. Temos de olhar a verdade de frente e a verdade é que hoje há menos impulso europeu do que havia há alguns atrás em muitas das nossas sociedades. A verdade é que hoje o perigo, ao contrário do que alguns dizem, não é de integração a mais mas sim o de alguma desintegração do projecto europeu”.

Ora esta declaração foi proferida pelo actual Presidente da Comissão Europeia, Dr. José Manuel Durão Barroso.

Já falámos aqui hoje, (e foi extremamente interessante) da questão do Directório, da França e da Alemanha, das maiorias qualificadas e eu pergunto se a Constituição Europeia reflecte estes princípios do aprofundamento da integração europeia. Mais do que isso: ainda aqui não foi falada hoje a possível integração da Turquia. Ou seja, é um Estado que a maior parte da sua população em termos religiosos é muçulmana e com todas as consequências que daí advêm; apenas 3% do seu território está no espaço que hoje unanimemente consideramos Europa; a sul desse Estado está um outro presentemente conturbado que é o Iraque. Como tal, a questão da Turquia não poderá influir no difícil e delicado equilíbrio do projecto da integração Europeia? Obrigado.

 

Dr. José Matos Correia:

Há bocado o Dr. Teixeira Pinto foi tão taxativo a responder à pergunta ao Grupo Amarelo que eu fiquei sem palavras. Mas para responder à pergunta, eu não acho e não sou particularmente crítico do processo de elaboração do Tratado. Acho que o processo de elaboração do Tratado foi o único processo de elaboração minimamente participado de um Tratado Europeu desde 1950. O problema não está na elaboração do Tratado, mas sim no modo como cada autoridade política de cada Estado definiu a sua própria posição perante as questões europeias e foi capaz ou não de gerar um diálogo político interno sobre estas questões.

Agora, quanto ao processo, em si, de elaboração, nunca houve nenhum tão participado.

Relativamente às questões colocadas pelo Grupo Laranja, (finalmente um grupo com uma cor como deve ser, para um sítio destes) (RISOS) - são questões muito complicadas e que levariam o resto da manhã aqui a discutir.

O Dr. Durão Barroso é, a meu ver, um bom exemplo do equilíbrio devido neste processo político da composição da Europa. Porque consegue aliar, (como demonstrou pelo comportamento enquanto Ministro dos Negócios Estrangeiros, depois como Primeiro-Ministro e agora como Presidente indigitado da Comissão), saber equilibrar uma profunda convicção europeísta com uma profunda convicção atlantista. Demonstrou-o agora na relação com os Estados Unidos a propósito do Iraque.

Portanto, é alguém que tem alguma autoridade para falar sobre esta matéria e eu, que o conheço particularmente bem, diria que conheço poucas pessoas que têm uma tão forte convicção europeísta como o Dr. Durão Barroso. E eu sei que ele acredita piamente nisso que você leu.

Podia ser dito de uma forma mais simples, numa frase por vezes é utilizada: “a solução para os problemas da Europa é mais Europa”.

Não tenho disso grandes dúvidas, desde que seja possível ter as tais cláusulas de salvaguarda e encontrar o tal equilíbrio entre os diferentes interesses em presença. Não tenho a mais pequena dúvida de que, se isto era válido há dez anos, hoje, no mundo globalizado, é cada vez mais válido.

Depois coloca a questão da Turquia. A questão da Turquia é complicada. Sendo certo que Portugal tem uma posição oficial nessa matéria: favorecer e apoiar a adesão da Turquia. E bem. Porque a última coisa que nos interessava era transformar a Europa numa espécie de casulo civilizacional. Porque era dar razão àqueles que acham que o século XXI vai ser o século do confronto das civilizações e que em cada organização política só pode estar um conjunto de países que se revejam uma determinada orientação civilizacional.

A Turquia é, a meu ver, uma questão-chave. E hoje é um dia particularmente interessante para a abordar, por se tratar do dia 11 de Setembro. A questão da Turquia é crucial. A Turquia é um Estado muçulmano, laico desde a década de 20, desde que o Ataturk o estabeleceu. Pela primeira vez, tem um Governo do Partido Islâmico. O resultado positivo da evolução política da Turquia é essencial do ponto de vista da análise das relações internacionais globais nos anos mais próximos, porque é a prova, que nós precisamos, de que é possível haver regimes islâmicos democráticos.

Não se faz isso mantendo a Turquia fora da Europa. Pôr a Turquia dentro do clube é uma decisão essencial. Estamos a condicionar um bocadinho a Turquia ao dizer “vocês entram se cumprirem estes requisitos”. Mas estamos a fazer isso apoiando e permitindo a adesão da Turquia, pois é essencial para demonstrar um ponto que não é demonstrado do ponto de vista das relações internacionais: é possível nos regimes políticos islâmicos fazer uma separação (como nós já fizemos há muito tempo), entre o poder do Estado e da Religião.

Portanto, se a Turquia funcionar fica a prova feita, e fica feito o exemplo de que precisamos para outros países. Porque é verdade que há países que têm influência islâmica ou que são países árabes e que são laicos, mas não eram países democráticos, como era o caso do Iraque. O Iraque, com o Sr. Hussein, foi sempre um Estado laico. O Saddam Hussein só descobriu Meca em 1991, quando invadiu o Koweit e depois descobriu a religião porque lhe dava jeito. Daí que se explique porque é que a religião católica e o cristianismo são tolerados e aceites no Iraque.

Portanto, a questão da Turquia é essencial do ponto de vista da estabilidade política europeia e de uma certa conceitualização das relações internacionais no futuro. Eu sei que isso levanta um conjunto de problemas, mas a entrada da Turquia não é nada de extraordinário. A Turquia também é membro da NATO e não é por ser um País que tem determinadas características que deixou de aderir. E não é caso único. Pode-se pôr daqui a alguns anos o problema da Bósnia, onde a mesma questão se coloca. É por isso que é preciso olharmos com determinado cuidado para a Turquia e ver que a Turquia pode ser um elemento-chave no reequacionar das relações internacionais. E espero que as coisas corram bem porque seria uma excelente notícia para todos nós.

 

Paulo Teixeira Pinto

Eu há bocado respondi daquela forma ao grupo amarelo, não era nenhuma desconsideração, era só para evitar repetir-me relativamente a tudo o que já tinha dito e espero que esteja tudo bem entendido, para não me estar sempre a repetir.

Em relação à questão do aprofundamento e da desintegração, permita-me só chamar a atenção para esse paradoxo. Com outras palavras, mas dentro da mesma linha do que citou, para o ponto 4 do texto que eu distribuí.

Dentro do ponto 4, na alínea 3: de cada vez que se dá um novo passo para a unificação do poder formal, vai-se também aumentando o risco de desintegração comunitária dos corpos sociais. É o problema, se quisermos, de se “morrer da cura”, por excesso terapêutico.

Sobre a Turquia, estou de acordo com parte do que disse o Dr. Matos Correia, e portanto não repito, mas não estou de acordo com tudo.

Apesar de tudo, o voluntarismo político tem que obedecer a determinadas condicionantes e a determinados constrangimentos. Um dos quais é a natureza das coisas. Apesar de tudo a Europa não muda de sítio. A Europa é o que é.

A razão pela qual não vejo a Turquia dentro da União Europeia, mas vejo muito bem, por exemplo, dentro da Nato. Acho até que é essencial. Aliás, todos têm presente que a grande pressão para a Turquia pertencer à União Europeia, curiosamente, é dos EUA e não de nenhum Estado europeu. Isso tem a ver com a necessidade de criar um tampão geo-estratégico naquele ponto de fronteira da Europa. E a pressão é sobretudo da Nato. E a Nato para mim é uma alavanca essencial, mesmo mantendo a União Europeia nos termos em que está.

A razão pela qual eu não vejo a Turquia dentro da Europa não é por ser um Estado muçulmano, é por não ser um Estado europeu. A razão é só esta, não tem nada a ver se é muçulmano ou não. (Sabem que a cidade da Europa que tem mais muçulmanos é Paris? E há muitos teóricos que dizem que a fronteira com o Islão é em Paris, não acaba na Turquia.) A razão fundamental é uma razão geográfica. Portanto a natureza das coisas é o que é. Que as pessoas tenham condicionantes políticas, eu aceito. Que tenham convergências sobre outras coisas, também aceito. Fazem parte do mundo ocidental? Sim. Mas não fazem parte da Europa.

O outro exemplo, que é bom para se mostrar que a questão de aplica exactamente da mesma forma, é Israel. Eles também pertencem a uma série de associações europeias. Mas não estão na Europa. Portanto quer a Turquia, quer Israel não estão na Europa por isso não devem integrar as instituições europeias.

Volto ao primado da radicalidade da realidade das coisas. É a minha posição. Obrigado. PALMAS

 

Jorge Nuno Sá :

Só vamos ter tempo para mais duas perguntas.

 

Ana Miguel (Grupo Bege)

Bom dia! Queria fazer uma consideração àquilo que o Dr. Matos Correia disse há bocado, quando dizia que todas as questões sobre a Europa são marcadas para a sexta-feira de manhã para votação. E isso assusta-me um bocado por causa disto: cada vez mais falamos em construção europeia, cada vez mais nos aproximamos, cada vez mais transferimos poder e cada vez mais nos afastamos da Europa e da importância que ela pode ter na vida quotidiana.

E eu pergunto o que é que se pode fazer para contrariar isso? Se a classe política devia dar o exemplo, acaba por passar estas questões para segundo plano. Gostaria de saber a opinião dos dois. O que se pode fazer para contrariar isso? Obrigado.

 

Élio Figueiredo (Grupo Encarnado)

Bom dia a todos! Bom dia aos dois palestrantes. Se permitem gostaria de remeter a questão para as disposições finais e transitórias deste projecto de carta constitucional. E tem a ver com a questão da implementação territorial deste projecto dentro da União. E gostava de chamar a atenção dos senhores para a possibilidade da associação da União Europeia a países e territórios ultramarinos. E dentro da própria União, dentro do próprio terreno da Península Ibérica, existe um pequeno território que se chama Gibraltar e que ainda há cerca de dois meses foi alvo de discussão política acesa. A pergunta é rápida e sucinta: será que este âmbito territorial e o facto da possibilidade de regiões autónomas ou territórios ultramarinos fazer parte ou estarem associados à União, pode não ser um elemento de fraqueza em relação à nossa política externa de defesa dos direitos fundamentais? Obrigado

 

Jorge Nuno :

Peço ao Eduardo para ser curto!

 

Eduardo Ribeiro (Grupo Encarnado)

Muito bom dia! Primeiro vou citar uma frase do preâmbulo da Constituição da União Europeia: “a nossa Constituição chama-se democracia porque o poder está nas mãos não de uma minoria mas de um maior número de cidadãos”. Na semana passada, salvo erro, no Jornal de Notícias, saiu uma notícia do Sr. Primeiro-Ministro lançando algumas medidas e uma delas seria o Referendo para a nova constituição da União Europeia. Sabendo que este é um documento com bastantes medidas e até com uma linguagem bastante complexa para muitos jovens a para a maior parte da população portuguesa, qual seria a essência das perguntas referendárias sobre a Constituição da União Europeia (quando temos tantas dificuldades em perceber o que está aqui escrito)? Obrigado.

 

José Matos Correia

Do mais simples para o mais complicado e rapidamente: a questão do âmbito territorial do Tratado não tem nenhuma novidade: são normas que os tratados basicamente sempre disseram. Os tratados comunitários sempre se aplicaram a domínios e territórios ultramarinos. Em grande parte por causa da França: a França sempre teve esse problema e portanto as regras do tratado actual não inovam nisso e penso que não haverá nenhum problema na sua aplicação.

Os Estados europeus têm o cuidado de, quando há problemas desta natureza, evitar que esses problemas se coloquem. E arranjam soluções como é o caso de Gibraltar. É uma questão, como terão reparado, motivou uma acesa discussão entre a Inglaterra e Espanha, mas enfim essas coisas acabam sempre por ser contemporizadas porque o que está em jogo é sempre muito mais do que esses assuntos pontuais e a defesa dos interesses globais dos Estados ultrapassa sempre essas questões muito específicas.

Relativamente à questão da união da Europa. Não é fácil pôr as pessoas a discutir a Europa e não é fácil um pouco por causa daquilo que eu disse sobre discutir a Constituição. Nós vivemos numa sociedade onde as pessoas se preocupam em viver o dia a dia. Não estão viradas paras as questões da Europa, a Comissão, o modelo de integração europeia, etc. O que as pessoas querem são as coisas ligadas ao seu dia a dia. Aí, eu garanto-lhe que as pessoas se preocupam em saber qual é o Regulamento comunitário que lhes dá direito ao subsídio ou qual é a Directiva comunitária sobre rotulagens. Aí preocupam-se porque sobre essas têm a noção clara das consequências para a sua existência. E por isso, é que as pessoas se preocupam muito mais com a Portaria que dá acesso aos fundos quando há incêndios, do que com a Constituição da República. Isso não é um problema especificamente europeu, é um problema da leitura que nós fazemos das questões políticas que nos afectam.

Agora também não me custa admitir que muitas vezes os políticos não põem nestas questões o empenho que deviam porque não lhes dá jeito. Porque é mais fácil discutir a Europa em círculo fechado – uma espécie de “eurocratês” (que há meia dúzia de pessoas em cada partido que domina) - e depois fica tudo contente. É curioso que não há questão que o Governo, seja ele qual for, (nosso ou do PS) fale mais com a oposição do que as questões europeias.

O Eng. Guterres ouvia frequentemente o Dr. Barroso sobre as questões europeias. E não apenas no quadro daquelas audiências que têm lugar antes dos Conselhos Europeus. O Dr. Barroso falava frequentemente com o Eng. Ferro Rodrigues sobre esses temas, porque quem manda tem a noção clara do carácter determinante que as opções europeias têm para Portugal e da importância de um consenso alargado sobre elas.

Agora é curioso que sendo uma das questões que se procuram para a obtenção de consenso entre os decisores políticos, são das que menos preocupam os decisores políticos. Tem muito a ver com o modo como as sociedades estão organizadas, as prioridades das pessoas. Mas eu não tenho a mínima dúvida de que deveria haver uma forma diferente de abordar estas questões.

Quanto à questão do referendo. Nessa matéria eu quero é que haja um referendo, porque já não tenho paciência para a discussão do referendo. Ao menos resolvamos o problema. Ou bem que fazemos o referendo e aprovamos o Tratado ou bem que fazemos o referendo e não aprovamos o Tratado. Sempre que há um Tratado fala-se num referendo. Referendo para ali, para aqui… transforma uma questão instrumental numa questão essencial.

Nós fizemos tudo ao contrário. A decisão essencial que nós tomámos foi a decisão de aderir. Essa não foi referendada. Os noruegueses já assinaram duas vezes o Tratado de Adesão, duas vezes foram a referendo, duas vezes não aderiram. Eu se fosse Primeiro-Ministro da Noruega começaria pelo fim. Gasta-se um tempão a negociar o Tratado e qualquer dia é a União que não quer!

Agora nós nunca referendámos o que deveríamos. Não referendámos a adesão da qual tudo isto decorre; não referendámos a moeda única que é o aspecto mais importante da nossa vida diária - nunca referendámos coisa nenhuma. Depois lembrámo-nos que queríamos referendar Amesterdão (que não tinha quase nada de referendável). E depois inventámos uma pergunta tão complicada “Concorda com a continuação da participação de Portugal na União Europeia no quadro do Tratado (…)” que ninguém percebia. E como ninguém percebia, e como a Constituição impõe regras mínimas para as perguntas, o Tribunal Constitucional chumbou. Resta saber se a pergunta não foi feita de propósito para ser chumbada. (RISOS)

Porque é que nós temos esta dificuldade? Nós temos esta dificuldade porque ao contrário do que acontece noutras ordens constitucionais, o artigo do referendo na nossa Constituição, que é o artigo 115º, estabelece não o referendo de instrumentos jurídicos, mas a colocação de questões políticas concernentes a esses instrumentos jurídicos. Portanto, eu não posso referendar um Tratado como não posso referendar uma Proposta de Lei.

Houve um referendo em Portugal sobre a interrupção voluntária da gravidez, mas não foi a Proposta de Lei que foi referendada. Foi colocada uma pergunta que tinha que ver com a natureza da Proposta de Lei, aliás aprovada na generalidade no Parlamento. Por isso temos este problema, temos que inventar perguntas que podem ser até três, e que sejam caracterizadas pela clareza e pela precisão para que as pessoas entendam.

O problema não é apenas de fazer um referendo, o problema é de chegar a um acordo político quanto ao conteúdo do referendo e plasmá-lo nas perguntas que devem ser feitas aos portugueses. E isto é muito mais complicado do que parece ser à primeira vista. Porque há tantas coisas no Tratado Constitucional, tantas perguntas que podiam ser feitas e é muito difícil formulá-las. Eu espero que desta vez as coisas corram bem. Mas que haja o cuidado de fazer perguntas, e não é fácil, que abarquem o tema do referendo.

Mas um último ponto para terminar. Eu acho que deveria haver referendo, embora me faça muita confusão. O PSD tem uma matéria de princípio em matéria de referendo: até a Constituição é referendável. É uma posição tradicional que vem de Sá Carneiro, que nós continuamos a defender e que na última Revisão Constitucional foi inserida na nossa proposta: a possibilidade de haver referendos em matérias constitucionais. Isso foi chumbado pela oposição. Curiosamente a mesma oposição que chumba os referendos constitucionais é a oposição que anda para aí a clamar que quer o referendo sobre a Constituição Europeia, que abarca assuntos constitucionais.

Portanto, nestas matérias temos que ser claros: ou sim ou não. Agora consoante o que nos dá jeito é que não pode ser. Mas também diria o seguinte: o referendo é um instrumento importante de decisão política dos cidadãos e do chamamento dos cidadãos ao exercício do que só a eles lhe pertence: que é a soberania. Agora, se não houver referendo, nós não podemos, em circunstância alguma, partir daí para a conclusão de que o Governo que negociou a Constituição, a Assembleia que a aprova e o Presidente que a ratifica não têm legitimidade para o fazer. Não é por haver referendo que a decisão do País será mais legítima, porque é tomada pelos representantes eleitos pelo povo democraticamente.

E agora que vou terminar, quero reiterar o gosto que tive de estar aqui convosco, tanto na exposição da manhã como nas respostas que dei às vossas perguntas. Que não vos tenha desiludido. Obrigado.

 

Paulo Teixeira Pinto

Prometo que vou ser mais rápido. Em relação aos territórios ultramarinos vou dar por adquirido o que disse o Dr. José Matos Correia. Em relação à questão da importância da discussão das matérias europeias e do agendamento para sexta-feira, que foi uma questão suscitada, a situação é talvez mais complexa do que parece ser à primeira vista.

Nós estamos numa agenda politica em que o urgente predomina sobre o importante. E o urgente leva-nos a muitas condicionantes na vida. As coisas urgentes passam sempre à frente das importantes e quando a urgência tem uma essência e uma vocação mediática isso não nos faz ter presente muitas vezes que só é notícia aquilo que muda, nunca o que permanece. Mas o que de facto conta na vida são as coisas que permanecem e não as que mudam. E a pressa do que muda (e é notícia ou urgência mediática) raramente coincide com o que é importante. Mas quando não há uma convergência entre o que é importante e o que é urgente penso que o problema está na realidade e não em quem interpreta a realidade.

As pessoas dizem que a culpa é da sociedade, mas é fácil dizer isso porque a sociedade não vai presa. A culpa está em quem tem de representar e falar para a sociedade. Há uma atenuante para isto, é que aquilo que se torna importante aos olhos dos outros e que chama a atenção, normalmente, tem que estar eivado do princípio do contraditório, (ou da polémica). Em Portugal, para muitas coisas, isso é muito positivo – contudo, para esta é negativo. Não há debate porque não há divergência, há um consenso muito alargado nesta matéria e, portanto, entre os dois maiores partidos estão de acordo sempre sobre tudo. Às vezes existe maior pluralidade de opiniões dentre de cada partido do que entre as duas direcções partidárias, como se viu hoje. Isso faz com que tudo esteja decidido à partida. Porquê opinar, contestar?

Em relação ao referendo, sempre fui defensor, quando da adesão, que deveria ter havido referendo. A minha posição é coerente. Quando foi Amesterdão não fazia sentido, mas quando foi Maastrich fazia todo o sentido, nomeadamente pela introdução da moeda única. Porque foi feita uma Revisão Constitucional de propósito. Evidente que a Constituição não permite que se referende tratados, mas quando a Constituição foi alterada para permitir que fosse tudo compatível com o Tratado podia também ser alterada nesta parte. E, a meu ver, deveria ter sido alterada nesta parte porque a pergunta verdadeiramente clara, é: “concorda ou não que se referende o Tratado?” É a única que é clara. Eu devo dizer que penso estar empenhado no referendo, mas depende qual seja o Tratado.

Eu estive muito empenhado nos dois referendos anteriores, em movimentos cívicos. Trabalhei arduamente pelos dois referendos anteriores. Devo dizer que as pessoas não sabiam qual era a pergunta e os resultados foram aqueles porque as pessoas intuíram uma ideia do que estava em causa e votaram independentemente da pergunta. Não foi chegar lá no boletim de voto, no escrutínio secreto da cabine e pensar: “ora deixa lá ver o que diz a pergunta, perante esta sintaxe vou fazer aqui uma análise, ponderar sim ou não, os prós e contras”. Não, as pessoas vão para lá e sabem se vão votar sim ou não em função do que lhes foi traduzido do que estava na pergunta.

Eu não saberia fazer outra pergunta: gostava é que houvesse uma pergunta constitucional. Eu quero que haja referendo e com uma pergunta clara sobre esta matéria. Agradeço a oportunidade de estar aqui convosco.

PALMAS

 

Carlos Coelho

Agradeço ao Dr. Paulo Teixeira Pinto e ao Dr. José Correia a disponibilidade que manifestaram para estar connosco e o debate que nos proporcionaram. Pedia ao Gonçalo Capitão, à Zita e ao Alexandre Picoto para passarem para aqui e nós vamos acompanhar os nossos convidados à saída. Obrigado.