Mensagem Final
   
   
 

 

 

 

 

 

 


Carlos Coelho – Director UV

Quero dar as boas vindas ao Senhor Embaixador António Martins da Cruz que todos conhecem, foi Ministro dos Negócios Estrangeiros, foi a pessoa responsável por abrir uma área (porventura demasiado marcada pelas tradições) aos caminhos da chamada diplomacia económica. Tive a oportunidade e o privilégio de o apreciar nessas funções, mas quando o conheci ele era embaixador na NATO, era o nosso representante máximo junto da Aliança Atlântica. E tive na ocasião o privilégio de beneficiar daquilo que foi a marca de qualidade que o Embaixador Martins da Cruz imprimiu à nossa representação nacional. Nós na NATO temos um espaço próprio, somos um dos países fundadores, mas ganhámos muito prestígio e muita capacidade de influência pela forma notável – e estou a ter cuidado com os adjectivos – com que o Dr. Martins da Cruz exerceu a chefia da nossa representação diplomática em Bruxelas.

O tema que lhe propusemos é um tema da actualidade: Bush contra Kerry, o que é que vai mudar nos Estados Unidos da América e passo-lhe a palavra de imediato para nos dirigir a sua intervenção.

 

Embaixador Martins da Cruz

Muito obrigado Deputado. Carlos Coelho. Muito boa tarde a todos. Queria agradecer muito ao Deputado Carlos Coelho e ao Presidente da JSD terem-me convidado para poder estar aqui e poder partilhar convosco alguns pontos de vista sobre a política externa americana.

Eu quando falo sobre temas que podem não ser fascinantes para toda a gente, tenho sempre o dilema, perdoem-me as senhoras presentes, o dilema do sétimo marido da Zaza Gabor, na noite de núpcias, que disse a um amigo: “I know how to do it, but i don’t know how to make it interesting”. RISOS.

Vou tentar tornar mais interessante a política externa americana nesta altura. Daqui a 2 meses, em Novembro, os americanos vão votar para as eleições presidenciais. Como sabem, as eleições são sempre na 3ª feira a seguir à primeira 2ª feira de Novembro. Se nós pensarmos bem, as eleições para a presidência americana são de facto eleições mundiais, nas quais o mundo, inclusive nós próprios que estamos nesta sala, não podemos votar. Porque estas eleições americanas terão muito mais consequências para a Europa e logo para Portugal – e meço bem as minhas palavras – do que por exemplo as recentes eleições europeias em que nós elegemos os nossos deputados para o Parlamento Europeu. Foram eleições que passaram algo desapercebidas até, na generalidade das opiniões públicas europeias. Daí o número impressionante de abstenções que nós tivemos nessas eleições. Mas estas eleições americanas podem ser muito mais importantes do que essas e nós somos espectadores. Portanto, eu diria, mais do que ser a favor de um ou outro candidato, nós temos é que ser a favor dos Estados Unidos.

Perguntar-me-ão porquê? Eu diria por 3 ordens de razões: estratégicas, políticas e económicas. Com efeito, se pensarmos bem, vamos reflectir durante 2 ou 3 minutos porque é que os Estados Unidos são importantes para a Europa. Se pensarmos bem os Estados Unidos e a Europa partilham os mesmos valores: a paz, a democracia, a liberdade. Não há muitos outros povos no mundo, ou muitos outros continentes no conjunto que partilhem os mesmos valores do que nós. E temos sobretudo, Estados Unidos e Europa, ao longo do século XX, uma rede de interesses partilhados e construídos. Deixem-me dar-lhes alguns exemplos na área económica. A globalização: a globalização é mais rápida entre os Estados Unidos e a Europa do que com outros continentes, embora a Ásia se comece agora a aproximar, sobretudo com o grande avanço da China. Mas entre os Estados Unidos e a Europa a relação é mais rápida, é mais profunda, é mais complexa do que com qualquer outro dos continentes. E por isso nos interessa tentar analisar e descriptar o que é que move a política externa americana.

Deixem-me dar alguns factos económicos para começar. O grosso do investimento directo estrangeiro americano que constitui cerca de metade do total mundial (e é a espinha dorsal da economia americana) vem para a Europa. Entre a Europa e os Estados Unidos há disputas comerciais. O aço, as bananas, os cereais geneticamente modificados: quase todos os dias os jornais dão conta de uma guerra comercial entre os Estados Unidos e a Europa alimentada na OMC – Organização Mundial do Comércio. Ora bem, o comércio constitui apenas 20% das relações económicas transatlânticas e as disputas em causa menos de 1% do comércio, menos de 1% de 20%, embora aos olhos do público sejam importantes. A Europa continua a ser a região do mundo mais importante para as grandes companhias norte-americanas. O investimento europeu nos Estados Unidos cresceu em 2002 para 800 biliões de dólares, que é aliás 25% maior do que o investimento americano na Europa. 60% dos bens americanos no estrangeiro estão na Europa. Só na Alemanha há 300 biliões de dólares em investimentos americanos. É mais do que a América investiu em toda a América Latina. Na última década os Estados Unidos investiram 66 biliões de dólares na Holanda e 34 biliões de dólares no México, que é vizinho dos Estados Unidos – entre legais e clandestinos, há cerca de 12 a 15 milhões de mexicanos a viver nos Estados Unidos. Os Estados Unidos investem o dobro na Holanda do que no México.

Em 2000 as vendas americanas à China totalizaram 32 biliões de dólares, o mesmo que os americanos investiram na Suécia, 1/10 do que têm investido na Alemanha e ¼ daquilo que investiram na França. E são europeus 2/3 dos bens estrangeiros nos Estados Unidos. Há mais investimento europeu no Texas do que há investimento americano no Japão.

Podia continuar com estas estatísticas, mas penso que o meu ponto é claro. A América do Norte e a Europa vivem uma relação que é forte e que é indissociável. Daí que, em vez de nos concentrarmos negativamente nas diferenças, devermos tentar lidar com elas, mas sobretudo construir pontes e encontrar caminhos em conjunto, porque temos muitas coisas em jogo. E nenhumas são mais importantes do que aquelas que emergem para nós do campo da defesa, da segurança e da política externa americana.

Também no plano estratégico e se quiserem no plano da defesa e da segurança, a política externa americana é determinante para a Europa. Por três vezes no século XX os americanos nos salvaram: em 1914-19, quando os ocidentais tinham a guerra perdida, foi graças aos boys americanos que desembarcaram na Europa que nós vencemos a guerra (e digo nós porque, como sabem, Portugal fazia parte da coligação vencedora da 1ª Guerra Mundial); em 1939-45, quando as tropas nazis ocupavam a Europa quase toda, com a única resistência da Inglaterra e a neutralidade de Espanha e Portugal, foi a vinda dos americanos que desequilibrou a guerra a favor dos aliados.

Os americanos, pela 2ª vez no século XX salvaram a Europa. E pela 3ª vez, durante a Guerra Fria que os americanos venceram sem disparar um único tiro contra a União Soviética. Foi a presença de 300 mil soldados americanos na Europa, sobretudo na Alemanha, os mísseis instalados, a supremacia tecnológica e todo o engenho americano durante a Guerra Fria que evitaram que o comunismo soviético ocupasse a Europa. Como muitos europeus que não queriam lutar, eu lembro-me de ver manifestações na Alemanha, no Reino Unido, na Bélgica no final dos anos 60 princípios dos anos 70, em que os pacifistas gritavam: “better red than dead” – é melhor ser vermelho do que estar morto – e apesar de todo esse movimento pacifista, a presença dos Estados Unidos na Europa evitou que fosse disparado um tiro e evitou que a Guerra Fria acabasse com a vitória do Bloco Soviético. Foi aliás durante 40 anos a razão de ser da NATO, porque os americanos fizeram-no com os aliados e continuaram a fazê-lo depois da queda do Muro de Berlim.

Por exemplo, quando foi preciso parar a carnificina nos Balcãs foram os americanos que avançaram primeiro e que forneceram metade dos soldados que foram ocupar a Bósnia-Herzegovina. Como sabem, Portugal nessa altura também enviou forças, foram aliás os primeiros soldados portugueses em teatro de guerra europeu, depois da 1ª Guerra Mundial, foi nos Balcãs, onde nós tivemos, no princípio, um contingente de 1.000 homens e mulheres. Para verem o que é a importância dos Estados Unidos, na 1ª operação dos Balcãs estavam envolvidos cerca de 50 mil soldados e uma força multinacional precisa na guerra moderna de ter comunicações rápidas e fiáveis e observação sobre o inimigo. Como é que isto se faz? Com satélites. Na operação nos Balcãs, nós utilizávamos, nós os Aliados, 20 satélites, 19 eram americanos e 1 era europeu. O satélite europeu dava-nos imagens iguais aquelas que nós vemos todos os dias no telejornal com o boletim meteorológico, ou seja, sem nenhuma capacidade militar activa para as operações em curso.

Lembram-se que em 1999 houve uma crise no Kosovo com os Sérvios a assassinarem maciçamente os Kosovares. Então os Aliados, ou seja, os Estados Unidos, decidiram uma intervenção em Belgrado e houve um bombardeamento da Jugoslávia, uma operação que demorou cerca de 3 meses. 95% dos aviões e dos sistemas por laser que guiam os mísseis atirados dos aviões, são americanos.

Portanto, mesmo as intervenções na Europa, hoje em dia, e nas quais os europeus estão envolvidos, seriam impossíveis com a dimensão e como o sucesso que têm, sem a implicação dos americanos. Por isso é que a NATO e a ligação transatlântica, ou seja a ligação entre a Europa e os Estados Unidos continua a ser para nós essencial. Deixem-me dar-lhes apenas outro exemplo. Os Estados Unidos têm várias esquadras de navios pelo mundo fora. Na Europa, em Nápoles, está a 6ª esquadra. A 6ª esquadra americana tem a maior capacidade de fogo clássico e nuclear que todas as marinhas e força aéreas dos aliados europeus. Neste momento, a NATO tem 27 membros. Os Estados Unidos, só em Nápoles, têm uma capacidade de fogo clássico e nuclear superior às marinhas e às forças aéreas de todos os outros 27 membros. Quer isto dizer que nós não devemos construir a Europa da segurança e defesa? Antes pelo contrário. Eu penso que a Europa tem que prosseguir todos os esforços para que a ideia da entidade europeia de segurança e defesa sejam uma realidade. Mas devemos é fazê-lo com os Estados Unidos e não de forma autónoma. Porque, e para acabar este capítulo, a Europa divide-se fundamentalmente em duas correntes: a corrente transatlântica, na qual estão países como Portugal, seguramente o Reino Unido, a Holanda e outros, que querem uma ligação estreita com os Estados Unidos. Curiosamente, se virem bem, todos estes países do centro e do leste europeu estavam sob a ditadura comunista e que agora são livres, os Bálticos, a Polónia, a Roménia, a Bulgária, a Eslováquia, todos eles aderiram à NATO e todos eles são transatlânticos, todos eles estão com os Estados Unidos, por exemplo, na guerra do Iraque. Por alguma razão é.

E depois temos a outra linha, a chamada linha continental, que é herdeira da tradição gaulista, onde está a França, onde está bizarramente a Alemanha, que não estava, mas passou a estar agora, e que, não é que se oponham aos Estados Unidos abertamente, mas querem que a defesa europeia se organize rapidamente de maneira autónoma. O grande problema aqui é que, enquanto os Estados Unidos dedicam 4% do PIB a despesas militares, os países europeus dedicam entre 1 e 2%. Portugal estava abaixo de 1%, em 2003 conseguiu dedicar mais de 1% do PIB a despesas militares. E mesmo assim com oposição da opinião pública, e provavelmente de muitas das senhoras e dos senhores, sem perceberem porquê. Eu às vezes, quando vejo perguntar qual é a utilidade de Portugal ter submarinos? Bom, é que um País que tem 1 milhão de Km2 de Atlântico, (nós temos a zona económica exclusiva maior da Europa, maior que a Alemanha, maior que a Inglaterra), se não tivermos submarinos para ter efeito dissuasor, anda nessas águas, quem quer. Um país como Portugal que é vulnerável, tem que ter sistemas de defesa próprios e mesmo assim, não vos quero assustar, a defesa de Portugal é impossível com os meios portugueses. Se não vierem cá os Estados Unidos e a NATO ajudar-nos, nós não temos capacidade para nos defender, mas também não tem a Inglaterra, não tem a Alemanha e não tem a França. Também não têm capacidade para se defender, porque não há nenhum país que tenha capacidade, por exemplo, para resistir a ameaças, como aquelas que se prefiguram de países do Médio Oriente em sistemas de mísseis, por exemplo, é essencial nós termos uma aliança com os Estados Unidos que ainda por cima querem continuar empenhados na defesa da Europa.

Vamos à política externa americana mais pura. Durante a Guerra-fria, em que os Estados Unidos e a União Soviética se enfrentavam, os estrategas americanos desenvolveram a teoria do jogo, em que predominava o chamado resultado zero, resultado zero na luta ideológica, estratégica, política e militar entre os Estados Unidos e a Rússia. O que é que isto quer dizer? Segundo este conceito, a competição entre duas super potências ou entre duas pessoas, [aplica-se às pessoas e aplica-se aos países, no domínio, neste caso, da segurança e da defesa], tinha que ter um resultado zero, já que qualquer ganho para uma das partes era uma perca para o outro e isso significava o desequilíbrio das relações estratégicas. E portanto só havia paz se o resultados das relações fosse permanentemente zero, ou seja, se não houvesse um ganho nem para um nem para outro. Isto é uma teoria que os estrategas desenvolveram – não vos vou maçar com isso agora – sobretudo a propósito do equilíbrio das forças nucleares. E por isso é que havia negociações permanentes para reduzir a capacidade de cada uma das duas super potências em armas nucleares e na fase final, em cabeças múltiplas. Porque uma arma nuclear, das modernas, intercontinental, portanto com 8 a 12 mil quilómetros de alcance, pode ter até 20 ogivas nucleares com um grau de precisão inferior a 300 metros, no caso americano. Isto significa que, se não houvesse permanentemente negociações para manter o equilíbrio, o resultado da teoria do jogo não era zero. E o equilíbrio foi possível na Guerra Fria com o zero.

Esta teoria imperou dezenas de anos, até ao Presidente Reagan. Num gesto corajoso e seguramente com base em informações que nós ainda não sabemos, mas que vamos saber daqui a uns anos quando forem disclosed os papéis da Casa Branca, que periodicamente são postos fora, o Presidente Reagan decidiu nos anos 80 acabar com a Guerra Fria. Como? Aproveitando a superioridade técnica dos Estados Unidos, a superioridade tecnológica e lançando um projecto que, nessa altura, e ainda está em execução, se chamou a “Guerra das Estrelas” e que constitui um escudo anti-míssil, ou seja, tornar a América inatingível pelos mísseis de qualquer inimigo. E o problema que se pôs nessa altura e que se põe agora, era o de saber se esse escudo alcança também os Aliados, ou seja, se nós também estamos protegidos nessa bola que não deixa os mísseis inimigos nos atacarem. Porque nessa altura já não há resultado zero no jogo. Não importa os mísseis que tenha a União Soviética ou qualquer outro país, porque nessa altura, se nós estamos protegidos, a quantidade de mísseis que tem o outro está sempre desequilibrado a nosso favor.

Bom, é evidente que não foi só isso que fez implodir o comunismo. Mas não se esqueçam que nessa altura a União Soviética estava a perder a guerra no Afeganistão, visto que os Americanos, pela CIA, a armarem os talibans que anos depois foram lá bombardear. Aliás a armar os talibans com mísseis pershing, os mesmos que davam por exemplo à UNITA nos anos 80 em Angola. O marxismo começava-se a diluir, porque as ilusões duraram 50 anos. Eram bem evidentes na pobreza das populações, quer na União Soviética, quer nos Estados satélites, as dificuldades económicas, a ânsia dos europeus, sobretudo os europeus do Leste em passarem o muro e virem para cá. O Muro e as fronteiras não existiam para nos impedir a nós de irmos para lá, por exemplo, nós podíamos lá ir quando queríamos. O Muro servia para os outros não fugirem. Tudo isto fez com que a União Soviética implodisse. Mas todos o entenderam assim? Provavelmente não. Porque a política externa americana é muitas vezes criticada em todo o mundo e os Estados Unidos são sistematicamente acusados de serem os polícias do mundo e de quererem impor as suas regras e as suas vontades.

Vamos ver durante um minuto ou dois como é que é formulada a política externa americana e o que é que leva, por exemplo, os Estados Unidos a invadir o Iraque ou a anunciar como anunciaram há cerca de 15 dias a redução dos contingentes de soldados americanos que estão baseados na Europa e na Ásia. Em Portugal, como dizia o Unamuno “falo de mim porque sou o exemplo que tenho mais à mão”, em Portugal a política externa consta do Programa do Governo, é aprovada na Assembleia da República pela maioria que dispõe o Governo na Assembleia e é executada pelo Governo. Fundamentalmente pelo Primeiro-Ministro e pela máquina do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Aliás é cada vez mais importante hoje em dia o que os teóricos franceses chamam “a diplomacia do Primeiro-ministro”, porque muitos dos temas de política externa são tratados hoje em dia, pelos primeiro ministros e pelos seus gabinetes nos Conselhos Europeus e portanto, são deixados para os ministérios dos negócios estrangeiros os follow-ups das políticas já delineadas. Isto é um conceito novo, tem 20 anos, as iniciativas em política externa são tomadas pelos chefes de governo, no caso europeu, com duas excepções, a Finlândia e França, em que os Presidentes da República costumam assistir às Cimeiras Europeias.

Nos Estados Unidos o sistema é completamente diferente, já que os Estados Unidos são um regime presidencialista. O Presidente dos Estados Unidos é o Chefe do Executivo e é a origem de toda a legitimidade do Poder Executivo. Se virem a Constituição Americana que é a mais curta e a mais antiga do mundo, por isso, porventura a mais bem elaborada, porque funciona. A Constituição Americana não fala nem do Governo, nem de Gabinete. O governo é um conceito que não existia quando os americanos fizeram a Constituição e hoje em dia é de tal forma que o Governo Americano não é responsável perante o Congresso. É responsável perante o Presidente dos Estados Unidos. O Ministro dos Negócios Estrangeiros em Portugal ou noutro país europeu têm que ir ao Parlamento, às Comissões falar e justificar a acção do Governo, nos Estados Unidos não vai. Nos Estados Unidos ele vai perante o Presidente. E depois é o Presidente que vai ao Congresso ou delega em quem quiser. Mas nos Estados Unidos o Governo só é responsável perante o Presidente. Portanto, este traça a política externa e executa-a. Mas tem que ter em conta a importância do Congresso e sobretudo do Senado, os chamados Foreign Affairs Committees. Porquê? Num país como os Estados Unidos em que a política externa está intimamente associada à defesa e à segurança, a aprovação dos orçamentos, que é o exclusivo do Congresso, é importantíssima em termos de política externa. Assim como é importante em termos de política externa. O Congresso aprova os Embaixadores – por exemplo, Portugal nomeia, o Governo propõe, no caso português, ao Presidente da República a nomeação do senhor ou da senhora fulano tal, Embaixadora de Portugal na Turquia; o Presidente da República assina o decreto, o Primeiro Ministro e o Ministro dos Negócios Estrangeiros contra-assinam o decreto, é publicado, esse senhor, ou essa senhora é nomeado embaixador.

Nos Estados Unidos não é assim. O Presidente sugere um embaixador ou uma embaixadora, que vai ao Congresso e passa por uma sessão de perguntas e respostas. Se o Congresso não gostar da pessoa ou das respostas, a pessoa não é nomeada embaixador. Portanto, o Congresso toca também na política externa. E toca muitas vezes, pela negativa. Não nomeando. Com os tratados acontece o mesmo. Não se esqueçam que uma das causas da 2ª Guerra Mundial foi o falhanço da Sociedade das Nações que foi criada no Tratado de Versalhes de 1919, que acabou com a 1ª Guerra Mundial. O Presidente Americano veio para Versalhes, negociou, os Estados Unidos assinaram o Tratado, o Presidente chegou aos Estados Unidos, o Congresso olhou para o papel e diz: Nós não ratificamos. E a América ficou fora da Sociedade das Nações. E essa foi uma das razões que levou à 2ª Guerra Mundial. Portanto, o Congresso, apesar dos poderes do Presidente, tem muito poder em política externa. E tem poder também na chamada “Comunidade de Inteligência”, ou seja, o que os jornais gostam mais de tratar pelo nome de Serviços Secretos. No caso americano, quer durante a Guerra Fria, quer sobretudo hoje que são a única super potência, a Comunidade dos Serviços Secretos é importantíssima na formulação da política externa. Quando falarmos do Iraque – mais daqui a bocadinho – a Comunidade dos Serviços Secretos falhou e por isso induziu em erro os decisores americanos e europeus.

Outro fenómeno importantíssimo em política externa nos Estados Unidos: os lobbies. Quer os lobbies das indústrias privadas, e designadamente as chamadas indústrias de equipamento de defesa, quer os lobbies estrangeiros. Dois exemplos. Um pela negativa. Uma polémica que existe em Espanha agora é o facto de o anterior Governo espanhol ter contratado uma empresa de lobby a quem pagou 2 milhões de dólares, cuja única acção positiva foi ter conseguido uma condecoração para o Presidente Aznar, chamada uma Condecoração do Congresso. E a oposição, que agora está no Governo, não deixa de bater. Aqui está um exemplo negativo e temos que reconhecer que é negativa de utilização de um lobby. Um exemplo positivo: os judeus. Os judeus têm o lobby mais bem organizado que existe nos Estados Unidos. Eu tive uma vez ocasião de o estudar, há muitos anos, quando era Assessor Diplomático do Primeiro-Ministro Cavaco Silva, para ver como é que podíamos fazer, como é que podíamos inspirar-nos naquele modelo. Há 12 mil associações judaicas nos Estados Unidos que estão filiadas numa associação a nível nacional em Washington. Cada uma destas 12 mil associações tem os seus filiados que são de origem étnica judaica e cuja principal função é escrever aos congressistas e aos senadores a defender um dado ponto de vista ou a indicação que eles recebem sobre os problemas judeus. Por exemplo, os Estados Unidos vão votar no Congresso uma linha de crédito para compra de armas para fornecer a Israel. Os Estados Unidos fornecem a Israel 8 biliões de dólares de equipamentos de defesa por ano. E 12 biliões de dólares no conjunto em ajuda militar e civil. Portanto, imaginem o que são 12 mil associações: se tiverem 100 cada uma é um milhão e duzentos mil americanos, porventura mais, porque há 4 milhões de judeus nos Estados Unidos, que escrevem aos senadores do seu Estado a dizer: “Meu caro Senador amanhã é debatido no Congresso esta linha de crédito a Israel, eu espero que o seu voto seja favorável, senão eu não voto em si nas próximas eleições”. Agora imaginem o que é o congressista que recebe 200 mil cartas a dizer isto. Pensa duas vezes antes de votar. Isto chama-se um lobby. É legal, é preciso fazê-lo e é preciso saber fazê-lo. E eles sabem-no fazer muito bem.

Nos Estados Unidos alternam no poder dois partidos. Os Republicanos e os Democratas. Eu penso que não são partidos no sentido nosso europeu, não têm linhas ideológicas bem definidas. São mais máquinas eleitorais, ou máquinas partidárias, têm sensibilidades próprias em política externa, como também há em Portugal entre os dois maiores partidos, mas no fundo não têm divergências em política externa. Ou não havia recentemente, até ao caso do Iraque. Por razões que eu pessoalmente ainda não percebi, metade do PS, (não foi o PS todo), resolveu assumir outra posição, provavelmente pela deriva, talvez um bocadinho esquerdista, que o PS até aqui há pouco tempo estava a assumir. Mas o problema é deles, não é nosso, não temos que nos preocupar com isso. Ou melhor, temos que nos preocupar com isso, porque temos de seguir atentamente, mas enfim, estamos só a constatar. Agora o Partido Democrata: se tomarmos o exemplo do último presidente democrata, Bill Clinton, constatamos que fez uma política externa moderada, mas interveniente, com uma percepção exclusivamente americana das realidades, sobretudo das novas realidades, o final da Guerra Fria, a Globalização, o Intervencionismo, embora os Democratas por tradição defendam o isolacionismo americano mais do que os Republicanos. Clinton não hesitou em enviar 25 mil soldados para a Bósnia, em bombardear a Jugoslávia por causa do Kosovo, sem o aval do Conselho de Segurança. Exactamente a mesma coisa que fez o Presidente Bush no Iraque. Não tendo obtido o aval do Conselho de Segurança, o senhor Clinton, ou seja, os Democratas, resolveram bombardear a Jugoslávia, com o apoio do Governo Guterres nessa altura que enviou os nossos F-16 a bombardear a Jugoslávia. Como não tinha o último tipo de equipamentos, agora já têm, só fizeram missões de patrulha aérea. Por isso é surpreendente como é que o Partido Socialista tem cara para vir para o Parlamento dizer que o Governo anterior, o Governo do Dr. Durão Barroso, não devia ter tomado a posição que tomou, na questão do Iraque, quando eles fizeram exactamente a mesma coisa no caso do Kosovo. Talvez por isso, metade do Partido Socialista, o Dr. Jaime Gama e outras pessoas responsáveis em política externa na área socialista estiveram calados, ou seja, não apoiaram a Direcção do Partido nessa altura.

Voltando aos Democratas. Na América Latina, Clinton enviou tropas para o Haiti, em 1995, portanto interveio na própria América Latina, para pôr fim à ditadura do Haiti. Mas depois houve outra ditadura, como sabem, que caiu há poucos meses, mas foi incapaz de melhorar as relações com o México e endureceu o embargo a Cuba. Em África, os Estados Unidos governados por Democratas não manifestaram nenhum interesse específico, nem intervieram. Por exemplo, ignoraram Angola. Privilegiaram a África do Sul nas suas relações. Ao contrário do que faz agora a Administração Bush, já vamos a ver, que privilegia as suas relações com Angola. Ainda hoje, vem nos jornais, vai haver manobras militares da CPLP em Angola e os Estados Unidos vão ser observadores.

No plano estratégico, Clinton estabeleceu um novo diálogo com a Rússia. Propôs o alargamento da NATO, manteve as operações de exclusão aérea no Iraque, como sabem depois da 1ª guerra do Iraque entre os paralelos ao norte e ao sul de Bagdad a força aérea iraquiana não podia voar e havia cerca de 300 aviões americanos a fiscalizar o norte e o sul ordenados pelo senhor Clinton. Na parte das forças armadas propôs uma redução, mais profissionalismo, melhor equipadas, ou seja, todos os equipamentos de defesa, os robôs, os aviões sem piloto, os novos tipos de carros de combate que os não especialistas chamam tanques – estou a usar a expressão americana – que agora o senhor Bush utilizou para invadir o Iraque. Tudo foi comprado pelo Presidente Clinton. A decisão foi tomada durante a Administração Clinton, porque o equipamento de defesa entre a aprovação e a eficácia em terreno de combate, demora normalmente cinco anos de média.

Foi porém, em relação aos Balcãs e ao Médio Oriente que os Democratas se mostraram mais activos. Nos Balcãs forçaram os europeus a acompanharem a sua acção.

No Médio Oriente: o Médio Oriente é muito importante para os americanos por causa do voto judeu nos Estados Unidos – que já falei – e os 4 milhões que votam. 80% dos judeus nos Estados Unidos votam Democrata. 80% votam Democrata, portanto o Presidente Clinton forçou Israel a sentar-se à mesa em Camp David e esteve-se pela primeira vez à beira da paz no Médio Oriente. E curiosamente quem não quis a paz, desta vez, não foi Israel. Foi o senhor Arafat. Para não perder o seu estatuto, ainda hoje tem terror de perder o seu estatuto. Por isso é que infelizmente a Palestina não é uma democracia, embora seja melhor do que outros países árabes e por causa do estatuto de Jerusalém. O estatuto de Jerusalém é muito complicado, porque é uma vila santa para todos, para nós católicos, para os judeus, para os ortodoxos, para os muçulmanos. O Vaticano quer um estatuto internacional com o qual nem Israel nem os árabes estão de acordo, por causa disso não houve a paz. Mas estiveram quase. É um activo na política externa dos Democratas.

Os Republicanos. Tradicionalmente os Republicanos intervêm mais em política externa e exigem ao Congresso aumentos nos orçamentos de defesa, para equipar as forças armadas. Foi o que fez o Reagan e é o que está agora a fazer o Presidente Bush. O Bush está a conduzir uma política externa adequada às circunstâncias, que é mais activa na promoção dos valores dos Estados Unidos a nível mundial, com particular incidência nas questões económicas. Activou a NAFTA, que é uma espécie de zona de comércio livre, entre o Canadá, os Estados Unidos e o México. E aproveitou a eleição do presidente Fox, no México. Pela primeira vez o PRI, Partido Revolucionário Institucional não teve a maioria e portanto tem um presidente novo, e Bush melhorou as relações com o México, que é importante, mas manteve o embargo a Cuba. Recebeu o Presidente Lula em Washington – e apesar do Presidente Lula ser oriundo de um partido de inspiração marxista, estabeleceu com Lula muito boas relações. O Presidente Lula é uma pessoa pragmática e que está também a dar um impulso às relações com Portugal, ainda hoje o nosso Primeiro-Ministro está lá a tratar das nossas relações.

O Bush enfrentou a crise na Venezuela com o senhor Chavez, mas não enfrentou sozinho, chamou Portugal, a Espanha, o Canadá, a Organização dos Estados Americanos, cria o chamado “Grupo de Amigos da Venezuela”, que conseguiram

(UM MINUTO INAUDÍVEL NA GRAVAÇÃO)

No percurso para a paz, há um quarteto formado pelos Estados Unidos, a UE, a Rússia e a ONU. Se começamos a falar do Médio Oriente leva-nos longe, mas o problema não é, infelizmente, solúvel a pouco tempo. No entanto, para o Presidente Bush, mas sobretudo para os americanos, a grande alteração do posicionamento no Mundo acontece com o 11 de Setembro. Não se esqueçam que os Estados Unidos (continente) nunca tinham sido atacados do exterior desde a guerra da Independência com a Inglaterra. Só tinham sido atacados uma vez no Hawai pelos Japoneses em 1942, em Pearl Harbour.

Desde 1942 que não havia um ataque aos Estados Unidos, que ainda por cima são agora a única superpotência no mundo. E isso fez com que os Estados Unidos tomassem várias posições. Será que era diferente se os democratas estivessem no poder? Duvido. Por exemplo, a intervenção americana no Afeganistão, em 2002, para destruir a Al-Qaeda e tentar apanhar o Bin Laden, foi aprovada no Congresso pelos Democratas, que aceitaram que a primeira prioridade dos Estados Unidos fosse a luta contra o terrorismo. Aliás, a invasão do Iraque, (diga o senhor Kerry o que disser agora em campanha eleitoral), foi aprovada no Congresso pelos democratas e pelo Senador John Kerry em pessoa, que votou a favor da intervenção.

Enfim, como está 3 pontos abaixo nas sondagens, tem que tentar ganhar eleitorado: ontem ele disse num comício que esta guerra estava errada, no momento errado e no local errado. Simplesmente ele não teve essa percepção há um ano, porque votou a favor da intervenção no Iraque. Portanto, se os democratas estivessem no poder no 11 de Setembro, a reacção teria sido diferente? Ninguém pode fazer futurologia, mas muito provavelmente, pelo que sabemos, não teria sido diferente. Porventura os democratas não teriam definido o eixo do mal. É uma coisa típica dos neo-conservadores americanos. É uma convicção republicana. Mas vamos ver no que deu o eixo do mal, (eram o Iraque, o Irão, a Líbia e a Coreia do Norte). Os Estados Unidos invadiram o Iraque e puseram fim à ditadura do senhor Saddam Hussein. O senhor Kadafi, uns meses depois, aceitou pagar as indemnizações das vítimas de Lockerby e do atentado provocado pelos serviços secretos líbios ao avião francês da UTA. Pagou as indemnizações. Os americanos, os ingleses, os franceses, nós próprios já estamos a comprar coisas na Líbia, normalizou as relações e é um senhor que se senta à mesa connosco. Eu próprio tive ocasião de me sentar, não à mesa, mas no chão, numa tenda no deserto com ele. (RISOS)

O Irão estava fechado há vários anos, aceitou pela primeira vez a inspecção dos senhores da Agência Internacional de Energia Atómica, que vão ver se estão a fabricar plutónio ou urânio pesado nas suas centrais nucleares.

E a Coreia do Norte sentou–se à mesa com os americanos em Pequim, para começar a negociar os níveis e as limitações do seu armamento nuclear. Portanto, quando os jornais dizem: “estes tipos são uns loucos e uns místicos a definir o eixo do mal” (eu também jamais chamaria a um país o eixo do mal), mas o que é facto - e a política externa tem que se procurar ser uma ciência exacta - é que deu resultados. E resultados a curto prazo. E todos os países do eixo do mal estão a comportar-se muito melhor do que antes. Por outro lado, não deixa de ser significativo que com o senhor Bush – não quer dizer que eu defenda isto – mas, em comparação com os democratas, o orçamento de defesa dos Estados Unidos é hoje de 399 biliões de dólares. E isto é impressionante se compararmos com o orçamento russo, que era há poucos anos a outra superpotência, que é de 65 biliões, ou seja, 6 vezes menos.

Hoje, sem guerra fria, em paz, os Estados Unidos gastam 6 vezes mais em defesa que a Federação Russa. E, além disso, uma parte deste orçamento é aplicado a tratar das armas nucleares russas. Porque, os técnicos russos vieram trabalhar para Portugal, para o Irão, para onde lhes pagam. Ao princípio vinham trabalhar por mil dólares por mês.

Os russos, hoje em dia, infelizmente para eles e para todos nós, não tem gente qualificada para lhes tratar do arsenal nuclear. Uma arma nuclear dura 10 a 12 anos. Ao fim disso tem de ser desmontada. Mas nos 10 anos tem que ser tratada, por causa dos ácidos, óleos, motores, vectores de projecção. E são os americanos que estão a tratar disso. Em acordo com os russos e a pagar, porque os russos não têm dinheiro para tratar da generalidade do seu orçamento nuclear. Não quer dizer que eles não tratem daquele que eles consideram importante. Os republicanos defendem os chamados preventivestrikes, ou seja, os ataques para pôr fim a situações que se podem tornar más para eles. Duvido que os democratas, ou o Presidente Clinton, ou Kerry (se ganhar), defendam esta teoria desta maneira. Ou fá-lo-ão sem lhe chamar preventive strike. Farão aquilo que fez o senhor Clinton em relação ao Kosovo e vai bombardear a Jugoslávia.

Eu acho que o choque do 11 de Setembro e a necessidade de lutar contra o terrorismo foi de tal maneira importante que os EUA teriam reagido da mesma maneira fosse qual fosse a administração que lá estivesse. Não se esqueçam que o senhor Bin Laden privatizou o terrorismo. O terrorismo, dantes, era aplicado com finalidades políticas, por um grupo ideológico dentro de um país, a ETA por exemplo, ou o IRA. Podemos não estar de acordo com eles, e não estamos, mas eles existem. O senhor Bin Laden e a Al-Qaeda não. Primeiro porque não têm fronteiras, atacam onde for preciso. Atacaram em Madrid, nos EUA, Indonésia, Marraquexe. E depois a finalidade não é política nem religiosa.

Aliás, como sabem, uma das grandes dificuldades da ONU, (e fecho o parêntesis para não me alongar), é que não há uma definição de terrorismo. As Nações Unidas foram incapazes, até agora, de conseguir uma definição de terrorismo.

Os democratas teriam atacado o Iraque, tal como o fez Bush? Não sei, mas de qualquer forma, apoiaram-no: Kerry apoiou expressamente a intervenção no Iraque. No século XIX, quando a Inglaterra era uma potência mundial, houve um ministro dos Negócios Estrangeiros inglês, Lord Palmerston que disse o seguinte: “A Grâ-Bretanha não tem amigos nem inimigos permanentes, tem interesses”. Portugal, sofreu 2 vezes as consequências disto. Primeiro, para o Governo português fazer o que eles queriam, mandaram a esquadra para o Tejo. Em 1908 o problema do Ultimato. E Portugal não teve outro remédio, com a esquadra inglesa entre Almada e o Barreiro. (RISOS)

 

Em segundo lugar, quando, nos anos 30, 36, 37, para aplacar o senhor Hitler, os ingleses, e hoje já se sabe, fizeram negociações secretas com os alemães, para darem aos alemães o sul de Angola, o norte de Moçambique, Cabo Verde, sem dizerem nada a Portugal. Eles não têm amigos nem inimigos permanentes. Têm interesses. Com o final da guerra-fria, os Estados Unidos assumiram-se como a única super-potência e têm cada vez mais interesses. Mas, diferente dos ingleses do século XIX, têm aliados. Portugal é um aliado dos Estados Unidos. Eles têm uma posição hegemónica para preservar e consideram, quer democratas quer republicanos, que os Estados Unidos têm obrigações a nível mundial. E para isso mantêm a supremacia através de uma preponderância militar que, em princípio deve ser instrumentalizada através das Nações Unidas, e quando não é possível, como aconteceu no Kosovo com os democratas, e no Iraque com os republicanos, eles utilizam-na unilateralmente procurando nunca ir sozinhos. Fazem sempre uma coligação político-militar para os acompanhar. O Presidente dos EUA anunciou, há três semanas, que iria retirar 100 mil soldados da Europa e da Ásia. Talvez não tenham ideia, eles têm neste momento 370 mil soldados em 120 países. Há 202 países no mundo, pelo menos, 202 Países Membros das Nações Unidas. Em 120 há 370 mil soldados americanos. Onde? 140 mil no Iraque, 20 mil no Afeganistão, 30 mil no Kuweit, 75 mil na Alemanha, 40 mil no Japão, 32 mil na Coreia do Sul. Mais as famílias, mais o que isto implica de poder de compra destes soldados. Estas reduções incidirão na Alemanha e na Ásia. Para onde é que eles vão? É curioso ver. Os Estados Unidos têm 75 mil soldados na Alemanha. Tiram-nos e para onde é que os mandam? Para a Polónia, Hungria, Roménia, Ásia Central, Uzbequistão, Quirguistão. Se eu fosse um estratega russo, começava-me a preocupar com o cerco à Rússia que os Estados Unidos estão a fazer. Porque estão a ir para os antigos aliados da União Soviética, parte dos quais já meteram na NATO, e que já são membros da União Europeia, deslocam as bases militares que têm na Europa para esses países.

Como não sou russo não me preocupo muito mas temos que seguir esta tendência e saber o que é que isto quer dizer. Seria diferente se fossem democratas? Acho que não. O primeiro a anunciar a redução dos soldados foi o senhor Clinton, mas definiu também outro princípio militar que o Presidente Bush já confirmou, que é o seguinte: os Estados Unidos têm que ter permanentemente um nível de forças armadas que lhes permita duas acções militares da amplitude daquela do Iraque. Portanto, têm que ter forças armadas que lhes permitam manter dois combates a nível mundial. Que é, aliás, se virem bem, o grande problema dos Estados Unidos durante a II Guerra Mundial. Em que combatia com o Japão no Pacífico e na Ásia e com a Alemanha na Europa. É exactamente a mesma coisa com menos soldados, com melhor equipamento, com mais mísseis e com aviões que já não levam pilotos. Aviões sem pilotos que infelizmente os israelitas utilizam para matar palestinos.

Como sabem, uma parte boa dos palestinos que são mortos, são-no pelos aviões sem pilotos que atiram mísseis. Que os americanos também usaram para liquidar alguns membros da Al-Qaeda aqui há um ano no Iémen do Norte.

O caso do Iraque, embora longe de estar terminado, é um bom exemplo para estudar a política externa americana. Vamos ver só três princípios: Primeiro, o unilateralismo. Os americanos foram acusados pelos comentadores políticos, e muito pela esquerda por essa Europa fora, de ter imposto a sua vontade sem recurso às vias multilaterais, ou seja, sem recurso à ONU. Não é verdade!

Durante seis meses, (Portugal é bem testemunha disso, porque participámos nesse esforço), os EUA tentaram todos os dias nas Nações Unidas, com membros permanentes e membros não permanentes obter consensos. Foi a intransigência da França, (que arrastou a Alemanha e a Rússia) que o impediu.

Como a França e a Rússia têm direito de veto, ou seja, são membros permanentes do Conselho de Segurança, a Resolução não passava. Mas isto que fez o Presidente Bush foi exactamente a mesma coisa que fez o Presidente Clinton, democrata, com o caso do Kosovo. Como sabiam que a Rússia ia vetar no Conselho de Segurança os bombardeamentos da Jugoslávia, fizeram uma coligação para ir bombardear a Jugoslávia. Como fez agora Bush para ir atacar as armas de destruição massiva (ADM) do Iraque.

O principal motivo invocado pelo Presidente americano para a invasão do Iraque era a existência de ADM, que podiam ser usadas por Saddam ou pela Al-Qaeda em Terrorismo. E afinal ninguém encontrou essas armas nos arsenais do Iraque. Recordemos só dois factos. Primeiro: até à véspera da invasão do Iraque os inspectores das Nações Unidas, sobretudo o sueco que aparecia todos os dias nos telejornais, o senhor Hans Blix, nunca disse que não havia ADM no Iraque. O que ele disse sempre foi: dêem-me mais tempo, mais um ou dois meses para eu as descobrir. Nunca ninguém disse que elas não existiam. A começar pelas Nações Unidas. Segundo, o senhor Saddam e os responsáveis políticos do Iraque nunca vieram à televisão, à CNN, por exemplo, dizer: eu não tenho armas de destruição massiva. Antes pelo contrário. Mesmo que não as tivessem, como agora se parece provar, nunca disseram que não as tinham, porque julgavam que isso era um elemento de dissuasão para impedirem os ataques contra o Iraque. Como e quando é que nós embarcámos todos nisto? (incluindo Portugal). Os serviços de inteligência, ou seja, os serviços secretos enganaram-se. Não os serviços secretos portugueses, porque não temos grande capacidade de actuar no exterior. Sobretudo desde que o ministro socialista deu à imprensa e aos Deputados a lista com os telemóveis dos agentes secretos portugueses. (RISOS)

Foi o professor Veiga Simão, aqui há uns anos. Nós rimo-nos todos mas isto exige anos e anos para reconstruir, coisa que nós estamos a fazer agora. Este Governo está a reconstruir, o que é muito difícil. Mas enfim, nós também não tínhamos capacidade para ir ver. Mas os que tinham diziam-nos, e nos governos circulavam informações sobre isso. O senhor Colin Powell (não está aqui a imprensa nacional) garantiu-me: há armas de destruição massiva. E quem sou eu, ou o governo português, para dizer: estes gajos não têm razão.

Ele próprio já veio penitenciar-se. E o Presidente Bush veio dizer que se enganou, que as informações eram inexactas. Agora, o problema que se põe é este: e se o Presidente fosse democrata? Não acreditava nos relatórios da CIA? Ou da National Security Agency? Eu acho que se fosse democrata, o erro era o mesmo. Porque ninguém se tinha atrevido até agora a duvidar das informações da comunidade de inteligência dos EUA. Eles dizem que foram enganados pelos trânsfugas do Iraque. Vai ser um debate complicado.

Última questão a propósito do Iraque que foi muito falada. A divisão dos europeus. Os EUA foram acusados de dividir os europeus. Ou seja, houve uns países, entre os quais Portugal, que assinaram a Carta dos Oito a apoiar os Estados Unidos. Os europeus ficaram divididos. Bom, foi exactamente a mesma coisa que fez o senhor Clinton quando em 1999 mandou bombardear a Jugoslávia. Os europeus dividiram-se. Uma parte esteve de acordo, outra parte não esteve. E depois, nós que apoiámos os Estados Unidos, não ficámos isolados. Pelo contrário. Mais de metade dos países da União Europeia estavam e estão a favor dos EUA e têm tropas no Iraque. Entre os 25 ou 26 países que têm forças no Iraque estão mais de metade dos países da UE. Se aplicarmos a Matemática, quem está isolado é a França e a Alemanha. Que aliás, é bom recordá-lo, ainda no outro dia ouvi o General Loureiro dos Santos, que é neutro nestas coisas, porque normalmente ataca o Governo, dizer que a França e a Alemanha também não consultaram ninguém, ou seja, não consultaram os aliados, (Portugal e os outros), quando disseram: nós vamos ser contra os Estados Unidos. Ninguém consultou ninguém. Toda a gente fez aquilo que tinha que fazer. Mas houve aqui, se pensarmos bem, duas mudanças que foram significativas: A Espanha, que normalmente é um país europeu contra os Estados Unidos, e que tem, aliás, uma grande política árabe, com o Governo Aznar colou-se aos Estados Unidos e separou-se da França e Alemanha. Agora com o senhor Zapatero regressou à posição anterior. E a Alemanha, que é normalmente um país pró-americano, que tem 75 mil soldados, que deve o facto de ser País aos soldados americanos que lá estiveram a aguentar a pressão soviética, desta vez separou-se dos EUA e colou-se à França. Será que o posicionamento da Espanha e da França teria sido diferente com um governo democrata? Duvido. A divisão política americana não entrou em linha de conta no raciocínio dos países europeus.

Já agora, antes que o perguntem, eu digo: porque é que Portugal apoiou os Estados Unidos, no Iraque? Eu acho que nós apoiámos, (e vou dizê-lo pela primeira vez, nunca disse isto em público), pelo menos, por três razões: Em primeiro lugar, e esta é conhecida - o próprio primeiro ministro Durão Barroso a disse no Parlamento - se houver um diferendo entre um aliado nosso, que é uma democracia, e uma ditadura como a do senhor Saddam, nós estamos do lado dos nossos aliados contra as ditaduras.

Segunda razão: os Estados Unidos são essenciais para a nossa defesa. Nós temos profundidade estratégica atlântica. Portugal, tal como tinha que ter como aliado a Inglaterra no século XIX, tem que ter como aliado os EUA no século XX e XXI. Porque nós temos que ser aliados do País que domina o Atlântico. Nós temos os Açores e a Madeira. Temos um milhão de Km2. O que nos distingue da Bélgica ou da Holanda, como países europeus, é a nossa profundidade atlântica. É o facto de Portugal ser uma placa giratória para o Atlântico Norte, para o Atlântico Sul, para a África. É isso que faz, desde o século XV até agora, a diferença de Portugal. Se pensarem bem, é por isso que nós somos independentes.

A terceira razão, foi a Espanha. Se a Espanha não tem tomado a atitude que tomou, de apoio claro aos Estados Unidos, Portugal podia ter tido, e tivemos, várias nuances e sensibilidades, em relação à parte espanhola. Nós nunca mandámos 2.000 soldados para o Iraque, como fez o senhor Aznar. Simplesmente tenham que ter em atenção o seguinte: Nós não podíamos deixar que os Estados Unidos privilegiassem um interlocutor na Península Ibérica. Não podíamos. Nem podemos. E mal vai o Governo Português que um dia o faça: prejudicaria gravemente os interesses nacionais.

Nós não podemos deixar que haja outros interlocutores mais privilegiados que nós na Península Ibérica. Sobretudo se esses não têm a profundidade atlântica que nós temos. Então, o que é que diriam os 600 mil portugueses que vivem nos Estados Unidos? Para só falarmos das nossas comunidades.

Estas foram as verdadeiras razões. Mas são muito difíceis de explicar. Porque isto não é uma matéria fácil para os comentadores políticos, que gostam é de falar de outras coisas, os que escrevem, e tal. Infelizmente a política externa não se faz na ribalta. Tem que se ter em conta permanentemente, os interesses nacionais.

Aqui há um mês, e para acabar, o senhor Kerry na convenção democrata, disse que não envolveria os Estados Unidos numa guerra enganada. Hoje disse uma guerra errada. Bom, mas em 2003 esteve a favor, votou no congresso a favor da guerra.

Quanto ao futuro, se virmos bem, independentemente de os EUA estarem em campanha eleitoral (sobretudo separados por dois pontos), a política externa passa a ser uma arma de arremesso eleitoral.

E uma coisa é o que se diz em campanha, outra coisa é o que se faz na prática. Não se pode dizer isto muito alto, mas, enfim. Se virmos bem, as propostas democratas não diferem muito das propostas do Presidente Bush. Uma coisa que o senhor Kerry já disse: eu mantenho os soldados americanos no Iraque mais 4 anos. Já não é mau. Não os tira como o senhor Zapatero. Bom, 4 anos, mas daqui a dois, (se ganhar as eleições), pode dizer: bom, as circunstâncias alteraram-se, aquilo que os juristas conhecem bem como a cláusula rebus sic stantibus, alterando-se as circunstâncias, não podemos ficar só 4 anos, temos que ficar mais 3, mais 5 ou 6. Bom, mas diz que mantém os soldados no Iraque.

Em segundo lugar, o senhor Kerry diz que é preciso apoiar o governo provisório do Iraque. Exactamente a mesma coisa que faz a administração Bush. É preciso garantir a segurança do Iraque e da região. Exactamente o que faz o presidente Bush. É preciso procurar um maior envolvimento internacional, militar e económico. É o que procura o Presidente Bush. Eu li uma entrevista do presidente do partido democrata americano que dizia o seguinte: se nós ganharmos as eleições, os europeus vêem para o Iraque. Bom, tomemos o caso da Alemanha, Schröeder perde eleições todos os fins-de-semana. Não há fim-de-semana nenhum que não haja um Estado que não vá para o CDU. Então, o senhor Schröeder, que vai ter eleições para o ano, está com a corda na garganta, acham que chamaria as forças armadas para o Iraque? Não vai nem um soldado! Mesmo que o Kerry seja presidente. Foi o senhor Chirac que pagou (quando era primeiro-ministro) a central nuclear iraquiana. Que os israelitas foram lá bombardear quando ela estava pronta. Primeiro deixaram-na construir, e depois foram lá bombardeá-la. (RISOS)

Eu não estou a ver o senhor Chirac a pôr um único soldado francês no Iraque seja presidente o Bush ou o Kerry. Porque a França tem outro desenho para o Médio Oriente. Imaginem uma patrulha francesa em Bassorá atacada por extremistas islâmicos. Os franceses disparavam? Com 5 milhões de muçulmanos em França? Com o problema dos véus nas escolas? Com as eleições que vão ter? O governo francês perdeu as eleições todas até agora. As eleições regionais, municipais, europeias. E agora, que vai ter eleições daqui a dois anos, ia expor-se a uma situação em que soldados franceses matassem muçulmanos? Mesmo em legítima defesa? Eu creio que, se o senhor Kerry for eleito, não vai ter a sorte de ter franceses nem alemães como forças no Iraque. Podem mandar para lá um contingente simbólico para treinar um novo exército. Agora, 140 mil soldados como têm os americanos?

Permitam-me que duvide. Eu acho que o novo mapa exterior americano, e nisto temos que pensar todos, passa pelo envolvimento de forças militares em todas as situações em que possam estar em causa os interesses americanos. Sejam eles relacionados com o petróleo, com as novas tecnologias, ou com o terrorismo. Isto que eu disse é terrível, mas é o que os americanos fazem. Sejam eles republicanos ou democratas. Porque republicanos e democratas concordam nos objectivos dos Estados Unidos serem a única super-potência do mundo. Os métodos podem ser diferentes, mas o recurso ao uso da força nunca é excluído, como o senhor Clinton não o excluiu na Bósnia e Kosovo.

É por isso que a Europa, sobretudo Portugal, devem procurar manter um vínculo atlântico e ter credibilidade na relação com os EUA. Porque se nós não tivermos credibilidade não temos uma voz de igualdade. E só uma voz de igualdade é que nos permite ter opinião, já que não podemos ter opinião nas eleições dos Estados Unidos. Sabem quem era o Mark Twain? Mark Twain famoso explorador, escritor, jornalista, americano, um dia estava na Europa, princípios do século XIX, e recebeu de Filadélfia um jornal que dizia “Morreu na Europa o senhor Mark Twain”. Ele leu aquilo e disse o seguinte: Esta notícia está ligeiramente exagerada. Eu só espero não ter exagerado muito na minha descrição da política externa americana. (RISOS). Obrigado. (PALMAS)

 

Jorge Nuno de Sá – Presidente da JSD

Muito obrigado, Senhor Embaixador. A primeira pergunta é para o Grupo castanho, com o Orlando Marrocano.

 

Orlando Marrocano

Muito boa tarde. Do ponto de vista de uma pessoa tão conhecedora das relações internacionais, penso que a pergunta mais óbvia que neste momento se poderá pôr, será: qual é o candidato à presidência dos Estados Unidos que mais beneficie Portugal? Quais serão as implicações políticas que cada candidato colocará ao País. Qual o candidato mais amigo dos portugueses.

 

Jorge Nuno Sá

Grupo Azul, Rita Lopes, que tem a particularidade de querer ser diplomata.

 

Rita Ferreira Lopes

Senhor Embaixador, em nome do grupo Azul, eu gostaria de perguntar se depois da falha de segurança, no 11 de Setembro e depois da NSA ter afirmado que exagerou quanto à existência de armas de destruição massiva no Iraque, até que ponto a credibilidade americana não será abalada. Obrigada.

 

Martins da Cruz

Muito obrigado. As perguntas nunca são difíceis. As respostas é que são. (RISOS) Primeiro, Grupo Castanho. Qual é o melhor candidato para Portugal? A comunidade portuguesa nos Estados Unidos está fundamentalmente na Califórnia, cerca de 200 mil, e na East Coast, cerca de 400 mil, desde Boston até Newark. Normalmente a comunidade portuguesa vota mais democrata do que republicano. Sobretudo na East Cost em que está mais organizada.

Eu penso que nós não devemos ter preferências. Devemos é querer ter boas relações com os Estados Unidos e não com o candidato A ou B. Eu organizei sete visitas do Professor Cavaco Silva aos Estados Unidos. Com três presidentes: Ronald Reagan, o Bush (pai) e Clinton. Para discutir tudo. Desde a construção europeia, à nova NATO, etc.

Os portugueses lá, ao fim de cinco anos, logo que podem, pedem a nacionalidade americana. Porque isso facilita-lhes a vida, e é normal. E nós não temos nada a opor. Pelo contrário. Quando eu tinha responsabilidades políticas, era a favor que os portugueses nos EUA, em França, na Alemanha, etc, se integrassem cada vez mais nos países e participassem na vida política. Sejam candidatos. Sejam eleitos como portugueses e tenham duas nacionalidades. O nosso coração tem tamanho para duas nacionalidades. Eu vi portugueses a chorar quando entravam na Casa Branca, para uma recepção com o Prof. Cavaco. Porque a Casa Branca, para eles, é como para nós, católicos, ir ao Vaticano. É um símbolo. O único presidente americano que teve sensibilidade para isso foi o presidente Clinton.

Também assisti a entendimentos entre Portugal e os EUA, por exemplo, para a renovação da Base Aérea nos Açores, ou para fornecimento dos primeiros F-16 que Portugal teve, e que ainda voam, foi através do presidente Reagan e prosseguido por Bush pai.

Estou a dar-lhe exemplos de, quer num caso quer no outro, nós temos é que saber viver com o presidente americano. Ou seja, não nos devemos envolver. Portugal não tem que ter preferências sobre este ou sobre aquele.

Depois, ao contrário do que muita imprensa diz, as sensibilidades em política externa e interna não são replicáveis aos sistemas europeus. É evidente que o Partido Republicano, normalmente, está mais perto dos grandes grupos económicos. Mas se virmos bem a imprensa dos últimos 15 dias, três semanas, houve cerca de 130 presidentes de companhias cotadas na Wall Street, que apoiaram Bush anteriormente e agora apoiam Kerry.

As situações são permeáveis. Mesmo no interior dos Estados Unidos. O presidente Kerry tem a vantagem de ser casado com uma senhora de origem portuguesa. Nasceu em Moçambique, na altura em que Moçambique era Portugal e não sei se conserva a nacionalidade portuguesa. Mas isso não é um factor determinante.

Eu já pouco me espanto com o que leio nos jornais, (RISOS) mas este Verão havia um jornal, já não sei qual era, que punha uma pergunta às pessoas: o que é que prefere, ter o presidente da comissão europeia português ou ter uma portuguesa casada com o presidente dos Estados Unidos? (RISOS)

Bom, a pergunta é do mais analfabeto e primário que eu tenho visto. O que é que tem a ver uma coisa com a outra? Às vezes até pode não ser uma vantagem. Porque às vezes o facto do presidente americano ser casado com uma mulher de origem portuguesa pode não o levar a privilegiar Portugal, para não ser acusado.

Olhe, no chamado Estado Novo, ou seja, o regime anterior à democracia em Portugal, houve um grande ministro dos negócios estrangeiros, que foi o embaixador Franco Nogueira. Mesmo que se não estivesse de acordo, como eu próprio não estou, com as ideias que ele tinha, há que reconhecer que as defendeu com profissionalismo extraordinário. Ele era casado, (e ainda é viva a senhora, que eu conheço muito bem), com uma senhora de origem chinesa, a D. Vera Franco Nogueira, que ele conheceu quando foi cônsul no Japão, a seguir à guerra. E havia um homem de extrema direita (imaginem o que seria a extrema direita na altura do Salazar), chamado Manuel Anselmo, que tinha uns cadernos. E, porque Portugal tinha feito uma abertura em relação à China, devido a Macau, ele escreveu que a “política externa portuguesa passa pela cama do Ministro” (RISOS). Bom, apesar dele ser de extrema direita, a PIDE foi lá a emendou-lhe a mão. Bem, eu não gostava que dissessem isso se o senhor Kerry fosse eleito. (RISOS)

Eu penso que nós temos que viver com os dois. Pessoalmente não tenho preferência nenhuma. Sei que a comunidade portuguesa nos EUA é mais sensível geralmente aos presidentes democratas.

Na postura americana dos interesses de Portugal, a Nato, o Atlântico, a Base Aérea nos Açores, as relações com a África, sobretudo com Angola, eu creio que não haverá grandes diferenças se ganhar um ou outro.

Vão ter sensibilidades diferentes. Mas veja, o senhor Clinton, que eu considero que fez uma excelente política externa, e foi um grande presidente dos Estados Unidos, nunca foi sensível ao problema de Angola. E o senhor Bush já é. E Angola é hoje um parceiro privilegiado dos Estados Unidos. O Presidente José Eduardo dos Santos fez há pouco tempo a primeira visita oficial aos EUA.

Portanto eu acho que temos que saber aproveitar o bom que têm, sejam eles qual forem. O que nós temos que ter é capacidade de interlocução em Washington. Aliás, foi isso que a esquerda portuguesa nunca perdoou ao Dr. Durão Barroso que, na linha do Prof. Cavaco Silva, tinha capacidade de interlocução em Washington. É isso que nós temos que ter. Seja qual for o primeiro-ministro português, e estou seguro que o actual primeiro-ministro também terá capacidade de intervenção e de interlocução.

Nós temos que ser um reliable ally, temos que ter credibilidade na nossa relação com os Estados Unidos. Se assim for, devo dizer-lhe, tanto faz ser um como ser o outro. Porque ambos são seguramente pessoas responsáveis, preparadas para o lugar, e com equipas que os ajudam. O que nós temos que ter, também, e infelizmente ainda não temos, é um lobby mais ou menos estruturado nos Estados Unidos. Mas enfim, estamos sempre a trabalhar nisso, temos em Washington um dos melhores embaixadores que Portugal tem, que eu penso que está a organizar bem esse lobby, temos que saber aproveitar as comunidades portuguesas, mas temos primeiro que os convencer a candidatarem-se. Só há um congressista com sangue português. Uma portuguesa dos Açores que emigrou para os EUA, casou com um Sioux e tem um filho que é o Chefe Cavalo Cansado, que é senador. Porém ele representa é os índios. Mas é o único que tem sangue português. E temos senadores locais na Califórnia. Mas a grande autoridade é o xerife de Newark. É óptimo, porreiro para os portugueses, não pagam multas e tal (RISOS)

Mas é pouco. Há que convencer os portugueses. E eu fazia-o. Sempre que estava com as comunidades portugueses dizia, os senhores candidatem-se. Entrem na vida política, porque é a única maneira. Até os gregos já tiveram um Vice-presidente da República. Foi Vice-presidente do Lyndon Johnson.

Grupo Azul. O 11 de Setembro foi uma surpresa para os próprios americanos. Eu ainda não li o relatório do 11 de Setembro. O relatório do Congresso. Espero estar nos Estados Unidos para a semana, queria-o comprar lá. Para o ler. Mas li resumos na imprensa internacional, sobretudo no Herald Tribune. O que é que falhou aqui? Falharam a troca de informações entre as diversas agências de segurança e a comunidade dos serviços secretos. Porque o FBI não dizia o que sabia à CIA, a CIA não dizia ao NSA… pareciam portugueses (RISOS).

Cada um guardava a sua capelinha sem dizer nada ao outro. Isso também levou ao falhanço das ADM’s. Eu penso, infelizmente, que isto não é um problema americano. É um problema de todo o mundo. Porque nós, como não temos capacidade de gastar biliões e biliões de dólares em sistemas de informação, quer electrónicos, quer humanos, temos que confiar naquilo que os aliados, sobretudo os Estados Unidos, nos transmitem. E penso que eles vão tentar reorientar tudo isto. É sempre muito difícil, sobretudo no caso do terrorismo. Porque, o terrorismo hoje em dia é uma ameaça global. E tem que ter uma resposta global. Não podem ser só os EUA a responder.

Veja o que aconteceu em Espanha. Ou na Indonésia, ou em Marraquexe, ou nos atentados que tem havido. A privatização do terrorismo. E este terrorismo difuso que existe agora, não tem fronteiras e não tem objectivos que sejam imediatamente perceptíveis pelos decisores políticos nem pelos homens que andam no terreno à procura de informações. E portanto, só temos dois caminhos: aumentar a colaboração internacional nos assuntos de justiça, nos assuntos de troca de informações, e evitar uma coisa (eu no outro dia fiquei arrepiado quando li uma declaração de um político europeu que dizia o seguinte: nos últimos anos os atentados terroristas são todos muçulmanos). Bem, primeiro não é verdade. Que eu saiba a ETA não é muçulmana, nem os homens do IRA. E depois, mesmo que fosse verdade, não se deve dizer.

Sobretudo um país como Portugal, que é um país de tolerância de valores, um país habituado ao interface de culturas, de civilizações, de etnias, de tudo. Com a nossa história, com a nossa tolerância, nós nunca devemos permitir que se acuse um grupo religioso. Até porque não é por serem muçulmanos que são terroristas. Eu percebo que não deve ser fácil para um palestino viver na faixa de Gaza. Ou nos territórios ocupados. E não sei o que é que eu faria se fosse palestino e vivesse lá. Honestamente não sei. Agora, sei a responsabilidade que temos, que é procurar todos tentar encontrar soluções. Aliás, (penso que o digo aqui pela primeira vez), uma das razões por que Portugal é a favor da adesão da Turquia à União Europeia é para demonstrar que a UE não é um projecto branco e cristão. Não é. Tem que ser um projecto de tolerância. Um projecto universal, Tem que ser um projecto que junte os europeus e não que os separe. A França agora opõe-se. Quando se puser o problema da adesão da Turquia nós, Portugal, temos que tomar a iniciativa de propor um balanço estratégico no Mediterrâneo e arranjar um estatuto especial para Marrocos.

Nós esquecemo-nos muitas vezes que temos dois vizinhos. A Espanha e Marrocos. Tudo aquilo que desestabilize Marrocos pode ser muito mau para Portugal. Porque é desestabilizar a única parte do Mediterrâneo que é nossa vizinha e onde nós temos alguma palavra a dizer. Os falhanços nos EUA foram graves. Só há uma maneira de os evitar para o futuro: uma colaboração internacional cada vez maior nestes domínios da troca de informações. Mas são domínios difíceis pelo seguinte: são domínios difíceis, primeiro porque os políticos têm sempre imensa apetência em receberem as informações que as outras pessoas não têm. E não gostam de partilhar essas informações.

É verdade ou não é? Agora, a colaboração internacional é a única solução. E devo dizer uma coisa: a nível europeu, honra seja feita ao Comissário Vitorino. O Comissário Vitorino fez um excelente trabalho. O Dr. Carlos Coelho é testemunha muito melhor do que eu, porque viveu lá ao lado dele, e o Parlamento Europeu interfere muito, e bem, nesses assuntos.

Ele lançou as bases para uma dinâmica que é a única que pode evitar o 11 de Setembro em Nova Iorque e o 11 de Março em Madrid, que foi a meu ver tão terrível como o 11 de Setembro. Uma coisa terrível, a afectar o nosso país vizinho. Se fosse na estação de Santa Apolónia? Imaginou o terror que era? A colaboração internacional. Nenhum país, nem os Estados Unidos tem força, como se provou, para ir sozinho, e para detectar sozinho, para ter os early warnings, para detectar sozinho o perigo antes de ele acontecer.

 

Jorge Nuno Sá

Muito bem. A terceira pergunta calha ao Grupo Cinzento. Diana Fernandes.

 

Diana Fernandes

Boa tarde, senhor embaixador. Queria desde já agradecer a sua presença. O grupo quer colocar uma questão que não foi muito focada: a questão económica e não geo-estratégica. Tem a ver com a reserva federal. Aquela dor de cabeça para a Europa que tem tanta implicação. Existe agora uma possibilidade de reverem as taxas de juro. Quais são as implicações de tudo isto, nomeadamente para a Europa e Portugal, e quais serão as diferenças consoante um governo republicano ou democrata, nas relações económicas que nos afectam muito. Obrigadíssima.

 

Jorge Nuno Sá

Muito bem. E para a quarta questão, é o Grupo Rosa, é o João Marques.

 

João Marques

Boa tarde., caro embaixador Martins da Cruz. A pergunta do Grupo Rosa é a seguinte: como sabe, ontem foi declarada a milésima baixa norte-americana no conflito do Iraque. Por outro lado, sabemos que tal situação pode ser considerada, estatisticamente, uma nova guerra. Neste contexto, como encarar a posição unilateral norte-americana face ao Iraque e quais serão as opções em política externa duma eventual administração democrata? Muito obrigado.

 

Martins da Cruz

Muito bem. Grupo Cinzento. A fixação das taxas de juro nos Estados Unidos pela reserva federal (FED), como disse e bem, é da exclusiva competência do FED e do seu presidente. E o Presidente do FED, que foi escolhido para este lugar pelo presidente Ronald Reagan, há 17 anos (atravessou todas as administrações - nisso todos são unânimes em reconhecê-lo, é de uma total independência) sofre pressões da presidência, muito provavelmente do Treasury, (o departamento americano que é mais do que as nossas finanças).

Porque também, dada a posição do dólar como moeda mundial, tem alguma importância para os negócios da economia mundial. Mas o senhor Greenspan tem independência. Ou seja, não é sujeito a pressões quer governamentais, quer dos grandes grupos económicos.

A taxa americana de juro está neste momento em 1,25%, um bocadinho mais que a europeia. Que também não é fixada pelas administrações nacionais dos 12 países que estão no Euro, mas pelo Banco Central Europeu. É uma taxa de juro excepcionalmente baixa, quer nos EUA quer na Europa. Ou seja, há 50 anos que não havia taxas de juro tão baixas. O que significa que isto é um ciclo que vai recomeçar. E muito provavelmente as taxas de juro vão ter que subir.

É evidente que os economistas, e sobretudo, os responsáveis pelos assuntos monetários fazem o possível, para que o jogo das taxas de juro não aqueça nem arrefeça demasiado a economia. E ligam-na a outros factores. E no caso dos EUA, ao facto do dólar ser uma moeda mundial, ligam-na à importância do comércio externo, e sobretudo à importância dos fluxos financeiros que se cifram em mais de mil biliões de dólares por dia, que andam nos mercados financeiros internacionais. Entre os mercados nacionais e as off-shores.

Portanto, é tudo isso que eles têm que ter em consideração. Mas o dólar é também uma moeda americana. Portanto, o chamado factor doméstico é muito importante, embora não seja o indicador económico mais importante para os EUA. Nem sequer, segundo me dizem, os indicadores económicos mais importantes para os EUA são o desemprego, obviamente, e o housing, a construção. Nós, europeus, muitas vezes, nascemos, crescemos e vivemos na mesma cidade. Os americanos mudam de cidade e de Estado várias vezes ao longo da vida. Daí a importância do housing para a saúde da economia.

Simplesmente, acho que o senhor Greenspan, se continuar, não será muito sensível a promessas eleitorais. Não será muito sensível. Até porque como não foi ele que as fez, está isento. Os governos, os candidatos podem dizer: se eu for eleito, vou propor que... Vai propor e depois o FED decidirá. E eu penso que isso é bom para todos. Ou seja, haver uma autoridade que esteja acima da conjuntura política, mas que seja ao mesmo tempo controlada pelo Congresso. Que é o caso do FED. Portanto, não creio que haja grandes alterações.

Quanto às nossas relações económicas com os Estados Unidos. Elas são, infelizmente, insignificantes. Como sabe, 86% do comércio externo português é com a UE. Desses 86%, 40%, 37% são com a Espanha, que é o nosso primeiro mercado. Nós importamos de Espanha 38% do total das nossas importações com a União Europeia. Ou seja, cada vez que o senhor ou eu vamos a um supermercado e gastamos 100 Euros, 38 Euros estatisticamente são de produtos espanhóis. E nós muitas vezes não temos a consciência disso. O nosso comércio com os Estados Unidos é insignificante. Primeiro, é muito difícil exportar bens alimentares para os Estados Unidos. A regulamentação para a exportação de bens alimentares é muito difícil hoje em dia.

E segundo, os EUA são um mercado difícil. É um mercado onde têm algum sucesso vinhos portugueses, e cortiça para fins industriais, mas os outros produtos que nós fabricamos, os têxteis, os calçados, são fabricados no Oriente, a preço mais baixo.

Talvez por causa disso as fábricas de calçado portuguesas estão-se a deslocalizar para o Laos, para o Vietname e para o Cambodja. Há fábricas no Norte que estão a abrir unidades de produção no Cambodja, para exportar para os EUA porque exportar daqui era muito caro.

De modo que o nosso comércio com os Estados Unidos, infelizmente, é reduzido e eu não vejo que ele vá mudar. Porque cada vez mais, como Portugal está cada vez mais integrado neste espaço único que é a União Europeia, com a moeda única europeia, ainda por cima fortemente castigada em relação ao dólares nos últimos dois ou três anos, É muito difícil aumentar o nosso comércio com eles. Se bem que seja uma boa altura para exportar para lá porque o dólar está barato em relação ao euro.

Quanto à pergunta do Grupo Rosa, eu penso já ter respondido à vossa questão naquilo que disse, mas, de qualquer modo, honestamente eu penso, para além das declarações da campanha eleitoral, não haverá grandes diferenças em relação à administração Bush se o senhor Kerry ganhar. É evidente que se for eleito vai ter que fazer alguma coisa. E essa coisa que vai fazer pode-se exprimir em termos políticos, em termos económicos, em termos militares na relação do Iraque.

Ele ontem anunciou que retirava os soldados americanos ao fim de quatro anos. Eu acho uma afirmação temerária, porque ele não sabe como vai estar a situação política daqui a um ano, ou daqui a dois, ou daqui a três. E imagine que as coisas se complicam no Médio Oriente para Israel… Sendo a administração democrata muito mais dependente do voto judeu do que a administração republicana, é também mais sensível às pressões do governo de Israel.

Porque, sejamos honestos: e entre nós que ninguém nos ouve, o que está a acontecer no Iraque era a melhor coisa que podia acontecer a Israel. Tem 140 mil soldados americanos na zona. E tem a focalização política e militar numa região ao lado. Hoje em dia os sírios não estão preocupados com Israel, estão preocupados é com o Iraque.

O grande problema dos Estados Unidos na região, para além do Iraque, é a estabilidade do regime saudita. A Arábia Saudita, que tem as maiores reservas de petróleo do mundo, não exporta mais para os Estados Unidos porque os Estados Unidos o decidiram; foi uma decisão tomada depois da crise do petróleo de 73, nunca importam mais de 20% da mesma região. Mas a Arábia saudita fornece os Estados Unidos e os aliados dos Estados Unidos. E são a maior reserva de petróleo mundial. Simplesmente são um regime complicado. É o menos que se pode dizer da Arábia Saudita.

É um regime teocrático. Não como os Ayatolas no Islão, mas baseado nos guardiães dos lugares sagrados que são a família real. É um lugar onde as senhoras não podem guiar automóvel. É proibido. Nem as estrangeiras. Eu quando tive que nomear um embaixador para a Arábia Saudita telefonei à mulher, que aliás conhecia muito bem, porque ele foi meu número dois na NATO, a pedir-lhe desculpa, ia mandar para um país onde ela não podia guiar automóvel. E onde não podia beber vinho.

É um regime onde não há democracia. A Al-Qaeda é um típico produto saudita. O senhor Bin Laden é saudita e multimilionário, aliás. Ou pelo menos a família era. O grande drama dos Estados Unidos é que se cai o regime saudita, caem os regimes do golfo, portanto, os amigos dos Estados Unidos ali na região. E, se o senhor Kerry for eleito Presidente da República tem que graduar a sua presença no Iraque, como fez por exemplo o pai deste presidente, que atacou o Iraque, mandou retirar as tropas e não o ocupou ao fim de 72 horas, ao contrário do que fez este presidente. Tudo isto tem que ser graduado em função da credibilidade dos Estados Unidos e em função dos interesses dos Estados Unidos na região. Não é só no Iraque, é na região. Temos que ver como é que evolui o governo provisório do Iraque.

Neste momento no Iraque há uma luta entre o poder civil e o poder religioso. Por isso é que a mesquita, o túmulo do genro do profeta, esteve ocupado por aquele ayatola, e há um debate em curso no Iraque. E que não é fácil. Como não vai ser fácil resolver o problema dos curdos.

Eu não sei, e suponho que nenhuma das senhoras e dos senhores sabe, o que é que os americanos prometeram aos curdos. Mas algo lhes terão prometido para os curdos os terem ajudado na guerra. Foram os curdos que descobriram onde estava escondido o Saddam. Todos estes factores de política interna, externa, e económicos (o Iraque tem as segundas maiores reservas de petróleo da região), têm que ser sopesados pelo novo presidente americano, Bush ou Kerry.

Porque o senhor Bush se for reeleito não vai fazer a mesma política que fez até agora. Ele próprio já disse que reconhecia os erros que cometeu. Só prova que não é uma pessoa tão pouco inteligente como alguma imprensa quer fazer crer. As opções de uma possível administração americana vão ter estas variáveis todas em consideração.

Os Estados Unidos estão de tal maneira empenhados que a credibilidade deles está em risco se não houver um way-out com sucesso do Iraque.

Nas operações militares, como as operações políticas, como as operações económicas, deve-se saber entrar mas deve-se saber sair. Quando os Estados Unidos decidirem sair, provavelmente vai demorar algum tempo. Uns largos meses ou um ano ou dois, a saírem. Mas têm que ter em consideração quais são os interesses estratégicos na região e, e a evolução do chamado “Caso do Médio Oriente”. Qual é a postura de Israel no meio disto tudo. (UM MINUTO INAUDÍVEL NA GRAVAÇÃO)

 

Pedro Ferreira (Grupo Amarelo)

O candidato Kerry referiu que caso ganhasse, retiraria as tropas do Iraque no prazo de 4 anos. Actualmente face à instabilidade existente no Iraque até que ponto essa seria uma medida exequível?

Finalmente, referiu que não tinha preferência por nenhum dos candidatos, mas caso pudesse votar em quem votava? (RISOS)

 

Jorge Nuno Sá

Esta é outra daquelas perguntas fáceis de fazer (RISOS). A sexta questão é para o grupo laranja é a Joana White.

 

Joana White

A pergunta do grupo laranja é a seguinte. Tendo em vista a situação política actual dos Estados Unidos, como por exemplo os raptos, os 1.000 soldados mortos e o défice orçamental de 445 milhões de dólares, o que queríamos saber é o seguinte:

Será que os ideais defendidos ao longo da campanha não serão influenciados pelos interesses económicos e militares instalados nos Estados Unidos?

No fundo o que queremos saber é se a agenda política dos Estados Unidos é marcada pelo Presidente ou pelos lobbies instalados. Obrigada. (PALMAS)

 

Martins da Cruz

A primeira pergunta acho que já elaborei alguma coisa sobre a exequibilidade da proposta de Kerry de tirar os soldados nos próximos quatro anos. Honestamente não sei se é exequível. É uma proposta tipicamente eleitoral. Não li os comentadores americanos mas, amanhã, o Herald Tribune já deve estar a republicar os editoriais do Washington Post e do New York Times e vão dizer que isto são propostas eleitorais.

Até porque um candidato presidencial nos EUA, desde o momento em que é candidato, tem direito a um briefing diário quer dos serviços secretos, quer do Pentágono. O Senhor Kerry não está “em branco” como nós estamos nesta sala: ele tem acesso a informações que mesmo o público americano não tem. Os americanos têm um sistema de trabalho político em que existe um staff próprio (os conselheiros do candidato), que é quem escreve os discursos.

Por isso é que os comentadores diziam que aquilo que foi dito na Convenção Democrática em Boston era o que pensavam os delegados à Convenção mas não era o pensava o staff do Senhor Kerry. O staff dele é mais clássico, sendo constituído por Professores do MIT, Harvard ou de Georgetown que são especialistas em relações internacionais. Aliás, como são todos: a Condoleezza Rice é professora em Boston, os National Securities Adviser, que ajudam o Presidente na parte internacional, são geralmente da comunidade universitária.

Creio que o Senhor Kerry vai ter o problema, se for eleito, de cumprir aquilo que disse. Ele está separado de Bush por 2 pontos e já avançou de tal maneira em relação ao Iraque e existe uma campanha na televisão que descredibilizou a postura dele na guerra do Vietname, que vai ter que fazer alguma coisa.

Os estrategas dele estão a lutar por eleitorado em 11 Estados. Da East Coast à Middle Coast a diferença oscila entre os 12% e os 2%. A CNN dava ontem 2% de diferença e depois da Convenção Republicana em Nova Iorque a diferença era de 12 pontos.

Para ganhar esse eleitorado vão ter que incidir sobre aquilo que dói aos americanos. E o que dói aos americanos é parte social, a healthcare e o Iraque.

Para a Administração Bush são devastadoras as fotografias dos caixões dos “boys” a chegar. Eu acho que é sempre terrível fazer estatísticas com a vida humana. Morreram 900 soldados americanos no Iraque, é menos do que aqueles que morrem em Portugal durante cinco meses em desastres nas estradas. Num ano e tal morreram no Iraque menos do que morrem em Portugal em cinco meses, provocado por acidentes de viação.

A vida humana não tem preço, mas a estatística é o que é. O que é devastador para a administração Bush não são os 900, são as fotografias dos caixões. Por isso havia uma polémica sobre se as fotografias deveriam ser dadas todas duma vez ou apenas uma parte. Mas isso é um assunto para os estrategas políticos. Eles é que sabem.

O Senhor Kerry se for eleito tem de fazer alguma coisa, mas não pode mudar os dados do problema, nem os dados militares estratégicos, económicos e políticos. Pode tentar internacionalizar mais a questão do Iraque mas o seu apoiante será sempre o Senhor Blair - não estou a ver, pelas razões que disse, a Alemanha e a França a enviarem tropas significativas para o Iraque.

Mas tenta internacionalizar na política económica e não ao nível da segurança. O que é preciso é dar segurança ao Iraque enquanto as estruturas políticas e religiosas locais não estruturarem um “modus vivendi”, que actualmente não há - ainda nem foi eleito um Parlamento provisório.

Tudo isto são elementos que ele vai ter em consideração. Vai fazer alguma coisa, sim. Vai ter de tomar algum gesto dadas as promessas que fez. A procissão ainda vai no adro. O que irá fazer, não sei: tem parâmetros estratégicos, políticos, económicos, militares, etc, e terá de jogar num deles. Vai ter atenção à situação no Médio Oriente. Vai ter atenção à evolução internacional, se a Al Qaeda faz mais algum atentado.

Suponha que há um atentado nas vésperas das eleições, como em Espanha. Em Espanha o atentado beneficiou a oposição, que veio a ganhar as eleições. Tudo o que tenho lido até diz que se houver um atentado nos Estados Unidos da América nas vésperas das eleições isso irá favorecer o Presidente Bush. Isto é uma coisa terrível!

Já viram isto? Darmos a um grupo terrorista o poder de escolher o Presidente mais poderoso do Mundo?

Como é terrível o que aconteceu em Espanha. Noutro dia li um artigo americano que dizia o seguinte: o grande beneficiário do atentando do 11 de Março em Espanha, foi a França porque o atentando mudou o governo espanhol. A Espanha juntou-se ao eixo franco-alemão, e deu de novo massa crítica à Europa em volta da França, que a França não tinha.

É uma interpretação, mas tem algum fundo de verdade. O terrível é nós darmos a um grupo de terroristas o direito de decidir as eleições de um país.

Em quem eu votava, honestamente não sei. Não sou americano. Tenho alguma simpatia com o Presidente Bush. Falei com ele algumas vezes. Para mim o melhor Presidente americano em política externa foi Clinton, que era democrata... espero que nunca digam isto aos americanos.

Não sei, provavelmente vou seguir os debates na televisão para decidir. (RISOS).

Quanto à pergunta dos interesses económicos na agenda americana. A agenda política americana é traçada por uma teia de interesses políticos e económicos dos Estados Unidos. O Presidente marca o tom, imprime as dinâmicas. Os grupos económicos têm um poder enorme, seja na administração republicana, seja na democrata, disso ninguém tem dúvida, porque os Estados Unidos são o paradigma do liberalismo. Os grupos económicos têm importância.

E isto está também na mentalidade dos americanos. Veja-se o exemplo de dois países vizinhos completamente diferentes: os EUA e o Canadá. O Canadá vive por causa dos Estados Unidos da América. 80 % da população canadiana vive numa faixa de proximidade com a América: Montreal e Vancouver ficam a 40 a 50 quilómetros da fronteira e são 80 % da população.

O Canadá teve uma evolução política completamente diferente dos Estados Unidos. É um país muito parecido com os Estados nórdicos. No Canadá, a ética e moral é muito mais rigorosa que os Estados Unidos.

Os Estados Unidos é o país de conquista. O “winner”, o que ganha, é o herói. Nos Estados Unidos é quase pecado não se ser milionário. É um país do liberalismo, normalmente os republicanos são mais sensíveis aos lobbies dos grandes grupos económicos, viu-se isso agora com a administração Bush em relação às petrolíferas do Alasca. O partido democrata é mais apoiado pelos sindicatos, embora os sindicatos não tenham muita força nos Estados Unidos. A que tem mais força é a AFLCIO – grandecentral sindical – que começou com os camionistas nos anos 30, 40 e 50 e tiveram muito poder por causa dos transportes de mercadorias naquele enorme país.

Mas isto não quer dizer que o presidente americano não tenha a sua agenda política e de ter o grande poder de impor os “timings”. É a Administração do Presidente que traça as prioridades.

Mas as eleições são muito dispendiosas e embora tenha havido alteração na lei do financiamento das eleições americanas (veja-se o novo artigo que permite que grupos de 35 cidadãos possam financiar uma campanha, como foi o caso do ataque televisivo contra a participação de Kerry no Vietname), os grupos económicos vão sempre influenciar os candidatos.

Ou seja, os candidatos vão sempre ser permeáveis ao que os grupos económicos disserem. Por uma razão, na era moderna estes grupos passam a influenciar a nível mundial. Um exemplo concreto é a empresa “Boeing”: é porventura a maior empresa de aviação no Mundo, mas a parte civil está a perder em relação à Airbus, embora a Boeing tenha também aviões militares. Qualquer presidente americano seja ele qual for, irá influenciar países como a China, Angola, Taiwan, para que comprem aviões Boeing e a diplomacia americana fá-lo com todo o descaramento.

Eu próprio encontrei-me com responsáveis políticos americanos que à terceira pergunta quiseram saber porque é que Portugal estava a comprar à Airbus. Como vêm fazem-no com o maior dos descaramentos, como nós o devíamos fazer também. Tentei implementar uma diplomacia económica no nosso País.

É muito difícil aos presidentes fugir das agendas dos grandes grupos económicos. Uma IBM, uma Microsoft têm um peso global que não pode ser esquecido pela política externa americana.

De qualquer modo, o partido republicano é o mais sensível à pressão dos grandes grupos económicos.

 

Jorge Nuno Sá

A sétima pergunta é para o grupo verde – João Bettencourt.

 

João Bettencourt

Obrigado. Boa tarde Senhor Embaixador.

Como disse, não tem preferência por nenhum dos candidatos à Presidência dos Estados Unidos. No entanto, pareceu-nos ouvir mais detalhadamente sobre as políticas de Bush.

Isso quer dizer que não vê méritos na candidatura de Kerry? Conseguirá a dupla Kerry/Edwards minorar ou mesmo acabar com os complexos problemas no Médio Oriente através da sua proposta de uma América mais independente do petróleo?

Sabendo, no entanto, que Bush também tem essa preocupação, mas não a tem demonstrado muito.

Obrigado.

 

Jorge Nuno Sá

A oitava pergunta é para o grupo bege e é a Vera que a faz.

 

Vera Barracho

Boa tarde senhor Embaixador e obrigada pela sua introdução à política externa norte-americana. A nossa questão vai de encontro à questão anterior. Num cenário hipotético de vitória do Partido Democrata quais seriam as medidas e políticas possíveis na intervenção do conflito israelo-árabe? Seriam essas medidas positivas para a melhoria da imagem internacional dos Estados Unidos da América?

E para Portugal como será? Portugal teve o exemplo da Cimeira das Lajes, nos Açores: seria a nossa imagem prejudicada a nível internacional? Obrigada.

 

Martins da Cruz

Obrigada.

Respondo primeiro o Grupo Verde e tentarei misturar o tema com a pergunta do grupo bege.

Eu não tenho honestamente nenhuma preferência por nenhum dos candidatos. Já o disse e torno a dizer: se nós soubermos fazer, (que este Governo saberá fazê-lo), uma política externa adequada, qualquer dos candidatos é bom para Portugal.

Podemos ter até preferências pessoais, mas eu honestamente não as tenho. A razão de ter falado mais da administração Bush reporta-se à questão do Iraque: é Bush o responsável pela intervenção militar no Iraque.

Como eu disse, uma administração democrata está mais envolvida e empenhada na questão do Médio Oriente, pois beneficia de melhor acolhimento do governo israelita dada a importância do voto judeu nos democratas nos Estados Unidos da América. Cerca de 80% da comunidade judaica vota nos democratas. Isso tornará os Estados Unidos mais independentes do Médio Oriente em termos de petróleo - isso é o que eles estão a tentar fazer nos últimos 30 anos, demarcando os limites por percentagem à importação dos países. Por exemplo, Angola hoje em dia é responsável por mais de 10% das importações de petróleo dos Estados Unidos da América. Cerca de 12% do petróleo importado pelos EUA já vem de Angola.

Eles querem, como todos queremos, diversificar para evitar excessivas dependências. O ponto-chave do equilíbrio é, volto a dizê-lo, a Arábia Saudita. O futuro da Arábia Saudita, do ponto de vista político, é uma peça importantíssima na estratégia dos Estados Unidos e da Europa para aquela região.

Quanto ao Médio Oriente, espero honestamente que seja possível acabar com a escalada de horror que se assiste desde há 2 anos. Verificamos que no processo de paz do Médio Oriente, há muito processo e pouca paz – é um paradoxo.

Quando assistia às reuniões dos Ministros dos Negócios Estrangeiros da EU, muitas vezes, metade da nossa reunião era sobre o Médio Oriente. E limitávamo-nos a carpir porque (e meço bem as minhas palavras), a chave do problema do Médio Oriente está em primeiro lugar nos israelitas e palestinos e só depois está em Washington. Não está, com toda a certeza, em Londres, Paris ou Berlim.

Os Estados Unidos não são uma condição suficiente para resolver o problema do Médio Oriente mas são uma condição necessária. Sem os Estados Unidos não há paz no Médio Oriente, dada a importância da ajuda económica e militar dada aos israelitas, e aos outros Estados árabes. Por exemplo, a ajuda americana ao Egipto é quase tão importante como a ajuda a Israel.

Não há dúvidas que as grandes reservas do Mundo de petróleo estão ali.

O problema do petróleo pode mudar com as eleições americanas, provavelmente. Hoje um dos jornais económicos portugueses comentava que seja qual for o resultado das eleições americanas o preço do petróleo poderá baixar 30%, ou seja, um terço. Mas isso também tem a ver com as compras das reservas estratégicas que o Presidente Bush decidiu manter no limite. Não sei as razões, penso que não foi por causa da guerra e que terá sido devido à instabilidade na Venezuela nas vésperas do referendo revocatório.

A Venezuela exporta para os Estados Unidos 85% da produção. Num cenário mais incerto não saberíamos o que iria acontecer se os opositores do Presidente Chávez têm ganho o referendo. Será que o Presidente Chávez aceitava o resultado? Será que o exército aceitava o resultado? E o comité de trabalhadores da empresa de petróleos da Venezuela, que afirmou que jamais dariam o petróleo à oposição se ela ganhasse o resultado?

Isto criava uma instabilidade no preço do petróleo e foi por isso que ele subiu. O Presidente Bush, perante este cenário, deve ter sido aconselhado a aumentar as reservas estratégicas de petróleo.

Agora, uma dependência do Médio Oriente é inexorável quer para os Estados Unidos quer para a Europa.

Nós dependeremos sempre do Médio Oriente. Estamos é a diversificar as dependências: Portugal não importa mais de 20 ou 25% da mesma origem.

O problema do Médio Oriente ultrapassa muito o problema do petróleo, o problema está nos nossos vizinhos a sul, no Mediterrâneo (que Fernand Braudel designou de “Continente Líquido”) - onde nasceu a nossa civilização. É o que nós comemos (o pão, o queijo, as azeitonas), são as religiões, a cultura, a língua, nasceu tudo do Mediterrâneo.

É trágico que do lado de lá do Mediterrâneo continuem a matar-se sem que haja solução à vista. Quem esteve quase a conseguir uma solução foi o Presidente Clinton. Temos de reconhecer o grande mérito do Presidente Clinton nesse aspecto (e noutros) da política externa americana.

Medidas possíveis para o conflito israelo-árabe? Como já disse, os Estados Unidos são condição necessária embora não suficiente. Penso honestamente que a rota para a Paz, está esgotado. Os processos estão esgotados. Alguém tem de dar o impulso, e não podem ser os europeus. Por muita estima que eu tenha pelo Senhor Solana, de quem sou amigo (ele era Secretário-Geral da NATO quando eu era lá Embaixador, e telefonava muitas vezes à minha mulher a pedir um bacalhau à Braz), eu gosto muito dele, é um grande político, mas faz-me pena andar a vê-lo a fazer uma “shuttle diplomacy” entre os países árabes e Israel sem resultados nenhuns. E os chefes de diplomacia dos países da União Europeia, como não têm nada para dizer à imprensa depois das visitas, como não há solução, ou não vão lá ou, quando vão, não dizem nada.

Eu fui convidado várias vezes, quando tinha responsabilidades na política externa portuguesa, a visitar a Palestina, Israel, etc, mas decidi concentrar-me nos países do Magreb. Fui a Marrocos, Argélia, Líbia, Tunísia, porque é o nosso Mediterrâneo, são aqueles com quem o diálogo é muito mais fácil.

Primeiro Portugal não tem nada a acrescentar às propostas da União Europeia. O que é que eu vou lá fazer? Tentar a paz, sim, mas as posições estão irredutíveis. Só com o peso dos EUA é que se podem alterar os parâmetros estratégicos e políticos do Médio Oriente. Disso eu não tenho dúvida nenhuma.

Por muitas “Al Quaeda” e “Hammas”, (que são factores de complicação mas temos de os perceber), os palestinos não têm desde 1949 nenhum horizonte de esperança. Eles já estão na terceira geração a nascerem em campos de refugiados.

Não estou a justificar o recurso a acções armadas, ilegítimas, violentas e terroristas. Estas levam a uma escalada. Eles puseram há uns dias bombas em Israel e mataram 16 israelitas, os israelitas foram bombardear um campo de treino do “Hammas” e feriram 50 e fizeram 15 ou 16 mortos. Isto é uma escalda que não tem fim e não leva a nada. Ainda por cima com uma contradição: 80% da ajuda aos palestinos é da União Europeia.

E a União Europeia, que é o maior contribuinte, não tem peso para falar. Porque a infelizmente a “PESC”, a coordenação, ainda não é perfeita.

A União Europeia ainda não fala a uma só voz sobre política externa. E vai ter dificuldade em falar porque é composta por países grandes ou menos grandes como Portugal.

Vejam o caso de Portugal: tem oito séculos de história, temos uma soberania afirmada, somos dos poucos Estados na Europa que somos um Estado-Nação, temos a noção profunda de sermos portugueses, temos uma política externa, somos talvez o único país da nossa dimensão que é um “global player”.

Portugal tem uma política externa em relação à Austrália, a Timor, à China, Japão, Angola, Moçambique, África do Sul, Argentina, Brasil, Estados Unidos… Não sei se países com a nossa dimensão, (a não ser a Bélgica, onde habitualmente está o nosso amigo Carlos Coelho), terão uma política externa tão global como a nossa.

Imaginem que nos dizem: “agora a posição da Europa face a Angola será esta!”. Nós dizemos: “Calma, nós temos uma palavra a dizer sobre o assunto”.

Vai ser muito difícil pôr os países europeus a falar à mesma voz. Basta que uma coisa não agrade à França ou à Alemanha que é melhor esquecermos. Temos também as tradições de política externa dos países que integram a Europa. Portanto, digo-o com pena, nós não temos peso em questões do Médio Oriente. Sem os EUA, não vejo como se poderá alterar a situação.

Consequências para Portugal da eleição de um ou de outro? Acho que nos parâmetros conhecidos, a nossa relação económica, política e militar, com os Estados Unidos, através da NATO, não vai mudar. Não estou a ver a administração americana tomar medidas contra a comunidade portuguesa – até porque eles são americanos. E os Americanos gostam da diversidade étnica. Portugal tem de saber viver com qualquer Presidente dos Estados Unidos. Seja ele qual for, temos de nos dar bem com ele.

 

Jorge Nuno Sá

Muito bem. Para as duas últimas questões. Em nome do grupo encarnado o Élio Figueiredo.

 

Élio Figueiredo

Boa tarde Senhor Embaixador, boa tarde também ao senhor Director da Universidade de Verão e ao Presidente da JSD. Boa tarde também aos órgãos de comunicação social e às companheiras e companheiros presentes.

Senhor Embaixador, fez-nos uma abordagem aos programas de Bush e Kerry e vimos que ambos têm uma tendência para afunilar no mesmo objectivo de afirmação externa, de investimento e expansão do comércio americano.

O nosso grupo não podia perder a oportunidade de falar com aquele que é o pai do nosso modelo da diplomacia económica e de afirmação externa, a pessoa que fomentou o fórum de embaixadores da Agência Portuguesa para o Investimento.

A pergunta é esta: temos capacidade para atrair investimento americano em Portugal na área da energia, transportes e comunicações?

 

Jorge Nuno Sá

Do grupo roxo, o Paulo Figueiredo.

 

Paulo Figueiredo

Boa tarde Senhor Embaixador Martins da Cruz. A nossa pergunta é um pouco parecida com a anterior. Queríamos sobretudo abordar o facto de ter sido pioneiro na diplomacia económica e de saber algumas das coisas na sua experiência como Ministro.

Gostaríamos também que falasse um pouco mais do futuro das relações, Portugal/EUA, independentemente do vencedor das próximas eleições.

 

Martins da Cruz

Obrigado. Bom, eu sou pai… da minha filha, da diplomacia económica não fui pai. Limitei-me a acender um holofote (que outros países já tinham acendido) e a seguir uma linha que tinha sido aberta pelo Dr. Durão Barroso quando ele era Ministro dos Negócios Estrangeiros. E que o Prof. Cavaco, como Primeiro-Ministro seguia nas suas viagens ao exterior. Levava consigo empresários portugueses, sobretudo nas viagens a África, ao Brasil, Israel, Marrocos.

Eu acho que a diplomacia económica, mais do que um objectivo, deve ser um mecanismo. Um dia pediram-me para escrever um artigo sobre diplomacia económica e tive que reflectir outra vez sobre esta matéria e reler um bocado.

Um País como Portugal não se pode dar ao luxo de duplicar despesas e desaproveitar recursos. Uma coisa que eu nunca entendi, sobretudo quando eu estava em Madrid, (Espanha é o país onde as nossas relações económicas são porventura mais importantes, de onde importamos mais e para onde exportamos mais, onde existe um crescente investimento português), e a certa altura ninguém falava com ninguém, por um lado havia o ICEP, por outro a embaixada, por outro o turismo. Quer do lado espanhol quer do português trabalhava-se com uma certa descoordenação.

Portanto propus ao Primeiro-Ministro, que aceitou, uma colaboração mais estreita dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Economia. Focalizando mais o trabalho dos diplomatas e dos embaixadores nas perspectivas económicas ou seja, na captação de investimento estrangeiro, na venda de serviços – turismo –, na venda de bens portugueses, ou seja, na exportação.

Como motivar a máquina diplomática para isso? Sobretudo dando-lhes meios de trabalharem em articulação com o ICEP e o Ministério da Economia.

Parece muito fácil dizer mas é difícil fazer. Penso que foi uma pequena revolução dos métodos de trabalho na administração portuguesa e sobretudo nos corpos de Estado mais antigos que são a diplomacia.

Desde D. Afonso Henriques que Portugal tem diplomatas, lá fora, que nos representam. Não de forma permanente, mas nesse tempo, vários frades e bispos portugueses foram essenciais para irem a Roma (as Nações Unidas da altura, pois era o Papa que reconhecia as nações) dizer que Portugal era um País independente.

Levámos já 8 séculos e pela primeira vez hoje em dia na área da diplomacia económica, os diplomatas dependem simultaneamente do Ministro dos Negócios Estrangeiros e do Ministro da Economia. E o Ministro da Economia, coisa que era impensável no Palácio das Necessidades até há dois anos, pode dar instruções directamente aos embaixadores.

E mais, os diplomatas portugueses são avaliados por métodos quantitativos quanto ao seu desempenho na diplomacia económica conforme os resultados daquilo que fazem, tal como eram avaliados os delegados do ICEP anteriormente.

Tudo isto, no fundo, é a criação de novos mecanismos e a renovação de mentalidades, que eu penso que tem de se fazer, acreditando sobretudo nas gerações mais novas de diplomatas. Nós temos excelentes embaixadores, os que integram o fórum a que preside o Professor Miguel Cadilhe. Os embaixadores seniores, com capacidade para fazer diplomacia económica, reúnem duas vezes por ano. Eu participei várias vezes nessas reuniões. Como tudo, as administrações renovam-se, os corpos renovam-se e é preciso acreditar nas novas gerações. Eu fico muito contente.

O responsável pelo Gabinete de Assuntos Económicos no Ministério dos Negócios Estrangeiros era um antigo adjunto meu que tem actualmente 40 anos. Fico muito contente por saber disso! Faz um excelente trabalho, não por ter trabalhado comigo, mas é um jovem em quem acreditaram, a antiga Ministra e o actual Ministro acreditaram, e ele está lá.

O que é preciso é sensibilizar esta máquina do Estado que é o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Nós que pagamos impostos estamos a sustentar um corpo de funcionários que é um corpo de elite em Portugal, e a sensibilizá-lo para a diplomacia económica. Para a necessidade de articulação com os responsáveis do comércio externo e da economia e, em trabalho conjunto, vender melhor o nosso turismo, captar investimento estrangeiro, vender os nossos produtos, disponibilizando as embaixadas para provas de vinhos portugueses, indo abrir as feiras, falando com os grandes grupos económicos.

Um exemplo: quando um Embaixador chega a um país, assume funções e escreve umas cartas muito bonitas aos outros embaixadores portugueses, os que estão na Indonésia, Washington, etc, dizendo: quero comunicar a V. Exa. que cheguei a este país e estou à disposição de V. Exa. para o que for útil.

Já me tinha causado alguma espécie fazer isto na NATO (lá eu tratava de questões militares) e quando eu cheguei a Madrid, passei a tratar de questões económicas, e isto estava tudo errado.

Pedi ao meu staff que me arranjassem a lista dos maiores 300 empresários espanhóis e em vez de perder tempo a escrever ao meu colega que estava noutro país, escrevi aos maiores 300 empresários espanhóis dizendo: Meu caro senhor acabo de chegar aqui e estou à sua disposição se quiser investir em Portugal, se quiser comprar coisas de Portugal, para aumentar as relações económicas. Estou às suas ordens.

Fui visitá-los, não visitei todos mas alguns: o homem da Repsol, o da Telefónica, os que tinham investimentos em Portugal, o do Santander, o Presidente do Bilbao & Viscaya e também aqui ao pé da Estremadura, da Andaluzia, as Associações de Pequenos e Médios Empresários, que são aqueles que têm a porosidade da fronteira e fazem os pequenos negócios transfronteiriços, mas que significam muito no cômputo geral.

Depois, já no Palácio das Necessidades, fazia o seguinte: normalmente uma vez de quinze em quinze dias convidava um grande/médio grupo português para almoçar e fazia-lhe a seguinte pergunta: o que é que o Ministério dos Negócios Estrangeiros pode fazer pela sua empresa? O que posso fazer para o senhor aumentar as suas exportações, aumentar o seu comércio lá fora?

E, coisa curiosíssima, alguns entravam ali e ficavam surpreendidos: achavam que os diplomatas portugueses apenas tratavam de protocolo. Os diplomatas passavam mal a imagem.

Muitos depois, contavam-me a estratégia para a internacionalização das suas empresas, para eu saber como é que os podia ajudar na importação e exportação. E começaram-se a criar hábitos que, decerto, o Ministro António Monteiro continuará. Aqui fica uma confidência: ele era o embaixador que melhor fazia diplomacia económica, as reuniões que ele me preparava em Paris foram as melhores. Ele foi o primeiro embaixador a programar a sua acção por objectivos, que é uma coisa difícil, sendo a diplomacia um business imaterial… Como se programa por objectivos?

Por isso tenho a certeza que ele continuará esta linha como pensar ser o melhor. Eu abri uma porta mas espero que outros consigam abrir muitas mais.

Portugal é a economia aberta da União Europeia. Se nós somarmos, (os de económicas saberão isto melhor que eu), as importações, as exportações, os fluxos turísticos e os movimentos de capitais chegamos quase a 85% do PIB. Para terem uma ideia, a Espanha são 40% e a França ainda menos.

Somos uma economia muito aberta e muito sensível às conjunturas internacionais. Tem de ser um objectivo prioritário da nossa diplomacia (cuja função principal é de defender os interesses nacionais no exterior), estar atenta à importância dos fenómenos económicos e comerciais. Foi isto que tentamos.

Investimento dos Estados Unidos em Portugal? Eu acho que o investimento americano, infelizmente, em Portugal é baixo… devia ser maior. Nas áreas da energia, dos transportes, nas comunicações… só falta a área bancária para serem os quatros eixos estratégicos de uma economia.

Há, apesar de tudo, algum investimento americano em Portugal. Penso que o investimento americano mais importante foram os centros de investigação como o que a Fineon abriu agora, as pequenas indústrias de excelência que se criaram sobretudo a montante da nossa indústria automóvel. Damos pouca importância à nossa indústria automóvel mas é o que exportamos mais. Já passou a fase, quando eu tinha a vossa idade, que o que se exportava mais era têxtil e calçado… e hoje exportamos automóveis, material electrónico, etc.

Os Estados Unidos também não têm neste momento grandes investimentos no exterior. Quando os EUA investem no exterior em algo que exija grande investimento em mão-de-obra, procuram mercados como o asiático onde esta é mais baixa e o mercado é gigantesco.

E nós temos o problema da dimensão… é o grande problema das empresas portuguesas e do mercado português. Por isso é que as nossas empresas se internacionalizam. Uma empresa americana para investir em Portugal, jamais o fará apenas para 10 milhões de consumidores. Fá-lo-á se for, pelo menos, numa perspectiva ibérica. Mercado para 50 e tal milhões daqui a uns anos.

Temos que ver o que eles investiram em Espanha. Por exemplo, a Ford tem grandes investimentos em Espanha e não os vai replicar em Portugal. Temos que jogar nessa margem, como está a fazer o Prof. Miguel Cadilhe na Agência Portuguesa de Investimentos que a dar prioridade ao mercado americano.

De tal maneira, que o Embaixador de Portugal em Washington é simultaneamente administrador da API – Agência Portuguesa de Investimento.

Acho que o mercado americano é essencial para captar investimento, mas voltamos ao mesmo: exige um esforço permanente e diálogo com os Estados Unidos, e dar credibilidade na nossa interlocução em Washington. Por isso, acho, para os responsáveis políticos e económicos portugueses é indiferente qual será o futuro Presidente dos Estados Unidos, seja ele qual for é com ele que nós temos de ter o nosso relacionamento.

Vamos ter aqui muitos Estados de alma, até porque os Estados de alma são bons em muitas etapas da nossa vida, mas não em política externa. (PALMAS)

 

Carlos Coelho

Agradeço no meu e em vosso nome ao Senhor Embaixador Martins da Cruz pelo facto de se ter deslocado a Castelo de Vide para estar connosco e ter falado de política externa. De acordo com as regras, nós vamos agora acompanhar a saída do Embaixador Martins da Cruz, eu peço à Zita e ao Duarte Marques para assumirem a presidência. Recordo-vos que os trabalhos de grupo são às 17.30. No primeiro andar temos o café a seguir ao termo dos trabalhos.