Mensagem Final
   
   
 

 

 

 

 

 

 


Carlos Coelho – Director UV

Agradeço a todos a demonstração de pontualidade. Vamos dar início à nossa primeira sessão temática da Universidade de Verão 2004. Decidimos começar pela Economia que é uma questão essencial nas nossas sociedades, visto que não se faz omeletes sem ovos. Isso é uma verdade que todos nós sabemos.

Temos o prazer de ter entre nós o Prof. Doutor Diogo Lucena que é um académico brilhante, administrador da Fundação Gulbenkian, a quem pedimos como Professor para nos dizer o que é que ele considera essencial em termos de conceitos económicos para quadros políticos como vós. Evidentemente que há aqui pessoas com backgrounds diferentes: há quem já tenha formação em economia, há quem não tenha e portanto alguns, a minoria, ouvirá coisas que já sabem mas provavelmente para a maioria o essencial daquilo que o Professor Diogo Lucena nos vai dizer será novidade. Posteriormente, na fase de debate, uns poderão querer aprofundar mais alguns conceitos outros poderão querer saber a opinião do Professor Diogo Lucena sobre questões da actualidade na área da economia.

O Senhor Professor Diogo Lucena tem como hobby ler História, a comida preferida é a italiana, o animal preferido é a baleia, o livro que nos sugere é Os Maias de Eça de Queirós, o filme que sugere O Leopardo e a principal qualidade que valoriza nas pessoas, é a bondade.

Senhor Professor muito obrigado por ter aceite o nosso convite, a palavra é sua.

PALMAS

 

Prof. Doutor Diogo Lucena

Muito obrigado pelo convite, tenho imenso prazer em estar aqui, acho que é sempre interessante falar para pessoas mais novas. Infelizmente hoje, acontece quase sempre, começo a estar no grupo etário mais velho e os mais velhos não me querem ouvir. Acabo, geralmente, por falar para mais novos. Aliás é uma das vantagens de ser Professor: estamos sempre a falar para pessoas mais novas. Eu pensei um bocadinho o que devia dizer, falar de Economia numa hora é como tentar meter o Rossio na Betesga e portanto a pergunta é sempre: qual é a parte do Rossio de que vamos falar em uma hora. O Deputado Carlos Coelho pediu-me uma coisa que me agrada particularmente: falar de conceitos e eu pensei fazer uma coisa para pessoas que estão na Universidade e portanto têm um certo background. Como eu julgo que a maior parte das pessoas que estão aqui ou estão na Universidade ou estão a caminho, (alguns já estarão formados), vou falar e discutir basicamente alguns conceitos que eu considero particularmente importantes. E vou tentar sugerir consequências da aplicação desses conceitos dando dois ou três exemplos. Julgo que depois podíamo-nos guardar para as perguntas e respostas, aprofundar uma ideia ou outra mais interessantes e queria terminar falando um bocadinho de formação de política económica com base nestas ideias: como é que se elabora uma política económica? Acho que deve ser essa a preocupação das pessoas que pensam que virão a estar envolvidas na elaboração das políticas económicas.

Quando se fala de economia, (isto é talvez menos verdade hoje, mas há alguns anos era certamente muito verdade), as pessoas pensam sempre em desemprego, inflação, balança de pagamentos, aquilo que eu vou chamar macro-economia. Eu quero fugir a isso porque acho que as ideias centrais da economia têm muito mais a ver com microeconomia do que com macro-economia. Micro-economia não é gestão é microeconomia e as ideias que eu vou desenvolver e os exemplos que eu vou dar vão puxar mais a esse lado. Julgo que é mais fácil e mais popular falar de micro-economia, aquilo que vem nos jornais todos os dias. É obviamente muito importante ter um departamento macro-económico estável e equilibrado. É uma condição muito importante para um bom funcionamento da economia mas isso não é tudo e 90% da actividade de um governo é fazer política micro-económica e não macro-económica. O Banco de Portugal, evidentemente, envolve serviço macro-económico, o Ministro das Finanças também, mas todas as decisões que são tomadas em todos os Ministérios no dia-a-dia, no fundo, são política micro-económica e não política macro-económica. E podem pensar em coisas tão pequenas ou tão grandes como a Segurança Social, o Sistema de Saúde ou o Sistema de Educação onde alguma análise económica é importante e que não tem a ver com estes grandes agregados da economia, Às vezes até tem implicações para grandes agregados mas muito do raciocínio importante não tem a ver com isso.

Gostava de começar por um conceito que julgo que toda a gente tem implícito e portanto vou sublinhá-lo: a necessidade de ter economistas, estes seres que estragam a vida de toda a gente (RISOS). Tem a ver com um facto muito simples: a escassez de recursos, ou seja, os recursos que nós dispomos não chegam para tudo. Eu gostava ter mais de tudo mas como não tenho, vou ter que fazer alguma análise, ver quais são as minhas prioridades de ver onde é que eu gasto o dinheiro, onde é que eu ponho os meus recursos (eu não gosto tanto da expressão gastar o dinheiro, prefiro “afectação dos recursos”). Eu vou dar mais recursos na Segurança Social? Ou vou fazer mais auto-estradas? Ou vou fazer mais escolas? Eu não posso é fazer mais de tudo, isso é uma ilusão. Na política quando se quer ganhar eleições promete-se mais de tudo mas sabemos que é impossível, não é? Há aqui que fazer um balanço e às vezes também se pode exagerar nesse aspecto e depois vir a ser cobrado à pessoa que prometeu demais. Portanto esta expressão de escassez, uma expressão muito intuitiva, obriga de facto a fazer balanços, (a fazer “trade-off’s” para usar a expressão inglesa que entrou hoje no nosso vocabulário). Eu tenho escassez e resulta dessa escassez necessariamente a existência de trade-off’s, ou seja, escolhas de prioridades. Julgo que a ideia central tem a ver com a economia. A economia existe por causa disto senão eu estava desempregado ou tinha que voltar a ser Engenheiro que é a minha origem. Esses trade-off’s põem-se ao nível individual, todos nós quando planeamos a nossa vida, se quisermos fazer uma viagem durante o verão temos que ir menos ao cinema ou ir menos a restaurantes e portanto estes trade-off’s existem obviamente nas nossas escolhas individuais. Mas também existem nas escolhas colectivas e isso é importante perceber e às vezes surgem em formas menos óbvias do que parece.

Um exemplo a que eu vou voltar mais à frente tem a ver com as escolhas entre eficiência e equidade, que eu acho que politicamente tem a maior das importâncias. A ideia básica é esta: se eu deixar o mercado de trabalho funcionar e tenho uma certa distribuição de rendimentos, se eu quiser intervir para melhorar a distribuição de rendimentos, melhorar nos aspectos de equidade da sociedade em geral, eu vou ter um problema pois vou diminuir o tamanho do bolo ou seja, há um trade-off entre eficiência e equidade. Dizer que eu tenho mais eficiência e mais equidade muitas vezes é uma das tais ilusões. Ou seja, eu posso prometer mais de tudo mas raramente posso cumprir mais de tudo. E tipicamente o mundo real impõe-me uma escolha. Se eu quiser ter uma maior actividade distributiva provavelmente tenho que aceitar pagar algum preço: tenho o bolo mais bem dividido mas será um bolo um pouco mais pequeno e por exemplo quando eu discuto segurança social, é extremamente importante perceber em que termos é que se põe este trade-off. Se for uma escolha colectiva tem grandes traduções em termos políticos. Na minha visão do mundo, estar mais à esquerda ou mais à direita tem a ver com dar mais peso à eficiência ou dar mais peso à equidade. Esta ideia é uma ideia que é muito importante e eu acho que o centro da análise económica tem a ver com esta necessidade de escolhas e este balanço que se põe quer a nível individual quer a nível colectivo.

A segunda ideia que eu acho muito importante é que nós tentamos medir tudo em dinheiro (por isso é que eu disse que “gastar mais dinheiro” não era uma expressão que eu gostasse de usar) mas de facto o que acontece é que quando eu aplico os meus recursos numa actividade, eles deixam de estar disponíveis para outras. Esta ideia de eu deixar de fazer qualquer coisa é aquilo a que nós chamamos um custo de oportunidade e o custo de qualquer actividade económica, o custo de qualquer política deve ser medido em custos de oportunidade. Este é o conceito central de custo que interessa utilizar e só para vos dar dois exemplos como é que isto difere um bocadinho da forma habitual de pensar. Pensem nos custos de estudar, de estar na Universidade, estou a ver que é um problema que afecta a maior parte dos que aqui estão. Tipicamente quando vêem nos jornais a discussão dos custos para o estudante: as propinas, os livros que compram, a cantina, o quarto onde vai dormir se se está deslocado, etc, isso são tudo custos “out of pocket”, com dinheiro que sai. Por isso é que eu digo, não pensem tanto em dinheiro, agora imaginem a seguinte situação, pertencem a uma família de Trás-os-Montes que vem estudar para Coimbra mas se não fosse estudar iria de qualquer forma para Coimbra ou Porto. Nessa altura esta ideia de custo de oportunidade significa o seguinte:

1º Tudo o que é alimentação e estadia, o aluguer de um quarto não é um verdadeiro custo de estudar, a pessoa dormia de qualquer maneira. Se não estudar também come: raras pessoas sobrevivem muito tempo sem comer. (RISOS). Mesmo não sendo estudante eu bem sei que estudar puxa pelo físico mas mesmo assim não faz tanta diferença e portanto a pessoa tem que comer de qualquer maneira: isto não é um custo de estudar. É evidente que se estiver em casa também come se estiver fora de casa também come, pode ser mais caro se estiver fora de casa mas se a alternativa era estar sempre deslocado então não há nenhum custo associado a isso.

De facto se a cantina for mais barata é um benefício e não um custo. Em termos de custo de oportunidade isso não é um custo, da mesma forma o aluguer do quarto não é um custo se a pessoa de qualquer maneira tem que o pagar. Se a alternativa é ficar em casa dos pais então é um custo. Portanto há uma série de custos que são contabilizados e que em termos económicos não são verdadeiros e não deviam contar. Em alternativa as propinas sim, são um custo, a pessoa tem que pagar, se não estudar não paga as propinas como é evidente. Os livros também são um custo financeiro e um custo de oportunidade, eu não compraria os livros se não estivesse a estudar. Agora, há uma coisa que não entra nas contas normalmente e que é o principal custo em termos económicos que é o tempo das pessoas.

Se pensarem bem, há um custo de oportunidade, as pessoas que estão a estudar 24 horas na universidade em alternativa podiam estar empregados a ganhar x contos por mês, esses x contos por mês x 14 salários por ano x 4 anos é o custo de oportunidade maior. Em termos económicos esse é o grande custo de estudar, provavelmente a maior parcela. Reparem nas propinas: mesmo depois destas subidas escandalosas, elas são miseráveis comparadas com este valor. Se fizerem as contas, estamos a falar de pouco dinheiro comparado com o que é o custo de oportunidade do tempo das pessoas. Quando aplico esta ideia do custo de oportunidade, provavelmente as respostas a estes problemas mudam radicalmente e portanto é muito importante pensar nestes termos e não simplesmente nos custos financeiros. A economia é um bocadinho mais subtil do que aquilo que parece à primeira vista.

Quando vêem discussões no jornal só se fala do que se paga, do que custa, se subiu cinco escudos ou subiu mil escudos, e o grosso do problema está lá escondido atrás e ninguém fala dele. Isto é muito importante também quando se discute por exemplo o sistema de saúde ser privado ou público ou se as empresas são privadas ou públicas. Discute-se também aquela ideia horrorosa de que as empresas privadas têm lucro e portanto encarecem as coisas. A maneira correcta de pensar no lucro é o custo de oportunidade dos recursos que eu invisto numa actividade, ou seja, se o Estado põe dez milhões de contos num hospital ele podia ter uma taxa de retorno se aplicasse esse dinheiro numa outra actividade, podia render 10% ao ano e está a renunciar a esses 10% ao ano para afectar os custos a essa actividade. Quer contabilize esses 10% como custo de saúde quer não contabilize eles estão lá. Ou seja, ele renunciou a 10% de rendimento do dinheiro que podia afectar de outra maneira ao afectá-lo àquela actividade, e isso é um custo. Quer seja reconhecido como um custo imputado à saúde quer não seja, ele não deixa de existir.

Pensemos, por exemplo numa empresa pública como a CP. A CP não dá dividendos ao accionista que é o Estado. Isto foi verdade muitos anos também para a Portugal Telecom, que não remunerava o seu accionista Estado a uma taxa de rentabilidade razoável. Então isto é um subsídio que é dado à empresa. Um dos grandes subsídios que a CP tem é que o Estado investiu lá cem biliões e não recebe nenhum retorno.

Este subsídio nunca aparece nas contas do Estado, não vai ao Orçamento, não vai à Assembleia, os jornais não falam dele mas ele existe. Portanto, a ideia de custo de oportunidade tem implicações fortíssimas. A ideia é que não há mágicas. Ou seja, de facto os privados quando fazem o Hospital Amadora Sintra ganham dinheiro, mas quando o Estado põe verba no Hospital Egas Moniz, ao não receber nenhum retorno, está de facto a subsidiar o Hospital num montante igual a esse e está a renunciar a esse dinheiro. Eu não o contabilizei, mas o facto de o não contabilizar não significa que não exista. As convenções contabilísticas não correspondem sempre 100% ao conceito económico rigoroso e portanto o lucro das empresas só é um problema quando for acima desta remuneração razoável e a ideia da concorrência é que impede que seja assim.

O terceiro ponto que eu queria sublinhar tem a ver com incentivos, que é uma palavra perigosíssima. Os economistas usam-na num sentido e em geral as pessoas lêem outra coisa, portanto eu tenho imenso medo de usar essa palavra. Já aprendi isso à minha custa mas incentivos significa tudo aquilo que move as pessoas. Incentivo não é forçosamente dinheiro no bolso das pessoas no fim do mês. Quando dizemos que se tem que dar incentivos às pessoas não é ter de aumentar o salário mas sim a estrutura de prémios e castigos a que a pessoa é sujeita quando toma decisões. É evidente que os preços monetariamente dão incentivos. Se o preço da laranja sobe, eu provavelmente compro menos laranjas e compro mais tangerinas. Esse é um incentivo privado que eu sofro através do mecanismo do mercado mas quando eu desenho políticas económicas é crucial perceber que esta questão dos incentivos é muito determinante porque afecta o comportamento das pessoas que são sujeitas à política económica que se vai impor.

Eu vou dar um exemplo político e económico e depois outros exemplos não económicos porque acho que a ideia é muito geral e eu queria transmitir essa ideia. Suponham que vocês são o Presidente da EDP e que dizem ao vosso Director Financeiro: «eu quero subir as tarifas para o ano em 10%. Que impacto é que isto tem?». Ele vê a quantidade de electricidade vendida este ano e diz-lhe que as receitas sobem 10%. Eu despedia o Director Financeiro porque a ideia de que os compradores de electricidade são agentes passivos e compram sempre a mesma quantidade independentemente do seu preço, pura e simplesmente não é verdade. Existe uma sensibilidade ao preço por parte dos consumidores, quando o preço da electricidade sobe as pessoas compram menos electricidade. Se eu subir o preço da electricidade 10% as receitas não sobem 10%, sobem menos do que 10%. E se eu fizer o planeamento financeiro da empresa contando com um aumento de receitas 10%, vou enganar-me eu vou ter alguns problemas de equilíbrio orçamental no próximo ano porque previ receitas que não vão acontecer. Se as pessoas diminuírem 5% da quantidade que comprarem então as receitas só sobem 5%, são 10 menos 5. Os agentes económicos reagem aos incentivos a que estão expostos e em particular aos preços que são os principais incentivos económicos.

Quando eu altero os incentivos, o comportamento dos agentes económicos também se altera e se eu não incorporo isto nas minhas previsões, eu vou forçosamente errar. Esta ideia de que as pessoas reagem aos incentivos é uma ideia poderosíssima que normalmente é ignorada. É ignorada pela maior parte das pessoas que foram treinadas a pensar desta maneira e eu tenho sempre imensas “bulhas” com as pessoas de Direito a este respeito. As pessoas de Direito têm uma enorme rejeição a esta ideia de que as pessoas reagem aos incentivos mas eu acredito completamente que isto é verdade. Quando se mede a realidade em termos económicos vemos que é verdade, acontece. Deixem-me dar um exemplo que é um exemplo clássico que os economistas gostam muito porque não é de economia, e mostra que a ideia é geral e não tem só a ver com dinheiro. São os cintos de segurança, a ideia do cinto de segurança é poupar vidas.

Se eu andar com o cinto e tiver um desastre a probabilidade de morrer é menor. Pode-se mostrar que estatisticamente é verdade. Simplesmente a pergunta é: - O impacto de introdução do cinto de segurança foi muito menor do que esta alteração de probabilidade fazia prever? Isto foi estatisticamente medido nos Estados Unidos nos anos 70 porque os Estados Americanos não introduziram a obrigatoriedade do cinto de segurança ao mesmo tempo. Houve um conjunto de Estados onde foi introduzido e noutros não. A conclusão dos resultados foi a seguinte: - Uma vez que se tem cinto de segurança as pessoas incorporam no seu comportamento a ideia de que é mais seguro e portanto guiam com menos cuidado. É a isto que eu chamo um incentivo, ou seja, a alteração de comportamento devido a uma política. Introduzo a política e depois as pessoas alteram o comportamento. O saldo final foi que o balanço em número de mortos foi praticamente zero, houve uma ligeira melhoria mas muito mais pequena do que aquilo que se podia pensar. Basicamente porque apesar de em cada desastre haver menos mortos ouve um maior número de desastres porque as pessoas alteraram a forma de conduzir ao usarem o cinto de segurança.

Houve um aumento de mortos no número de peões porque esses não andam com cinto de segurança e nos desastres que envolvem peões não houve poupanças de vidas. Se eu não pensar em incentivos, este tipo de efeitos secundários que têm a ver com a alteração do comportamentos dos agentes económicos não é incorporado e o balanço da política pode ser muito diferente conforme eu incorporo esta ideia, ou não a incorporo, na minha análise.

Deixem-me dar um exemplo também: a Reforma Administrativa de que tanto se fala agora. Julgo que um dos problemas centrais de uma descentralização administrativa tem a ver com o facto de eu desenhar o sistema de maneira a perceber como é que os incentivos fazem alterar o comportamento das pessoas. Não há nenhum Ministro nem Primeiro-Ministro de qualquer Governo que consiga controlar 70.000 dirigentes públicos, Directores Gerais, ou similares. Por muito inteligente que seja o Governo, eles vão sempre enganá-lo. Se os incentivos estão lá para ele ter um comportamento de gastar mais dinheiro, ele vai mesmo gastar mais dinheiro. Eu não estou a falar de favores mas sim da forma de avaliação da sua carreira. Se a carreira dele é avaliada gastando mais dinheiro ele vai arranjar maneira de gastar mais dinheiro e não há maneira de eu com uma reforma administrativa conseguir controlar os custos de uma forma decente. Se para ele for bom ter mais pessoal ele vai arranjar maneira de justificar mais pessoal. Não vai reduzir o pessoal a não ser que ao reduzir o pessoal ele tenha qualquer recompensa. E isso pode ser uma promoção pode ser outra coisa. Os incentivos que estão implícitos nas regras do jogo, estão no desenho do sistema, são muito mais importantes do que os incentivos materiais, financeiros para as pessoas e portanto se eu quiser descentralizar sem atender a isso eu vou ter comportamentos o mais perverso que há. Deixem-me dar um exemplo: - Eu fui Director da minha Faculdade há uns anos, era um agente público, um dos tais 70.000 Directores Gerais ou similares que tinha algum poder de gastar recursos, porque os recursos da faculdade eram geridos por mim. E a pergunta é: - Porque é que eu hei-de poupar recursos ou não poupar recursos? Porque é que eu hei-de fazer uma gestão cuidadosa? Porque é que eu compro cadeiras mais baratas em vez de comprar as mais cómodas? Como é que eu tomo esta decisão?

Evidentemente admitindo que é o interesse da faculdade que tenho em mãos, porque sou eleito pelos meus colegas, pelos alunos, etc. Se eu quero responder bem perante todos e sou uma pessoa bem intencionada eu tentarei fazer o melhor possível. Agora há uma coisa que não me interessa nada: poupar dinheiro. Se eu poupar dinheiro para poder pintar janelas para o ano, o Estado tira-me verba e eu não posso pintar as janelas. Portanto este incentivo é perverso ou seja, quando o sistema de atribuição de orçamento é feito, não se pensa qual é a minha reacção quando eu estou no local a tomar decisões. Eu não tenho vantagem nenhuma, junto das pessoas perante quem respondo directamente, em ser muito racional na gestão dos recursos porque eu sou castigado, não sou premiado. No ano seguinte toda a gente me vai “chatear a cabeça”, passo a expressão, pelo que não tenho incentivo nenhum.

E mais, eu consegui dinheiro junto de empresas para financiar certas actividades e o que é que aconteceu? O Reitor de outra Universidade, em Setembro, veio para a rua dizer que vinha fechar a Universidade porque não tinha dinheiro para pagar salários porque ele não geriu bem. E o Estado o que é que fez? Tirou-me dinheiro a mim e deu-lhe a ele pois eu tinha dinheiro (tinha ido buscar financiamento fora). O que é que aconteceu no ano seguinte? Eu não fui buscar dinheiro fora como é evidente. Estão a ver o que é que eu quero dizer com incentivos. Incentivos são os prémios e castigos organizados para conduzir a certo tipo de comportamentos, que é bom ou mau.

E se os prémios estão organizados para mau comportamento as pessoas vão-se portar mal ou menos bem e tomar decisões erradas. Ou então vão tomar decisões ao lado daquelas que são as melhores. Esta ideia de pensar nos incentivos é absolutamente crucial: tentar perceber como é que as pessoas são vítimas da política (no bom ou no mau sentido de vítima) como é que elas vão reagir a essa alteração de política económica. Isso tem que ser incorporado nas consequências da minha política senão eu faço uma análise completamente errada da política económica.

A outra ideia que queria falar tem a ver com ganhos de troca. Sempre que há uma transacção económica, as pessoas pensam que há um lado que ganha e outro que perde. Isso é o maior erro. A criação de valor económico está em organizar o sistema económico de maneira a que as transacções onde ambas as partes ganham se executem. Quando eu vendo a casa a uma pessoa é porque a casa para mim vale menos do que para ela, senão não lha vendia. Se eu vendo o meu automóvel em segunda mão é porque eu agora quero vender e estou disposto a vender por cinquenta e há alguém que está disposto a pagar cem. Desde que esta transacção se dê, entre ambos ganhamos cinquenta ou seja se eu estou disposto a vender por cinquenta e ele está disposto a pagar cem; agora temos que dividir os outros cinquenta: se eu vender por setenta e cinco dividimos ao meio, se eu vender por oitenta significa que eu fiquei com trinta e ele com vinte.

Este ganho não aparece na estatística, isto é valor acrescentado na economia. Reparem que a criação de valor tem muito a ver com a execução de transacções onde ambas as partes ganham. Essas transacções podem ser eu vender o meu trabalho a uma pessoa; podem ser o salário: eu estava disposto a trabalhar por cinquenta e ele estava disposto a pagar cem - há aqui um ganho de cinquenta desde que ele me dê o emprego. Depois, desde que o meu salário esteja neste intervalo, o ganho está lá sempre desde que se dê a transacção. Quando eu discuto uma boa organização social (se o sistema de mercado funciona bem ou não, por exemplo) aquilo que eu estou a discutir é isto: no sistema de mercado é possível realizar todas as transacções que criem valor ou será que algumas se deixarão de fazer por alguma razão? As barreiras institucionais à execução destas transacções são os custos de eficiência de uma organização social mal concebida.

Deixem-me dar um exemplo muito simples porque tem a ver com os impostos. Quando eu lanço impostos, mato forçosamente alguma actividade económica e isto introduz o tal “trade-off” entre equidade e eficiência. Para melhorar a redistribuição o que é que eu faço? Levanto os impostos para a actividade económica e depois pego nesse dinheiro e distribuo, beneficiando preferencialmente as pessoas mais pobres. Às vezes a política é mal desenhada e há políticas que é suposto beneficiar os mais pobres e não beneficiam. Se me provocarem muito eu dou um exemplo senão vou saltar porque não tenho muito tempo.

A ideia do imposto é a seguinte: suponham que eu estou disposto a vender uma máquina têxtil a um empresário por oitenta e ele está disposto a pagar cem. Se o mercado estiver a funcionar nós encontramo-nos. A ideia do mercado é facilitar estes encontros. Há um mercado organizado e eu sei onde estão as pessoas dispostas em comprar estas máquinas; vou há feira de Hannover e vendo-lhe a máquina. Para a sociedade há um ganho de vinte. Eu estava disposto a vender por oitenta, feitas as minhas contas desde que ele me pague oitenta eu vendo-lhe e ele desde que eu lhe cobre menos de cem compra. Eu vendo por oitenta e cinco ou por noventa e cinco: o preço que eu lhe vendo depois é irrelevante - eu tenho ali uma fatia que é os cem menos os oitenta que é um ganho associado à transacção. Há uma criação de valor económico de vinte. Porque se deu aquela transacção, se eu vendi por noventa ficou dez para cada um, se eu vendi por noventa e cinco fiquei com quinze e ele com cinco. Agora depende do preço de mercado. Imaginem que o Estado lança um imposto sobre esta transacção, (o IVA ou outro imposto qualquer), e o Estado leva cinco, o que é que acontece? Dos vinte que sobrar eu ainda tenho margem para negociar com ele, cinco vão para o Estado mas ainda sobram quinze para dividir, portanto, eu ainda vou vender a máquina e, portanto, na sociedade ainda se criou este valor de vinte, simplesmente cinco foram para o Estado e depois foi sete e meio para cada um de nós. Agora suponham que o Estado é muito ganancioso e diz: “eu quero um imposto de vinte e cinco nesta transacção”, o que é que vai acontecer?

O que vai acontecer é que eu se tiver que pagar um imposto de vinte e cinco já não me compensa fazer a máquina para lhe vender a ele porque, por muito bem que se façam as contas e mesmo que eu aceite oitenta e ele dê os cem não sobram vinte e cinco. O que é que vai acontecer? Se o Estado diz: - Sempre que houver uma máquina destas eu cobro vinte e cinco de imposto, esta transacção vai desaparecer ou seja, esta criação de valores desaparece e o Estado não recebe imposto. Como o Estado abriu muito a boca o que é que aconteceu? Matou a actividade económica, esta máquina não se fabricou, não se vendeu, portanto a actividade económica diminuiu e o Estado evidentemente ficou sem a receita correspondente a esta transacção. É evidente que aqui ao lado pode haver um senhor que está disposto a vender uma máquina por setenta e outra a pagar cento e vinte, não é? Porque ele tem uma fábrica mais eficiente que a minha e aquele empresário tem um mercado melhor do que aquele em que eu estava a vender.

Esta segunda transacção não é morta pelo imposto de vinte e cinco. Eu não estou a dizer que o Estado quando lança um imposto mata toda a actividade económica no sector, mas mata alguma actividade económica, aquela que está mais apertada. À medida que o imposto cresce vai matando cada vez mais a actividade económica e a este matar a actividade económica é o que nós chamamos “custos de eficiência”. Se o Estado quiser muitos impostos para fazer redistribuição, tem que lançar impostos muito altos e ao lançar impostos altos também mata a actividade económica e cria um trade-off entre eficiência e equidade. As transacções economicamente interessantes são aquelas que criam valor para os dois lados da transacção e isso é que é a eficiência económica. É simplesmente a ideia de que todas as transacções que criam valor vão ser executadas. Se eu tiver barreiras institucionais ou outras à realização dessas transacções eu tenho custos de eficiência.

Todos os impostos criam alguma ineficiência; é evidente que se podem depois resolver outros problemas que trazem mais benefícios do que estas ineficiências. Eu não sou contra os impostos, a consequência lógica é dizer: eu tenho que ter cuidado porque se eu lançar um imposto, cem, para construir a ponte sobre o Tejo eu retiro cem aos consumidores e aos produtores dos mercados onde lancei o imposto e retiro mais alguma coisa porque tenho estes custos de eficiência. Se calhar, para eu receber 100 milhões, o custo para a economia é de 130 mas a ponte sobre o Tejo traz benefícios de 150 e então vale a pena fazê-la. Porém, se só trouxer benefícios de 120 é de pensar duas vezes se vale a pena construir a ponte ou não. Resta saber se estes custos de eficiência com o aumento de impostos são, ou não, mais que os vinte que é a diferença entre os cento e vinte e os cem. Se a ponte são cem milhões, os benefícios são cento e vinte mas os custos de eficiência são trinta: então já não vale a pena fazer a ponte. Estão a ver? Esta ideia de que eu tenho que olhar para os ganhos de troca, para a eficiência, é também uma ideia central na formação de política económica.

Dois comentários muito rápidos, eu volto a isto nas perguntas se assim o quiserem. Corresponde um bocadinho a uma visão ou seja é uma defesa: os mercados em muitas circunstâncias resolvem o problema de uma forma razoável. A ideia é esta: eu tenho que ter maneira de realizar todas as transacções que acrescentam valor. Em termos de eficiência, se eu tiver um mercado bem organizado, provavelmente consigo que todas as pessoas estejam dispostas a vender uma coisa enquanto o parceiro está disposto a comprar e a pagar mais do que o mínimo. O mercado ser organizado significa isto.

A existência do mercado permite estas trocas com poucos custos de informação. Eu tenho informação suficiente para encontrar o parceiro que está disposto a pagar mais do que aquilo que eu estou disposto a receber e isso permite gerar todas estas eficiências, todos estes ganhos de eficiência associados à troca. Para o mercado funcionar bem é preciso um conjunto de condições técnicas e outras. Não vou falar disso, mas isso tem basicamente a ver com os agentes serem pequenos à dimensão do mercado: o que nós chamamos em economia ser “price taker”, ou seja, quando vou comprar laranjas pago o preço que está lá marcado não me ponho a negociar as laranjas. É evidente que a EDP não é “price taker”, a EDP decide qual é o preço de mercado da electricidade, ao invés de o tomar como um dado. Eu como consumidor sou “price taker”, a EDP como fornecedor não é “price taker”. Para um mercado funcionar bem, eu tenho que ter todos os agentes (produtores e consumidores) como “price takers”. Os produtores de milho do mundo são “price takers”, por muito grande que seja a minha produção de milho em Portugal, eu produzo uma fracção ínfima e portanto eu vendo ao preço de mercado e não tenho a veleidade de pensar que consigo alterar o preço de mercado. Mas a EDP altera o preço de mercado como é evidente. Quando eu tenho monopólio eu não tenho “price taker”.

A outra condição para funcionar bem é ser fácil entrar e sair. É preciso que as empresas possam entrar facilmente no mercado e no caso de querer sair possam sair facilmente. Isto é mais importante do que parece. Uma das grandes diferenças, por exemplo, entre a Califórnia e Portugal é nos custos de entrada. Para formar uma empresa em Portugal, (eu tive uma experiência), só aprovar o nome levou-me oito meses. No fim chamei o meu nome, Diogo Lucena e aí aprovaram, disseram que não havia outro, graças a Deus, mas chumbaram uns vinte nomes porque era parecido com não sei o quê, um tipo que fazia queijos em Trás-os-Montes e eu fazia Consulting em Lisboa, mas chumbaram-me o nome. Montar uma empresa em Portugal é muito complicado.

Na Califórnia leva-se 24 horas, em Inglaterra leva uma semana e aqui leva oito meses. Há aqui uma barreira à entrada mas as barreiras podem não ser só administrativas, podem ser económicas, e muitas vezes há proibição de entrada. Por exemplo, o Estado diz: “nesta actividade ninguém entra, a não ser que tenha uma licença” e muitas vezes há barreiras à saída, ou seja, fechar uma empresa em Portugal é muitíssimo mais caro que fechar uma empresa nos Estados Unidos. Mas muitíssimo mais caro e para um investidor inteligente esta barreira à saída transforma-se numa barreira à entrada. Eu vou entrar, se correr mal, eu pago uma penalidade enorme para sair.

Nos Estados Unidos não pago quase nada, isto tem muito a ver com leis do trabalho. Portanto, esta barreira à saída para um investidor inteligente que está na fase de decidir se investe ou não investe, transforma-se numa barreira à entrada, ele diz: - Eu não entro porque não tenho a certeza que isto vá correr bem e se isto correr mal eu pago uma penalidade tão grande que o melhor é não entrar. Isto mata muita actividade económica e cria uma enorme aversão ao risco. Por exemplo: o segredo de “Silicon Valley” ou de Bill Gates (que é inimigo do Valley porque ele está em Seattle no Norte e não em S. Francisco). Mas as empresas de Silicon Valley, como a CISCO e outras mais conhecidas, são casos de sucessos. Mas a verdade é que por cada uma que teve sucesso houve 300 tentativas que falharam.

Eu uma vez fui lá falar a estudantes portugueses que estavam a estudar na Califórnia e o outro orador era um Indiano de trinta anos, já tinha feito três empresas e já tinha ido duas vezes à falência e estava convencido que ia ficar milionário, estava a fazer a terceira empresa e dizia que desta vez ia funcionar. Tinha aprendido com os erros, agora ia funcionar e se não funcionar paciência eu arranjo outra empresa. Ele tentou duas vezes e não tinha problema nenhum com a história. Aqui quando se vai à falência é uma desgraça. Lá, para a primeira empresa, em geral, até é difícil arranjar dinheiro: a pessoa empenha a casa própria e depois empenha a casa da mulher e na terceira vez como já deu com o burro na água duas vezes já sabe como é que é, então arranja quem lhe empreste dinheiro. Aqui é um bocadinho ao contrário.

 

Esta ideia do mecanismo de entrada e saída a funcionar bem, é crucial para a actividade económica. Esta ideia que a gente não acerta sempre e que tem que mudar de rumo quando erra, é uma ideia muito pouco portuguesa mas muito crucial para a economia funcionar bem. Isto a propósito de mercados, e nós sabemos caracterizar muitas situações onde os mercados falham. Aliás, muito do que se faz de teoria económica, sobre política económica, tem a ver com respostas a falhas de mercado.

São necessárias algumas condições para os mercados serem eficientes e nem sempre essas condições se verificam. Essas situações onde os mercados não são eficientes (e nós sabemos os que não são eficientes) têm um baptismo que é “falha de mercado” e as falhas de mercado agrupam-se em três grandes áreas: o primeiro conjunto de falhas de mercado tem a ver com o poder do mercado. A situação que eu disse há pouco da EDP, a EDP não é “price taker”, a EDP é um monopólio. Pode tratar-se de um monopólio por ser legalmente proibido outra empresa vender electricidade, mas pode ser um monopólio porque tem economias de escala brutais uma vez que se instalou e ninguém consegue entrar e fazer concorrência.

Quer seja um monopólio natural, quer seja legal, o monopolista tem uma coisa: se ganhar muito dinheiro não atrai novas entradas. Vejamos o caso dos restaurantes, que não são monopólio: quando um restaurante começa a ganhar muito dinheiro abre logo ao lado outro parecido (não sei se repararam nisso em Lisboa) e depois fecham. Esta entrada e saída nos restaurantes é relativamente fácil. Já na produção de electricidade não é tão fácil, cada investimento são uns biliões largos (eu não faço uma central com essa facilidade). Até porque depois sair também não é fácil. Há bocado falei em monopólio mas há situações, por exemplo a Telecel e a TMN, eram um duopólio: só havia duas licenças só podiam operar aqueles dois e de facto o que é que aconteceu? Via-se que havia uma concorrência enorme (não sei se se lembram, muitos já não se lembram porque já são do tempo da Optimus) mas eu lembro-me quando apareceu a TMN em primeiro lugar e a Telecel em segundo - aliás fiz parte do júri em que a Telecel impugnou o concurso.

E ainda hoje há discussões com algumas pessoas sobre as razões porque se tomaram essas decisões. Neste duopólio os jornais falam sempre de guerras de preços e eu estou convencido que não é guerra de preços nenhuma. A prova disso é que a Telecel foi ao mercado e na primeira oferta pública de venda das acções estas valiam imenso dinheiro. Ora se valiam imenso dinheiro é porque tinha um lucro muito alto e se tinha um lucro muito alto é porque não havia uma concorrência muito forte não é? Depois com a Optimus os preços baixaram 30%. Tenho essa ideia: quando apareceu um terceiro operador aumentou a concorrência e baixaram os preços, é que os outros dois estavam, de facto, numa situação de ter lucros muito elevados.

Esta situação de ter lucros muito elevados usando o seu poder de mercado é um problema de falha de mercado, quer seja monopólio porque há só uma ou duas empresas ou um pequeno número de empresas. Tipicamente essas empresas que têm poder de mercado não estão sujeitas a uma concorrência forte para disciplinar a formação de preços e portanto, ser accionista de uma empresa destas é o ideal: eu ganho muito mas os consumidores dessas empresas têm que pagar um preço muito alto. No caso da EDP ou das Telecomunicações, o Estado, quando privatizou, criou uma entidade reguladora, nós temos a ERSE, a entidade reguladora do sector eléctrico, que agora vai regular o gás, para impedir que a EDP abuse de mim como consumidor cobrando-me uns preços mais altos do que aquilo que é razoável. E o papel da ERSE é substituir-se à concorrência para disciplinar o preço num mercado onde há monopólio e onde eu não tenho uma boa aceitação dos preços tipicamente monopolistas. O que acontece é que reduzem a actividade para vender menos quantidade a um preço mais alto, os consumidores compram menos a um preço mais alto.

O outro conjunto de situações onde existem falhas de mercado, e podem ser muito sérias, tem a ver com o que nós chamamos externalidade de bens públicos. Um exemplo típico de externalidade negativa é a poluição e aqui o ponto central é que eu tenho os incentivos errados porque eu não pago os custos todos. Quando eu tenho uma fábrica de papel e sujo o rio, as pessoas, que queriam ter água limpa, seja para efeitos de recreio, seja para qualquer actividade económica, vão ter que gastar dinheiro para limpar a água se quiserem utilizá-la.

E o custo desse outro agente económico não é incorporado na minha decisão: quando eu decido produzir mais papel, sujo mais a água, aumento os custos do vizinho do lado mas esses custos não sou eu que os pago é ele que os paga mas eu “estou-me nas tintas” para esses custos. A situação que eu enfrento não traduz todos os custos ou todos os benefícios dessa actividade em que eu estou envolvido. Portanto eu estou sujeito aos incentivos errados e faço um sobre-dimensionamento das actividades que têm externalidades negativas e faço um sub-dimensionamento das actividades que têm externalidade positiva. Um exemplo clássico da externalidade positiva é a educação.

Eu conto sempre uma história para vos dar uma ideia o que é a externalidade positiva. Rebentou um cano em minha casa uma manhã, já foi há vinte anos, depois disso já rebentou mais outro (Risos) e eu chamei o canalizador e preparava-me para deixar um papelinho escrito com o que era preciso fazer. Tinha uma pessoa que abrisse a porta, deixava a chave no meu vizinho e ele ia trabalhar essa manhã. Ele depois explicou-me que não sabia ler. Resultado, eu tive que esperar por ele e não trabalhei uma manhã. Um dos benefícios sociais de ele saber ler não era dele, era meu. Eu ganhava uma manhã de trabalho se ele soubesse ler: isto é uma externalidade. É evidente que quando eu estou a falar do balanço, se invisto mais ou menos na minha educação, as pessoas fazem um balanço se lhe convém investir mais nelas mesmas: “vale a pena fazer um curso superior ou não? Vale a pena fazer outro tipo de formação?”

É evidente que isto é um cálculo complicado porque tem a ver com o ciclo de vida. Eu tenho que perceber que ao longo da minha vida vou ganhar o suficiente, vou ter benefícios suficientes, pelo facto de investir num curso universitário e comparar isso com os custos que eu tenho nesse mesmo investimento. Mas este balanço só entra com os benefícios e custos pessoais: por outro lado, os benefícios de terceiros não entram no balanço e portanto há um sub-dimensionamento das actividades de externalidade positiva como a Educação. Daí que se justifique plenamente que o Estado subsidie a actividade da educação, na minha opinião.

Nestes casos o mercado falha, o mercado não funciona bem porque não coloca as pessoas perante os incentivos certos: ou porque não pagam todos os custos ou porque não reparam em todos os benefícios da sua actividade. Os bens públicos são um caso que depende disto. Um bem público é uma coisa tecnicamente muito precisa: os transportes públicos não são bens públicos. Bens público são os que, quando eu consumo, têm que estar disponíveis para outras pessoas: a característica é essa, não há rivalidade no consumo. Quando eu como uma laranja mais ninguém pode comer. Mas se o Exército defender o meu apartamento (que é o 2º Esquerdo), o 2º Direito também é defendido. Ou seja, se eu for mais defendido ele também é mais defendido: eu tenho que consumir defesa nacional exactamente na mesma quantidade que o meu vizinho.

O Estado português não tem tecnologia para dizer, “você não é defendido, eu só defendo o 2º Direito e não o 2º Esquerdo. Se você não pagar impostos para o exército eu não o defendo!”. Isto não é possível tecnologicamente, mas já nas telecomunicações isso existe: no “broadcasting”, a televisão, que é emitida via aérea, o facto de eu ligar a minha televisão não impede o meu vizinho de cima de ligar a televisão nem diminui a capacidade dele receber o sinal. Por isso é que a televisão não é paga através de uma taxa directa, ou seja, a SIC e a TVI não me cobram dinheiro, não têm tecnologia para me cobrar dinheiro. Eu digo-lhes: “não quero!” e eles não podem obrigar porque não são Estado - por enquanto o Dr. Balsemão não pode ir a minha casa cobrar dinheiro. Mas se eu digo que não quero consumir e depois consumir à mesma, (é só ligar a TV), isso não diminui o sinal para outros e ninguém pode detectar uma coisa dessas. Isto tem muitas características de um bem público.

Reparem que a televisão não é financiada como as laranjas onde “quem consome paga”. Não é assim. O que acontece é que eu por consumir não pago nada, levo é com publicidade em cima. Eles vendem-me um produto-conjunto de graça que tem um bem e um mal associados. E depois alguém paga o mal que me faz (os anunciantes) e eu tenho que levar com a publicidade. Ontem estava a ver um jogo de ténis que estava óptimo mas a meio levo com a publicidade e interrompo o jogo. O ser bem público é uma coisa tecnicamente muito precisa.

Os transportes públicos não são um bem público. Se eu ocupar um lugar no autocarro, a outra pessoa não se pode sentar a não ser que se sente ao meu colo e na maioria dos casos não estão interessados nisso (RISOS). Ou o sistema educativo: se eu ocupar o lugar numa escola, outra pessoa não o pode ocupar. Isto não são bens públicos. Muitas vezes a provisão do bem é pública, o que é uma coisa completamente diferente. As escolas públicas são bens privados cuja provisão é feita publicamente. Têm é muitas externalidades e portanto o mercado não funciona bem mas tecnicamente há uma diferença.

O terceiro conjunto de situações onde é muito importante perceber o que os mercados fazem, tem a ver com a informação. O exemplo mais clássico é a anti-selecção dos seguros. Tem a ver com falta de informação e em particular com as sintonias de informação do mercado. Um exemplo que explica isto: (esta história é verdadeira), há uma dezenas de anos atrás, nos Estados Unidos, existia um seguro de saúde privado para as pessoas acima de 65 anos. Esse mercado foi desaparecendo, porquê? Isso levou a que o Estado americano criasse um programa seguro para as pessoas da terceira idade, que é o “MediCare”: um programa enorme que absorve biliões de dólares hoje. Portanto, não há seguros privados e há um seguro público, feito pelo Estado.

E a razão tem a ver com a assimetria de informação: suponham que toda a gente acima dos 65 anos faz seguro e há um risco médio para a população, ou seja a probabilidade de uma pessoa ter uma doença é X, o custo de tratar a doença é Y. As companhias de seguros sabem fazer as contas e podem cobrar um prémio de seguro que equilibre a companhia. Porém a companhia de seguros não sabe onde está o bom risco e o mau risco: um bom risco é uma pessoa que tem pouca probalidade de ficar doente e um mau risco é uma pessoa que tem uma probalidade alta de ficar doente. Mas eu sei muito mais sobre o meu estado de saúde do que a companhia de seguros - mesmo que a companhia de seguros me obrigue a fazer alguns teste médicos. Portanto há aqui uma assimetria de informação: eu sei que sou um risco muito bom, (tenho óptima saúde) e que para o ano não vou estar doente de certeza.

E agora suponham que eu tenho uma informação perfeita sobre o meu estado de saúde e a companhia de seguros só conhece a estatística média da população. Aí as pessoas que são “melhores riscos” dizem: “o seguro fica-me muito caro porque o preço do seguro é feito para o risco médio da população, que é muito pior que eu, visto que eu sou um dos bons riscos e sei que não vou ficar doente. Portanto, não me compensa pagar o prémio do seguro que resultou do cálculo da probabilidade média da população”. Aí, simplesmente, não compro o seguro, não sou obrigado a comprar. A grande vantagem que o Estado tem quando vende seguro público é que obriga a comprar porque paga com impostos e aí a pessoa não se pode excluir. Se repararem, o sistema de saúde português é um sistema de seguro público financiado através de impostos: é uma maneira de olhar para ele. Isto significa que ninguém se pode auto-excluir para fora do sistema: “eu sou cidadão português, tenho este seguro quer queira, quer não queira, e pago através de impostos e não há liberdade de escolha”. No seguro privado eu posso dizer que não pago. Quando eu tenho o mercado privado a funcionar, o que é que aconteceu?

Os melhores riscos disseram: eu não quero comprar, a mim não me compensa, o seguro é caro de mais para o meu risco, eu saio fora. Quando saíram fora, sendo eles os melhores riscos, o risco médio piorou, só ficaram os piores e as companhias de seguros começaram a perder dinheiro e subiram os preços. Ao subir o preço, os melhores dos que ainda tinham ficado no seguro disseram: agora que o preço está ainda mais alto, agora sou eu que não quero e saíram. Este processo tornou o mercado muito ineficiente porque só havia uma transacção vantajosa para ambas as partes desde que as companhias soubessem quem eram os bons riscos. Vendiam mais barato aos bons e mais caro aos maus. Mas elas não podem fazer isso se não têm informação, pelo que cobram um preço uniforme para todos.

Esta assimetria de informação matou aquele mercado, isto é altamente ineficiente. O que é que aconteceu? O Estado substituiu e portanto estas assimetrias de informação são hoje uma fonte muito importante do que nós chamamos as falhas de mercado e são a origem de muita política de intervenção como por exemplo a criação do “MediCare” nos Estados Unidos que é o maior programa social americano, estamos a falar de uns biliões associados a um problema de assimetria de informação.

Porque é que eu gastei tanto tempo com isto? Porque gostava de sugerir que muito do que se deve fazer em termos de política económica, da intervenção do Estado tem a ver com a eventual correcção de falhas de mercado. Ou seja, eu acho que quando não há uma falha de mercado associado, o meu instinto é deixar o mercado funcionar. Se o mercado resolver o problema não vale a pena ir lá mexer. Agora em muitas situações económicas o mercado não resolve o problema e a pergunta é: - Devo mexer ou não? Devo intervir ou não? E a intervenção é para corrigir as consequências das falhas de mercado. Se quiserem, as falhas de mercado dão um “prima facie” para eu analisar se vale ou não a pena ter políticas económicas de intervenção nesse mercado. Sempre que há falha de mercado o Estado deve intervir? Eu acho que isto não é verdade. Aliás quero dizer que tenho um instinto bastante para o liberal e portanto, tenho muito cepticismo. Por uma razão: associadas às falhas de mercado estão as falhas do Governo.

Temos tendência a modelizar os Governos como omniscientes, omnipotentes e bem intencionados. Eu acho que os Governos não são nada disto. Primeiro, não são omniscientes, E quando há falta de informação no mercado sobre variáveis importantes, muitas vezes os governantes também não a têm. Por exemplo, a informação de quem é “bom risco” ou um “mau risco”: é certo que as companhias de seguros não sabem isso, mas o Ministro da Saúde também não sabe! Não há milagres.

Em segundo lugar: não são omnipotentes - há coisas que não podem fazer. Graças a Deus há limites àquilo que o Estado pode fazer e portanto há certas políticas que não são alcançáveis; há certas decisões que não podem fazer. Podem ser até inconstitucionais e em Portugal há coisas demais que são inconstitucionais (e acho que isso limita muito o Governo).

Em terceiro lugar, não são sequer bem intencionados, no sentido preciso da palavra. Eu acho que aqui há sempre discussão (espero não levar pancada no fim), a ideia de ser bem intencionado quer dizer isto - os incentivos políticos não estão alinhados para a eficiência económica. Ou seja, não é verdade, só por acaso é que é verdade e há um argumento que pode parecer um bocadinho cínico mas eu acho que a questão é esta: num sistema democrático os políticos que governam são os que ganham eleições. Para ganhar eleições é preciso preocupar-se com as políticas que dão votos. Uma maneira de pensar num político que é eficiente no sistema democrático é aquele que ganha eleições e portanto que tem votos. Ou seja, aquele que propõe políticas que trazem votos, só por acaso é que as políticas que traz coincidem 100% com as políticas que conduzem à eficiência económica, que são duas lógicas de pensamento completamente diferentes. E isto cria uma distorção.

Muitas vezes ganham as políticas que são “confortáveis” do ponto de vista de maximização do número de votos, e não as políticas “responsáveis” do ponto de vista de eficiência económica. Isto é uma falha de governo em termos do critério de criar um arranjo institucional que leva à eficiência económica. O mundo real é muito complicado. O Vasco Pulido Valente escreveu aqui há uns anos uma série de artigos que dizia que o mundo estava difícil. E o mundo é difícil e de facto na maior parte das situações reais o “first best”, o óptimo dos óptimos, não é alcançável. E eu, das duas uma: ou entrego a solução do problema ao mercado e tenho falhas, ou entrego a solução do problema à via administrativa e política e tenho outro tipo de falhas. E a pergunta é: em cada caso quais são as falhas que são menos custosas? Isto é um problema muito complicado de analisar hoje em dia. Mas o mundo real é assim: nem o mercado tem soluções mágicas nem a solução político–administrativa é uma solução mágica.

O mercado tem falhas de um lado e do outro também (e eu estou a incluir nas falhas do governo a corrupção e coisas desse género que distorcem muito o mecanismo da afectação de custos). Há uma palavra inglesa que é “rent seeking” a procura das rendas. A renda económica é dinheiro que é ganho porque eu tenho uma licença de importação e posso importar barato e vender caro cá dentro. É uma licença que vale muito dinheiro. Na Índia todas as actividades económicas eram dadas com licença (houve agora uma grande liberalização): importação, abrir uma fábrica, fechar uma fábrica, vender, comprar, tudo tinha uma licença, o que é que acontecia?

As pessoas que passavam essa licença, no fundo dão uma autorização para eu ganhar dinheiro. Isto aqui em Portugal é muito claro nas autarquias, quando eu dou uma licença de construção, eu permito a uma pessoa ganhar dinheiro, ou seja, a ponta da caneta de um autarca tem a capacidade de autorizar projectos, dá a capacidade de ganhar dinheiro a uma pessoa. Essa autorização não é brincadeira e sempre que eu tenho intervenções administrativas, tenho aqui um problema de incentivos complicados. Não vale a pena elaborar muito sobre isto mas muitas vezes isto pode ser um lobbying legal ou ilegal (que a gente chama corrupção).

Mas quer seja um ou outro as pessoas gastam imenso dinheiro na actividade de procurar e encaminhar para si, as licenças relevantes e todo esse dinheiro é dissipado em termos de eficiência económica. Dou-vos estimativas do Banco Mundial para países que funcionavam muito à base de licenças como a Índia ou a Turquia. Na Índia as estimativas deles é que nas actividades de “rent seeking”, (ser eu a ter uma licença e não o meu vizinho), eu vou gastar dinheiro em lobbying político para ser eu a obter a licença. E todo esse dinheiro não é produtivamente gasto porque o meu vizinho também está a gastar e só um de nós é que vai ter a licença no fim. Ambos desperdiçamos dinheiro e tudo isto somado para a economia indiana era 15% do produto.

Estão a ver que esta falha do governo pode ser uma coisa muito substancial. Se calhar eu prefiro que o mercado funcione com algumas falhas do que perder 15% do produto. Não é evidente qual é o melhor?

Tenho só mais uma coisa a dizer e é para lançar a discussão.

Não vou falar de novo de macro-economia. Uma outra distinção que eu acho que é importante ter na cabeça é o que nós chamamos de economia positiva versus economia normativa. E quando falamos de política económica, eu preciso das duas coisas. Elas são mais difíceis de separar do que pode parecer à primeira vista mas eu vou apresentá-las como separáveis e depois podemos elaborar um bocadinho sobre isso.

A ideia de economia positiva é dizer que é uma ciência, ou seja, a minha descrição dos fenómenos económicos deve ser tão objectiva quanto a descrição dos fenómenos naturais da física. E tal como na física, eu funciono com um modelo e os modelos têm limitações. Eu faço, como modelo, o comportamento das pessoas e digo, “nestas circunstâncias, se as pessoas se comportarem de acordo com este modelo, as consequências são estas”. Exemplo, o preço da electricidade sobe 10% e a quantidade de electricidade comprada baixa 6%. Isto são coisas que eu posso medir com menos ou mais precisão.

A economia é uma ciência social e infelizmente eu faço as minhas medições com muito pouca precisão porque eu não posso repetir o fenómeno. Num laboratório de física posso perceber que este parâmetro afecta aquele com uma precisão muito grande porque eu repito a experiência cinquenta vezes mantendo todas as outras condições constantes. Só vario um parâmetro, vejo o impacto e isto permite-me ter medidas muito rigorosas. É evidente que eu não posso correr a política económica americana dos anos 70 com outro Presidente que não o Reagen a fazer outra política económica e ver o que é que acontece. Não está ao meu alcance, mas isto não é característica apenas da economia: a astronomia também é assim. Eu não posso recomeçar o Universo com outras condições ambientais para ver o que é que acontece. Não é uma limitação tão característica da economia mas é uma limitação. Nós funcionamos como Deus e tentamos ter uma descrição factual tão boa quanto possível. Ou melhor, uma descrição dos acontecimentos: “quando eu subo o preço isto desce; quando eu faço aquilo acontece isto”. E tem a ver evidentemente com os agentes económicos lá metidos no meio.

A parte normativa é outra coisa, é dizer assim, eu quero fazer esta política económica; para ver as consequências da política económica eu tenho que ter uma boa teoria económica positiva, uma boa descrição dos fenómenos económicos tão boa quanto possível para eu saber prever o que é que vai acontecer. Mas depois eu posso preferir uma coisa ou outra, sobretudo quando eu entro com problemas de distribuição de rendimentos. O lado normativo na economia aparece muito pouco por aí pelo efeito na justiça social, na distribuição de rendimentos. E a pergunta é, como é que eu entro depois com julgamentos de valor que eu tenho que adicionar a uma boa descrição positiva no que vai acontecer para eu poder seleccionar a política económica que acho que é a mais conveniente. Quando eu faço uma política económica eu tenho normalmente consequências concretas e sei que esta pessoa fica melhor e aquela fica pior, isto para mim é bom ou mau, raramente toda a gente fica melhor. É óptimo tomar o poder quando a situação está muito má, com três medidas bem feitas eu melhoro a situação a toda a gente, altamente popular. O problema é quando eu já estou numa situação eficiente, significa que para eu melhorar a sorte do sujeito eu tenho que forçosamente piorar a sorte do outro, não consigo melhorar todos.

Estes três “off’s” que estão ligados de eu estar numa situação eficiente são politicamente muito mais complicados, porque eu não consigo agradar a todos. Não é possível. Tipicamente, uma política ou uma medida de intervenção económica faz umas pessoa ganhar e outras perder e eu tenho que ter alguma maneira de comparar os ganhos de uns e as perdas de outro e isto é um julgamento normativo e não positivo para decidir se quero ou não pôr em prática aquela política económica. Por exemplo: a lei das rendas que está agora a discutir-se. Quem ganha? Quem perde? Quanto? Digo que sim ou digo que não?

Eu preciso de ter uma boa análise económica para saber quem ganha e quem perde, quanto ganha e quanto perde. E depois tenho que ter uma clareza de julgamento no domínio normativo para optar por fazer ou não esta lei em função das suas consequências. Esta combinação é crucial e leva a uma coisa que aqui em Portugal se faz muito pouco (sobretudo quando há programas sociais de grande impacto). Por exemplo: o rendimento mínimo garantido. Acho espantoso que, antes de lançar o programa, não se tenha feito uma avaliação do seu impacto plausível em termos de distribuição de rendimentos. As pessoas acharam bom e fizeram. Devo dizer-vos que também sigo o meu instinto em muitas coisas, mas sou muito céptico em gastar dinheiro para redistribuição. A não ser que seja com os mais pobres, porque isto de financiar a classe média, levantando impostos sobre a classe média não faz muito sentido na minha cabeça e a maior parte dos programas sociais em Portugal são redistribuições maciças da classe média para a classe média. A vantagem de rendimentos mínimos garantidos é que faz o “targeting”: eu gasto dinheiro com pessoas mais pobres e posso tentar influenciar o comportamento delas. Mas isso tem os seus perigos (podemos discutir isso mais à frente) mas a ideia é que eu preciso fazer uma avaliação exacta para tentar perceber o que se passa e devo desenhar o sistema de maneira a recolher informação para ter uma boa avaliação “a posteriori”. E acho que devia fazer parte da lei, ser obrigatório fazer essa avaliação quando os programas têm um mínimo de dimensão.

Não se devia avançar nenhum programa, (p. ex., a obrigatoriedade do ensino pré-primário ou coisas desse género) sem se tentar perceber quais são as consequências plausíveis disso, (quem ganha? quem perde? quanto ganha? quanto perde?) e desenhar o sistema de maneira a ter um sistema de recolha de informação que daí a cinco anos me permita avaliar qual foi o verdadeiro impacto. No rendimento mínimo garantido, mudou o nome mas a lógica é a mesma. A minha pergunta é a seguinte: alguém sabe qual foi o impacto? Porque não foram criados instrumentos à partida (não estou a querer fazer política aqui). Programas deste tipo deviam ser bem avaliados e depois isso permitiria uma grande clareza normativa e as diferenças de política podem ser muito grandes.

Eu parava porque excedi o meu tempo, peço-vos desculpa. PALMAS

 

Carlos Coelho – Director da UV

Muito obrigado ao Professor Diogo Lucena por esta lição de economia política.

Vamos pedir agora a todos para fazermos um esforço de concisão para não perdermos ritmo e para que o tempo que temos disponível permita mais perguntas do que aquelas que estão previstas para os grupos. Quem vai coordenar isso vai ser o Presidente da JSD, o Deputado Jorge Nuno Sá, e eu pedia ainda que quem fizer perguntas se levante. Foi uma das reivindicações da Universidade de Verão do ano passado: os participantes querem ver-se uns aos outros. Se cada um falar sentado, vocês estão a um nível em que as cabeças cortam visibilidade. Nós vemos todos, vocês é que não se vêem.

Passo a palavra ao Deputado Jorge Nuno Sá.

 

Jorge Nuno Sá – Presidente JSD

Muito obrigado. A primeira intervenção é para o grupo verde e é a Carla Costa a colocar a primeira questão ao Prof. Diogo Lucena.

 

Carla Costa

Bom dia.

Vou começar por ler um excerto de um artigo do Diário de Notícias de Maio de 2002. Passo a citar:

“Quando os combustíveis fósseis como o petróleo se esgotarem na terra, será possível usar satélites para colher energia solar no espaço e fazê-la reflectir no sol terrestre através da tecnologia laser, Filipe Herroda da Agência Espacial Europeia diz que apesar de parecer algo de ficção cientifica é exequível. Não imaginam o preço de uma coisa destas, mas o preço do petróleo ainda não justifica a procura destas soluções”. Fim de citação.

Passados dois anos e com a economia mundial completamente dependente do petróleo deverá então a Europa procurar soluções firmes e concretas nas energias alternativas. Portugal com os seus ventos favoráveis e sol praticamente todo o ano iria reter e ao mesmo tempo exportar uma economia cada vez mais imprescindível, criando assim, uma fonte de receitas importantíssima para o nosso País.

Vamos continuar a adiar este caminho?

 

Prof. Diogo Lucena

Acho que o problema que põe, no fundo é a substituição da fonte de energia de petróleo por outras fontes de energia que não sejam exauríveis.

Lembro-me que em 1975, houve um célebre estudo feito pelo Clube de Roma, não sei se ouviram falar nisso, (eu tinha a vossa idade). Fiquei muito impressionado porque a previsão do Clube de Roma era que neste momento, no ano 2000, teria acabado o petróleo na terra, ou qualquer coisa desse género.

Acontece que as reservas de petróleo hoje, são maiores do que eram em 75. Falo das reservas exploráveis de petróleo. Nós sabemos que se a terra continuar por muitos milhões de anos e nós continuarmos vivos à superfície da terra, nós acabaremos por esgotar o petróleo. Na minha opinião está muito mais distante do que parece, não é um problema desta geração, ainda. Não sei se sabem que se o petróleo atingir um certo valor (e agora não andamos tão longe disso como parece) as reservas de petróleo aumentam loucamente. Isto porque nas rochas betuminosas do Canadá e dos Estados Unidos há muito mais reservas de petróleo do que na Arábia. Não está é na forma líquida, e por isso não é barato extrair: custa cinquenta dólares por barril, na Arábia Saudita custa dois dólares e no Iraque custa um dólar. No Iraque está ali à superfície, é só chupar com uma palhinha e aquilo vem. (RISOS)

Depois temos outras alternativas, temos os ventos, temos as marés, tecnologias que ainda são caras e que também têm os seus custos. Não sei se alguma vez estiveram num campo de moinhos de vento para fazer energia, aquilo não é tão simpático assim e portanto tudo tem custos. Tenho uma grande confiança de que à medida que nos aproximamos de uma diminuição substancial das reservas, o preço do petróleo vai subir o suficiente para induzir muito mais esforços na substituição para outro tipo de energias e nós vamos ter essa possibilidade. Isso economicamente vai acontecer porque o grande erro da previsão do Clube de Roma foi extrapolar taxas de consumo sem nunca pensar que quando um bem se torna muito escasso o preço torna-se tão alto que as pessoas vão consumir menos e portanto ele vai durar muito mais tempo e isso leva a substituir por outras coisas. Reparem que neste momento a subida do preço de petróleo nos anos 70 levou a que no mundo ocidental o consumo de energia seja hoje muito menor do que era antes. Portanto nós temos economias muito menos energias intensivas do que eram dantes e acho que isso vai continuar a acontecer.

(UM MINUTO INAUDÍVEL NA GRAVAÇÃO)

Não estamos condenados à pobreza, não sou tão pessimista.

Para Portugal é mais barato o petróleo do que fazer energias alternativas. Esta ideia de que no futuro vai acontecer uma coisa e nós começamos a dar tiros no pé e a usar energia mais cara, não me parece uma resposta adequada. Há espaço para uma energia renovável, nos sítios onde é barato fazer, onde há muito vento e não perturbe o meio ambiente e vale a pena investir em investigação de desenvolvimento para criar essas tecnologias. Mas não acho que haja vantagens na substituição imediata.

 

Jorge Nuno Sá

O segundo grupo é o grupo beje e a pergunta é para o José Pinto.

 

José Pinto

Muito bom dia.

A nossa questão continua no tema do petróleo.

A política de liberalização dos preços dos combustíveis, parece não ter resultado. Apesar do preço dos combustíveis ter descido, tem havido aumentos até aos dias de hoje e eu queria saber qual era a sua opinião sobre esta matéria uma vez que este é um tema que afecta muito a nossa economia. E também queria que tivesse em conta o facto de o Estado deixar de ter papel neste assunto. Provoca grande instabilidade na economia.

 

Prof. Diogo Lucena

Não estou convencido que a subida de preços seja devido à liberalização. O preço de petróleo subiu, era difícil que os preços dos combustíveis descessem. Apesar de tudo, por trás daquilo estão custos. Por muito liberal que seja a economia, as empresas que actuam na economia têm que pagar os custos correspondentes. É evidente que o preço do petróleo passa de vinte para cinquenta dólares por barril e é possível baixar o preço da gasolina porque eu liberalizei. Mas era preciso que as margens monopolistas fossem uma coisa espantosa para serem compatíveis as duas coisas.

É preciso um bocadinho de cuidado: a simultaneidade não quer dizer causalidade, ou seja, o facto de dois fenómenos se verificarem ao mesmo tempo não quer dizer que um seja causa do outro. O produto francês cresceu muito no tempo do De Gaule, não era a idade do Presidente francês que causava o crescimento do produto (RISOS).

Eu sou céptico quanto à ideia de que a liberalização causou uma subida de combustíveis, não é assim que leio o que se passou.

A segunda, acho que o preço dos combustíveis é muito alto em parte porque nós temos um enorme imposto sobre os combustíveis e quando o preço da base sobe e o imposto é muito alto, não vejo como é que se pode baixar o preço. Estou convencido que os preços podem baixar um bocadinho com a liberalização se houver concorrência mas a liberalização sozinha não garante a existência de concorrência.

Imaginem três ou quatro empresas que dominam o mercado. Se a liberalização do preço não permitir entrada de novos concorrentes, e se estes fizerem um conluio, então não há descida de preços. Ou seja, a liberalização não é uma receita para a descida de preços, a concorrência é. A liberalização é uma condição para a concorrência funcionar mas preciso de ter concorrência a sério para ter descida de preços. Em França aconteceu e quem desceu os preços foram os supermercados que instalaram bombas ao pé dos supermercados para baixarem os preços, atraindo clientes. Houve novas entradas. Isto leva algum tempo a acontecer, não é instantâneo mas desde que eu não proíba também. Se eu liberalizar o preço mas proibir a entrada, eu de facto não liberalizei no sentido económico da palavra. Não criei um sistema de concorrência que é o que faz puxar os preços para baixo. Se eu tenho um sítio mais barato eu vou lá e os que vendem mais caro não conseguem vender e têm que baixar o preço também. Se eu bloqueio esse mecanismo, não vale a pena.

A pior coisa que há, é eu liberalizar o preço da electricidade para a EDP mantendo o monopólio da EDP - ela não vai baixar o preço, vai é subir o preço e fico com o problema ao contrário. Aliás, criou-se a ERSE para se impedir a EDP de subir o preço. Não posso liberalizar se o mercado não é concorrencial

 

Jorge Nuno Sá

A pergunta agora é para o grupo encarnado ao Milton de Sousa

 

Milton de Sousa

Bom dia.

Antes de mais queria dizer que fiquei muito contente de saber que também é engenheiro, acho que vai gostar da pergunta que lhe vou fazer. Também sou Engenheiro e por isso esta questão diz muito respeito ao meu background e a proposta que eu fiz ao grupo foi muito bem aceite. Nós discutimos várias questões e tem a ver com a área de investigação e desenvolvimento.

Queria dar um pequeno background sobre a situação em Portugal neste momento. Muito resumidamente também para a audiência perceber um bocadinho a questão.

Neste momento Portugal tem ainda um peso de exportações ligadas às empresas de alta tecnologia bastante baixo comparado com a União Europeia. Estamos a falar de 11,2% quando a média da União Europeia é cerca de 23%. Continuamos a ter uma percentagem de investimento na investigação e desenvolvimento abaixo do 1% sendo a média na União Europeia cerca de 2%. E nessa perspectiva, sabendo também que a nossa cultura é muito aberta ao investimento em indústrias de base tecnológica de alto risco, o nosso acesso ao capital também é muito limitado. A nossa carga fiscal sobre as empresas é bastante elevada e o incentivo fiscal é muito mais orientado ao sector financeiro do que ao sector da inovação. Usando o modelo da Irlanda, um modelo de crescimento de sucesso em que há um dinamismo empresarial muito forte, a carga fiscal é reduzida e as Universidades têm um dinamismo na motivação para as empresas de alta tecnologia.

A questão é: acha que o modelo Irlandês de crescimento se pode aplicar a Portugal e, podendo, porque é que ainda não foi feito?

 

Prof. Diogo Lucena

Vou ser um bocadinho céptico em relação a um modelo que a gente importa.

O modelo irlandês funcionou por um conjunto de circunstâncias que foram específicas da Irlanda. Nós podemos pensar no modelo Finlandês que tem algumas diferenças. Eu com isto não estou a dizer que às vezes não seja mau pensar em modelos, os exemplos às vezes são bons para tirarmos lições mas a importação do modelo em si nem sempre é óbvio.

Devo dizer que para mim a pergunta é difícil. Eu tenho um bocadinho de dificuldade em pensar neste assunto. Tenho algum cepticismo sobre a capacidade do Estado em ser um agente de mudança assim tão grande. As políticas públicas que estão à disposição do Governo e que este aplica, não mudam instantaneamente as características das pessoas, nem as características da economia ou os incentivos que estão na economia! O que é facto é que, em Portugal, o Estado recentemente tem vindo a aumentar o que gasta em investigação e desenvolvimento. Com todas estas controversas (se há ou não há? se gasta mais ou se gasta menos?), a tendência a longo prazo tem caminhado para uma percentagem do produto que gasta em “R&D” que começa a não estar tão longe da meta europeia na parte pública. No sector privado é que existe pouco investimento. O tecido empresarial português não sente necessidade de “R&D” nem sente necessidade de aí pôr dinheiro. Portanto, não determina a agenda de investigação o que significa que a agenda de investigação é muito académica e muito pouco ligada à base tecnológica do país. E enquanto os empresários portugueses não puserem dinheiro na investigação, eles não vão determinar a agenda de investigação. Eu estou na Universidade, sei que estou na economia e não estou nas engenharias mas eu vejo pelos meus amigos que estão em engenharia que, mais uma vez, os incentivos são publicar um bom paper numa boa revista e isso faz-se com a investigação fundamental de ponta. Não têm um bom projecto de investigação se for uma coisa ligada à base tecnológica nacional a não ser que isso também desse um bom paper numa boa revista e fosse investigação fundamental de ponta. E portanto, as agências de financiamento de investigação pública, em grande parte, reagem às solicitações das pessoas, dos investigadores. É muito difícil gerir de uma forma centralizada a actividade de investigação, nem os soviéticos tentaram isso até ao fim. A iniciativa pessoal, a curiosidade individual, é o motor muito importante da obtenção de resultados.

A pergunta que eu me ponho a mim (e eu estou a responder-lhe com uma pergunta) como é que eu consigo alterar os incentivos para que o tecido empresarial português se envolva mais nisto?

Evidentemente que a parte fiscal é importante e há alguns exemplos. Neste momento estou ligado ao Instituto Gulbenkian de Ciência que faz investigação. Tentámos interessar uma grande indústria farmacêutica a criar cá alguns grupos de investigação. A ideia era, no mesmo campo, ter investigação mais fundamental, pessoas mais ligadas à indústria e tentar criar mais interacção, etc. Era uma forma de ocupar aquele espaço de modo útil e acho que eles traziam equipamento que podia ser utilizado pelas nossa equipas e vice versa, havia uma série de vantagens.

Eles disseram que tinham cerca de 70 grupos em Espanha porque as vantagens fiscais eram significativas e nunca tinham posto em Portugal porque não havia essas vantagens fiscais mas que neste momento, de qualquer maneira, não iam olhar para isso porque neste momento estão a olhar para Singapura e o extremo oriente. É muito mais caro aqui em Portugal do que no extremo oriente mesmo que houvesse as vantagens fiscais. Nós perdemos essa oportunidade há quinze anos quando os espanhóis os conseguiram atrair e nós não. É preciso estar atento a este tipo de coisas e eu julgo que essa parte de incentivos fiscais tem alguma importância, tem que ser muito bem pensada, muito dirigida e uma análise muito fina. Sobre esta matéria tenho algumas ideia muito específicas, muito concretas nalguns pontos em que eu estive envolvido por causa do Instituto Gulbenkian de Ciência, mas tenho algum cepticismo sobre a generalidade das minhas próprias conclusões.

 

Jorge Nuno Sá

Cabe agora a pergunta ao grupo roxo e é a Alexandra Pato que coloca a questão.

 

Alexandra Pato

Bom dia Professor, é um prazer revê-lo desde as aulas de Introdução à Micro há alguns anos atrás. O tema que vou falar hoje acho que não nos preocupa a nós directamente mas vai-nos preocupar daqui a uns vinte ou trinta anos que é o problema da Segurança Social e da sustentabilidade financeira.

Os estudos feitos no que dizia respeito à lei de bases de 2002, dizia-nos que a ruptura iria ser dada mais ou menos em 2030. Com a introdução da lei de bases de 2000 e com a vigência do valor das pensões mínimas ao valor do salário mínimo nacional, os gastos com pensões vão ser muito maiores.

Quais serão as perspectivas em termos de sustentabilidade e quais serão para nós as preocupações no futuro? Porque os sistemas de segurança social estão quase em fase de ruptura nos próximos anos, o nosso sistema de segurança social é mais recente e teríamos perspectivas da ruptura ser mais à frente. Como é que acha que vai ser o sistema de segurança social português daqui a uns anos e as nossas perspectivas de recebermos pensões e estarem asseguradas para nós quando chegar a nossa hora de reforma? Obrigada.

 

Prof. Diogo Lucena

Deixe-me só rectificar uma coisa. Fala-se muito em sustentabilidade, falência e ruptura. São expressões um bocadinho perigosas porque induzem a uma coisa: o sistema é público, se a prioridade política for essa eu acho que ele não vai à falência, não há ruptura, é sustentável. É uma questão de eu lançar mais impostos para financiar o sistema. Só que eu acho que politicamente vai-se tornar inviável, ou seja, a vossa geração já não vai gostar muito de pagar as minhas pensões e a geração dos vossos filhos não vai querer pagar de maneira nenhuma, porque vai embora metade do que ganham para pagar as pensões, caso se mantenha o sistema. É uma questão política. No fim dir-se-á: “eu estou a trabalhar e vou ter que pagar as pensões da geração anterior. Serei muito generoso ou não aceito ser muito generoso?” E julgo que vai haver uma clivagem política em termos etários nas sociedades ocidentais (em Portugal também). Quando se faz alguma literatura académica sobre o que se chama contabilidade inter-geracional, vê-se que uma pessoa que nasce hoje vai pagar uma percentagem do seu rendimento sobre a forma de impostos ao longo da vida muito maior do que na minha geração pagou. E a certa altura as pessoas vão dizer, “isso não serve porque eu ainda pago agora e recebo mais tarde”. Se calhar faço um balanço, agora a pessoa vai pagar 70% do que ganha e vai ter uma pensão pequena como é que é?

Julgo que o problema que vai haver é como é que eu distribuo os custos ao longo das gerações?

Uma maneira radical de resolver era com um sistema que era completamente baseado na capitalização. É evidente que há uma geração que paga duas vezes nesse caso e isso é politicamente inviável. A geração que está agora a trabalhar tinha que pagar a geração anterior porque já estão reformados, não têm dinheiro e tinha que poupar para pagar a sua no futuro e isto não é razoável. Quando eu quiser fazer uma transição eu vou ter que distribuir estes custos ao longo de várias gerações, na minha opinião só o Estado é que pode fazer. É muito difícil o Estado sair de grande jogador desta coisa porque a distribuição ao longo de várias gerações dos custos significa que, no fundo, foram as primeiras gerações que não pagaram e receberam e esses custos já foram enterrados e alguém os tem que pagar. A pergunta é: qual é a geração que os paga?

Eu vou ter que arranjar um mecanismo que distribuísse ao longo de várias gerações para não criar esse problema político e isso significa provavelmente que a minha geração vai ter que aceitar que recebe menos. Seja na forma de adiamento da idade da reforma ou pensões um bocado mais pequenas do que estava à espera, e que a geração a seguir também vai ter menos do que as regras do jogo parecem prometer porque vai ter que pagar uma parte disto também. Se eu arranjar um bom mecanismo para isto ao longo de três ou quatro gerações, três gerações são cem anos, a unidade de conta aqui é geração (ou seja trinta anos) e isto é muito difícil politicamente pois o horizonte dos governos é de quatro anos. Esta clivagem é um dos tais casos de falha do governo que eu falava há bocadinho. O horizonte são quatro anos mas o problema é de trinta, os incentivos não estão lá para resolver e portanto, vão-se resolver quando houver crise. É a minha leitura do que se vai passar. Acho que não é por razões económicas ou de lógica económica que vamos ter uma crise. Será por razões políticas. Nós não vamos ter condições políticas para resolver o problema enquanto não houver um bocadinho mais de crise.

Felizmente como dizia, os países europeus estão à frente nessa evolução demográfica que está a dar origem a isto e provavelmente esta crise vai aparecer primeiro noutros países e nós talvez vamos resolver o problema com um bocadinho mais de tempo mas de qualquer maneira vai ser desagradável e eu conto com menos pensão do que aquilo que está prometido nas regras do jogo actuais.

Não sei se respondi à sua pergunta mas o assunto é tão vasto.

 

Jorge Nuno Sá

Muito obrigado.

Grupo castanho e cabe ao Daniel Leite colocar a questão.

 

Daniel Leite

Bom dia. Senhor Professor, se um dia eu ou qualquer um dos meus colegas aqui presentes tiverem uma ideia de projectos e quiserem avançar com a construção de uma empresa, eu vejo na burocratização do sistema processos de tal forma complexos que acabam por paralisar todo o investimento e o processo. A minha pergunta é: quais as medidas que o professor acha que podem ser implementadas para atrair capital e empresários que, no fundo, todos sabemos são o motor de qualquer economia?

 

Prof. Diogo Lucena

Mais uma vez a resposta tem que ser dada em dois níveis.

Eu acho que a parte burocrática administrativa tem solução: é uma questão de querermos. O que acho que acontece é que as pessoas que tomam as decisões nesse domínio não querem. (Mais uma vez, podem parecer guerras de alecrim e manjerona). Acho o Direito Administrativo português a coisa mais terrível que nos aconteceu na história. É tudo proibido a não ser expressamente autorizado (RISOS) é o contrário do meu instinto, tudo devia ser permitido a não ser que fosse expressamente proibido por qualquer razão. O que aliás noutras áreas de Direito é o que funciona mas na parte do Direito Administrativo não é, é tudo proibido e, mais, as pessoas põem-se nessa posição, os portugueses põem-se nessa posição mesmo quando não é exactamente verdade. Num processo que eu conheço bem, a gestão das Universidades, a maior parte dos Reitores e Directores de Faculdade põem-se na posição de que não podem fazer nada quando, afinal, podem! É só quererem.

Nós próprios muitas vezes nos paralisamos e eu acho que muitas vezes o empresário português também se paralisa um bocadinho. Há coisas que são possíveis e não se fazem. É de facto muito mais complicado do que noutros países, isso por um lado. Por outro lado eu julgo que aquilo que o Estado devia fazer era ter boas regras de jogo e um enquadramento macro-económico estável. Depois deve deixar correr. O Estado português não sabe inventar empresários, isso está nas pessoas, mas se estas tiverem oportunidade, vão arriscar. Se for Ministro, não vou inventar nem criar empresários, não sei fazer isso. Agora, acho que há imensas pessoas em Portugal que têm vocação de empresários e se eu deixar que elas recolham a recompensa do seu esforço e do seu risco, elas vão arriscar. Sou muito optimista em relação a isto.

Acho que uma boa política macro-económica de estabilidade, regras de jogo bem definidas, simplificação das regras de jogo e simplificação do sistema fiscal são as respostas melhores que acho que podem ser dadas ao nível do governo. Depois o resto é um bocadinho o problema dos liberais, estou convencido que há esses empresários e que eles vão aparecer. Eu não os sei ir buscar não sei escolher. A pior tentação para o Estado é dizer: “eu agora vou premiar este senhor, aquele e aquele” - se as regras forem bem definidas ele é auto premiado, ele lança-se, faz, avança e fica rico no fim. Excelente.

Há muitos anos que tenho um ponto de vista. Se uma pessoa puder ser um bom empresário é o melhor serviço que pode prestar ao país, acho que é muito melhor do que ser professor, (para falar de mim), eu não sou empresário porque acho que não sabia fazer, aliás essas coisas têm genética. Eu tinha um tio que dizia que o meu problema, se me meter em actividades desse género, é que se eu fizer uma fábrica de chapéus tenho a certeza que as pessoas começam a nascer sem cabeça, só para me chatear. Eu tenho esta impressão sobre mim como empresário. (RISOS). Mas tenho a maior das admirações por quem consegue fazer. Acho que é a coisa mais útil para o País. E se a pessoa arriscar, correr riscos, não é nenhuma vergonha falhar de vez em quando.

O Estado não pode inventar essas pessoas não pode escolher essas pessoas não as pode seleccionar e portanto, não é com subsídios, não é dizer “esta indústria está muito boa, vou subsidiá-la” - se ela é muito boa não precisa de subsídio e para ser subsidiada então não é boa, portanto não os deve ter. O problema dos subsídios está aqui. Os que merecem não precisam e os que precisam não merecem. É muito difícil fazer uma boa política de subsídios. Eu prefiro que se baixem os impostos, em vez de gastarem uns milhões em subsídios e terem que lançar impostos para financiar. Baixem os impostos e deixem as pessoas funcionarem.

Eu acredito no que disse mas para isso, de facto, tem razão: é preciso simplificar este jogo e essa simplificação burocrática e administrativa não tem só a ver com os actos de formação da empresa, tem a ver depois com todas as regras de correlação com o fisco ao longo do tempo que é um autêntico pesadelo. E tem a ver com o funcionamento dos tribunais… Sei de alguns investimentos estrangeiros que não se fizeram em Portugal porque as pessoas perceberam que se tivessem um litígio não conseguiam resolver o problema a tempo, de uma forma razoável, nos tribunais portugueses, e foram para a Irlanda (estou a pensar num caso concreto).

E a razão principal não foram as leis do trabalho, foi o sistema judicial. Há uma série de coisas que aparentemente não têm nada a ver, acho que os custos por exemplo do mau funcionamento do sistema judicial da parte económica em Portugal são enormes e isto está nas mãos do Estado resolver. Mas eu gostava imenso que o Estado resolvesse os problemas e não se pusesse a dar subsídios e a escolher quem é o empresário bom e mau. O que ganhar dinheiro é bom e o que não ganhar é mau, o problema é dele.

 

Jorge Nuno Sá

O grupo azul agora, Hélder Baptista.

 

Helder Baptista

Bom dia.

Senhor Professor, hoje discute-se muito o alargamento da União Europeia para o Leste Europeu. Para países que detém uma mão-de-obra muito produtiva e promovem menores custos de produção; países que consistem um polo atractivo para a instalação da industria e um forte fornecedor de mão-de-obra. Nós gostaríamos de saber qual será o impacto ao nível de oferta de emprego para os portugueses do alargamento dos mercados de Leste e qual será o posicionamento de Portugal nos próximos dez anos? E se esse alargamento será ou não prejudicial para promover a eficiência económica no nosso País?

 

Prof. Diogo Lucena

Eu acho que vale a pena distinguir o curto prazo do prazo um bocadinho mais longo.

Se olhar para o prazo um bocadinho mais longo eu não tenho dúvidas que é benéfico. É muito difícil construir uma situação em que uma pequena economia como a portuguesa não ganha com o alargamento do mercado.

No curto prazo vai haver alguns custos de ajustamento inevitáveis porque nós vamos ter concorrência acrescida em áreas onde estamos a trabalhar. Eu não estou nada convencido de que, se os países de leste nos quiserem vender camisas muito baratas isso seja mau para nós. Eu, como consumidor, não partilho nada do ponto de vista de que seja péssimo para os portugueses o facto de se poder comprar camisas muito baratas no leste. É evidente que o que acontece é que nós não vamos fazer tantas camisas cá, as pessoas que estão cá a fazer camisas vão ter que fazer outra coisa. Eu sei que ao fim de alguns anos isso acontece.

A estrutura de emprego de Portugal alterou-se radicalmente nos últimos vinte anos. Foi, aliás, o país onde as mudanças foram mais rápidas na história da Europa. As mudanças de Portugal dos anos 60 até aos anos 90, no século passado e agora no princípio deste século foram mudanças de uma velocidade louca em termos de estrutura de emprego. Nós somos uma economia muito mais flexível do que as pessoas dizem e ajustamos com uma velocidade enorme. Nenhum país da Europa se ajustou tão depressa, começaram quarenta anos antes, (isso é outra história) mas quando o fizeram não foi tão depressa.

Não sou nada pessimista quando penso que vamos criar um desemprego estrutural por causa do alargamento. Vamos ter custos de transição, vai haver fábricas que fecham e essas pessoas vão ter que arranjar empregos de outro tipo mas a maior parte de pessoas que já está na reserva industrial até tem alguma flexibilidade.

Nós tivemos um problema muito mais complicado quando nos integrámos na União Europeia e de facto a mão-de-obra agrícola passou de 20% para 8% (e 12% desses eram pessoas com mais de 55 anos que não sabiam ler nem escrever). E esses de facto não eram reconvertíveis. Foi esse o problema que nós resolvemos.

Acho que sim, vai haver problemas: Mas acho que se tiver um horizonte um bocadinho maior, que os benefícios são muito maiores que os custos.

 

Jorge Nuno Sá

Luís Cardoso do grupo cinzento, próxima questão.

 

Luís Cardoso

Bom dia senhor professor.

O grupo cinzento decidiu colocar uma pergunta essencialmente sobre o binómio produtividade/aumentos da função pública e isto essencialmente nesta dimensão: os aumentos da função pública não deveriam estar directamente ligados ao aumento da produtividade? Não só para responsabilizar um bocado os funcionários públicos mas também no sentido de não prejudicar tanto os funcionários do sector privado, dado que 80% dos impostos como sabemos vão directamente para pagar os salários da função pública e isso acaba por prejudicar também o sector privado. E não seria um privilégio remuneratório desse sector específico dos funcionários públicos em relação ao sector privado? Porque não aumentar a Justiça Social e a equidade? Até porque através de uma responsabilidade maior dos funcionários da administração pública poderia aumentar-se a eficiência do país e aumentando-se eficiência do país, aí sim, Portugal poderia crescer sustentadamente. Crescer exponencialmente e o País poder-se-ia equiparar aos restantes da União Europeia. Escusávamos ficar um bocado a lastimarmo-nos aos novos países que aderiram à Comunidade Europeia, os referidos países de leste. A pergunta essencial era:

Deve haver uma relação directa entre a produtividade e os aumentos da função pública?

 

Prof. Diogo Lucena

Não tenho a certeza de ter percebido a pergunta num detalhe. Quando fala na produtividade, podemos estar a falar na produtividade no país em geral? Ou com a produtividade das tarefas?

 

Luís Cardoso

Quando falei da produtividade, estava a falar da produtividade dos funcionários da administração pública, pois estes podem vir a aumentar a produtividade do restante país.

 

Prof. Diogo Lucena

Das suas tarefas.

Eu julgo que esse é um problema muito mais difícil do que parece. Por uma razão: em muitas das actividades do sector público eu não tenho uma maneira muito óbvia de medir a produtividade. Há imensa coisa a fazer nesse campo.

A minha resposta vai ser basicamente sim, julgo que deve haver uma relação - mas é preciso reconhecer que nem sempre é razoável e nem sempre é possível.

Em muitas outras circunstâncias isso é verdade, eu tenho indicadores que não é tão difícil de montar que permitem perceber que um funcionário é mais produtivo que outro. Posso criar programas de produtividade, posso fazer distinções em função da produtividade mas muitas vezes eu não tenho a medição da produtividade de um serviço. E um serviço é mais complicado do que apenas a capacidade individual.

Se tenho pessoas a tratar de processos, posso ver quantos processos elas fizeram, os processos são semelhantes e é fácil comparar. Agora quando eu comparo um processo deste tipo com um processo de outro serviço é mais difícil e isso esbarra com lógicas que são muito difíceis de combater porque são restrições políticas que têm a ver com esta ideia de salário igual em todas as actividades da função pública para o mesmo nível. Se calhar vou ter que aceitar que tenho várias carreiras diferentes, vários tipos diferentes e isso é uma barreira bastante grande.

Mais perigoso do ponto de vista conceptual na minha opinião é centrar as pessoas naquilo que é mensurável em relação àquilo que é importante. Ou seja, quando eu tenho várias dimensões de tarefa algumas das quais são muito fáceis de medir e outras não são fáceis de medir, então eu estabeleço índices naquela que é fácil de medir, toda a gente se centra naquela que é fácil de medir....

(DOIS MINUTOS INAUDÍVEIS NA GRAVAÇÃO)

 

Pedro Reis Santos – Grupo Rosa (UM MINUTO INAUDÍVEL NA GRAVAÇÃO)

Como encara a distribuição da riqueza nos Estados Unidos?

É sua convicção que a Europa deve evoluir baseada no modelo económico norte-americano? Tendo em conta as assimetrias deste modelo gera , e que são conhecidas, quais as vantagens da adopção do mesmo? Obrigado

 

Prof. Diogo Lucena

Vou dar a opinião de economista que, julgo, faz um balanço entre equidade e eficiência.

 

Nós pudemos ter um sistema menos duro que o sistema americano e mantendo grande parte dos ganhos de eficiência que é possível. Acho que não é o que está a acontecer na Europa. Acho que exagerámos, o modelo europeu é suficientemente rígido em coisas que nem sequer trazem grandes vantagens do ponto de vista de equidade.

Por outro lado, nós não vamos buscar o modelo americano e trazê-lo para cá. Nós vamos, sim, pegar no nosso e mudá-lo. A direcção da mudança nalguns casos tem a ver com lições que pudemos tirar dos Estados Unidos que, aliás, é um modelo muito menos uniforme do que se julga, (uma enorme parte dos sistemas americanos são estaduais e os Estados Unidos têm cinquenta políticas diferentes em muitas coisas, são cinquenta Estados). Na Educação, na Segurança Social e em muitas outras áreas não há uma política federal uniforme. A política é feita pelos Estados, por isso não há uma experiência americana, há muitas experiências americanas. E é importante perceber que umas funcionem melhor que outras, como na Europa, onde temos vários países com modelos diferentes e alguns funcionam melhor e outros pior.

Por exemplo, aqui em Portugal há uma grande confusão quando se discute a Segurança Social e um certo endurecimento nas condições de atribuição do subsídio de desemprego. Acho que damos subsídio de desemprego a pessoas que estão pura e simplesmente a furar o sistema, e isso significa que não ficamos com esses recursos para dar dinheiro às pessoas que precisam.

O sistema nórdico, que é muito mais avançado, é muito mais duro. Lá ninguém está pendurado no sistema com a facilidade existente aqui em Portugal. A responsabilização não é incompatível com a justiça, pelo contrário, nós temos muita injustiça porque pessoas que não precisam recebem subsídios. Assim, é perfeitamente possível em muitos países da Europa - e em particular em Portugal - melhorar muito o sistema sem copiar o modelo americano. O problema não se põe assim.

Por outro lado, a flexibilidade que o sistema americano tem, dá-lhes grandes vantagens e nós devíamos tentar flexibilizar o sistema mantendo uma certa rede. O sistema americano também tem mais rede do que aquilo que se diz na Europa. Eu lembro-me, quando fui viver para a Califórnia nos anos 70, que fiquei impressionado com a rede de segurança social deles, muito diferente da que havia cá em Portugal. A facilidade com que as pessoas são despedidas ou não. A probabilidade de se estar desempregado nos Estados Unidos é menor que na Europa. O sistema é mais duro ou menos duro? Acho que é menos duro: não é a situação de ter o mesmo emprego a vida toda mas a probabilidade de estar desempregado é mais pequena pois quando a pessoa está no desemprego, o tempo é muito menor que na Europa.

Eu pessoalmente preferia isso e aceito que as outras pessoas não prefiram: tudo isto tem vantagens e inconvenientes. Os europeus escolheram ter mais tempo livre e nós temos que aceitar isso. Nos Estados Unidos ninguém faz quinze dias de férias seguidos, têm os quinze dias mas não fazem seguidos, parece mal, é uma mentalidade muito diferente. Eles também têm os seus problemas e pessoas que se penduram no sistema, mas muitos menos do que cá.

Por outro lado, em termos de estabilidade, como foi o crescimento dos anos 60, e até aos 70, a Europa cresceu tão depressa como os Estados Unidos. Porém, quando começou a haver uma mudança tecnológica grande e muito rápida, como a revolução da Internet, o sistema americano funcionou melhor no sentido de eficiência económica. E isso era de esperar: quando se tem necessidade de grandes mudanças, um sistema flexível responde mais depressa e melhor; quando não se tem essa necessidade, um sistema que dá mais estabilidade (que também é um valor económico) até é capaz de funcionar melhor.

Não tenho uma resposta definitiva e única mas sinto que nós, aqui na Europa, em particular em Portugal estamos “a cavalo” demais em direitos que são espúrios, que não são tão importantes e não contribuem tanto para o bem-estar. Talvez fosse importante fazer uma limpeza, aceitar alguma flexibilidade e enfrentar riscos.

 

Jorge Nuno Sá

A próxima questão é para o Fernando Bravo do grupo amarelo.

 

Fernando Bravo

Bom dia Senhor Professor. Tem estado na ordem do dia a questão do Pacto de Estabilidade e, mais recentemente, a sua revisão. Portugal tem passado por algumas dificuldades, constrangimentos, medidas excepcionais, que trazem inerentes alguns sacrifícios que custam a compreender ao cidadão comum.

A nossa questão, muito concreta, é a seguinte:

Em que é que o cumprimento do Pacto de Estabilidade vem realmente beneficiar o cidadão comum?

 

Prof. Diogo Lucena

O Pacto de estabilidade é um jogo com vários jogadores. Se todos cumprirem o Pacto de Estabilidade é um grande benefício para o cidadão comum. O número é 3%, mas podia ser 3,2% ou 2,8%: o problema do pacto de estabilidade ou pactos deste género é arranjar um número mágico, a partir do qual há sanções e antes do qual não há. E nunca há um número adequado. Mas a ideia é esta: há uma barreira e se todos cumprirem essa barreira, ajudar-se-á, a longo prazo, a ter um crescimento sustentado. Qualquer mecanismo do tipo “pacto de estabilidade” é uma coisa desejável. É evidente que nós somos um pequeno jogador nesta história: se todos fazem batota e nós cumprimos, nós então ficamos com o custo (no curto prazo, pelo menos), e assim conseguem explorar-nos. Há interesse para Portugal que haja algum acordo sobre estabilidade e controle de deficit em todos os países da União Europeia, mas tem de ser respeitado, senão não há acordo.

Estou convencido que as medidas duras que foram tomadas, não teriam sido tomadas sem o Pacto de Estabilidade, porque politicamente eram insustentáveis. Assim, esta insistência de uma referência externa perante a qual temos compromissos é também uma forma muito útil do ponto de vista político das medidas que devem ser tomadas de qualquer maneira. E todos os países da Europa o disseram: “a culpa é da União Europeia.”

Nós controlámos o processo inflacionário em Portugal quando as políticas ganharam credibilidade: uma política dura tem muito menos custos económicos se for credível, se as pessoas acreditarem que é mesmo para seguir a sério.

Por exemplo, as medidas anti-inflacionistas, até nós entrarmos para a União Europeia ou aderirmos ao sistema monetário europeu, nunca resultaram.

O Governo, depois de anunciar que queria baixar a inflação, tinha todo o incentivo para imprimir mais umas notas para pagar os salários dos funcionários públicos e não respeitava isso. Ora como a política não era credível, os agentes económicos não acreditavam que isso ia acontecer e comportavam-se como se a inflação viesse a ser alta, causando de facto uma inflação alta. Quando é que nós conseguimos resolver a inflação, sem grandes custos económicos? Foi quando a política anti-inflacionista se tornou credível porque tínhamos um compromisso e tínhamos que cumprir. Toda a gente acreditou que o Governo ia cumprir aquele compromisso e toda a gente alterou o comportamento, porque havia uma expectativa diferente e isso tornou relativamente barato a introdução dessas políticas.

O que me preocupa neste momento, não é tanto o facto de ter havido algumas medidas duras, mas sim o problema da sustentabilidade ou o efeito a prazo dessas medidas. Quando nós tomamos medidas pontuais, a pergunta é se conseguimos ou não obter as mudanças estruturais suficientes para que o problema não regresse nos próximos anos. A conclusão ainda está um bocadinho em aberto, ou seja, em que medida é que as reformas vão funcionar suficientemente e a tempo para não haver que tomar medidas excepcionais todos os anos. Se conseguirmos isso e se a culpa disso for do Pacto de Estabilidade, o pacto de estabilidade fez-nos bem.

 

Jorge Nuno Sá

O último grupo é o grupo laranja e é o Francisco que coloca a questão.

 

Francisco Lopes

Bom dia.

Senhor Professor, a nossa pergunta reporta-se àquilo que há pouco chamou pacto fiscal, nomeadamente a redução da taxa de IRC e aquilo que se esperaria que seria uma redução da evasão fiscal e das receitas fiscais.

Para lhe provar que gostámos imenso que tenha estado aqui e daquilo que ouvimos, vou tentar usar alguns dos conceitos com que nos brindou.

Será esta redução do IRC um incentivo suficiente?

Na sua opinião pessoal o trade-off será positivo?

Irá o mercado ficar mais eficiente com essa redução e conseguirá o Estado anular algumas das falhas de mercado?

Ou será Portugal por natureza um País de evasões fiscais?

 

Prof. Diogo Lucena

Os portugueses não são mais de evasão fiscal que muitos outros povos. Ninguém gosta de pagar impostos: eu gosto que todos paguem impostos (desde que eu não tenha que pagar) que é para o Estado poder manter os serviços públicos que me convém que existam e os outros que paguem. Acho que não é uma visão cínica do mundo, as pessoas preferem gastar dinheiro consigo próprias do que a pagar impostos.

Estes problemas são de cultura e de meio. Se toda a gente pagar impostos e se for socialmente mal visto não pagar impostos, a probabilidade de se pagar impostos aumenta, pois as pessoas aderem com mais facilidade. Sobretudo se virem que têm benefícios nisso, ou seja, se tiverem um bom sistema de saúde, um bom sistema de justiça, etc. Quando se percebe que há boas contrapartidas, as pessoas até pagam com mais boa vontade.

O problema da evasão fiscal é o de se conseguir inverter uma dinâmica: se toda a gente foge aos impostos, toda a gente se sente “parva” se não fugir também. No dia que eu conseguir controlar o processo, a probabilidade de as pessoas fugirem é muito menor. Por outro lado, havendo menos gente a fugir, os fugitivos sentirão que a probabilidade de se ser apanhado é maior. Justificava‑se muito o esforço de controlar a evasão fiscal. Gera normalmente receitas, é bom em si e permite baixar taxas de impostos.

Pessoalmente, não acho que seja de fazer o “choque fiscal” precisamente no momento em que estamos com problemas de desequilíbrio financeiro do Estado. É algo que não consigo perceber. A longo prazo é importante baixar os impostos mas sobretudo simplificar o sistema fiscal e torná-lo muito mais inteligente.

Há muita evasão fiscal e as pessoas que evadem fiscalmente têm uma taxa de imposto zero. Isso acontece porque o próprio sistema tem várias taxas de impostos diferentes: por exemplo, o IVA aplicado a vários mercados é diferente - há várias categorias de IVA – e isso é outra das ineficiências do sistema fiscal no meu ponto de vista. Sou favorável a um sistema fiscal muito mais simples, progressivo mas muito mais simples e ao qual fosse mais difícil fugir, e fazer um combate sério à evasão fiscal. Os espanhóis controlaram muito bem esse processo. Eles tinham uma evasão fiscal semelhante à nossa e hoje não têm. Foram atrás de algumas pessoas, cruzaram informação, fizeram aquilo que era preciso fazer, fizeram muito trabalho de casa. Reparem que a informação existe, mas está dispersa em vários sítios, é apenas uma questão de algum investimento com a informática, (nem é uma loucura o dinheiro de que estamos a falar).

E depois foi preciso tomar algumas medidas. Meteram na prisão alguns infractores e as pessoas começaram a perceber que era a sério e passaram a pagar. E quando as pessoas começaram a pagar, foi muito mais fácil controlar os poucos que ainda tentaram fazer “batota”. O sistema imprime uma dinâmica que, de repente, inverte a situação.

Eu acho que a evasão fiscal é uma coisa controlável, é uma questão de vontade política. Eu não faria um choque fiscal: não é o momento de baixar de repente as taxas de IRS e IRC. Faria, isso sim, a simplificação do sistema e depois uma baixa gradual à medida que se conseguisse resolver o problema do deficit. E aí, quanto menos impostos eu lançar sobre a economia, melhor. Como viram, os impostos distorcem a actividade económica e têm custos de eficiência. Preciso, de facto, dos impostos para financiar um certo tipo de actividade (não se pode, portanto, eliminá-los), mas deve-se cobrar de uma forma mais inteligente do que hoje se cobra.

Só para vos dar um exemplo de estimativas: os Estados Unidos não têm o IVA, têm o “sales tax”, que é um imposto sobre a transacção final que é estadual (diferente de Estado para Estado). Defendeu-se muito nos Estados Unidos um IVA à europeia, que é supostamente um imposto mais eficiente. Eu vi umas simulações feitas para a substituição do “sales tax” pelo IVA uniforme. De facto seria muito mais eficiente do ponto de vista económico. Porém, se fosse à europeia, com taxas diferenciadas conforme os mercados, etc, etc, o sistema americano acabava por ser mais eficaz do que o IVA diferenciado.

Ou seja, a ideia de que eu pago 5% neste mercado, 10% noutro e 20% noutro, significa que nalguns mercados há uma distorção maior porque tenho que cobrar uma taxa mais alta. Era talvez preferível cobrar tudo a 15% e nesse caso, um IVA que desse as mesmas receitas do “sales tax” americano era mais eficiente do que se o “sales tax” fosse uniforme. Se fosse diferenciado seria menos eficiente. Tenho margem para racionalizar o sistema e diminuir os custos económicos da introdução do sistema sem ter que fazer o choque fiscal que é politicamente visível mas é economicamente pouco ajuizado neste momento. Fazia, pelo contrário, uma baixa gradual ao longo do tempo.

 

Jorge Nuno Sá

Ainda temos 20 minutos até à hora de encerrar este painel e podemos colocar mais algumas questões de forma livre. Já há três interessados a colocar questões.

 

Jorge Jacinto – GRUPO VERDE

Bom dia a todos. Professor, seja muito bem vindo à Universidade de Verão. Gostei bastante da sua intervenção e queria espicaçá-lo um pouco.

Falou de uma suposta venda de uma máquina e na sua intervenção mencionou muitos conceitos. Porém eu acho que lhe faltou o “amiguismo”. Permita-me este exemplo: se eu lhe vendesse uma máquina não lhe iria vender a máquina por oitenta, iria convencê-lo a declararmos apenas cinquenta e o resto dividíamos entre nós. Entretanto ficávamos amigos porque iríamos comprar um Mercedes ao mesmo stand e até comprávamos um Renault Clio para o fiscal não nos chatear (RISOS).

A minha pergunta é esta: será que não era mais fácil baixar para algo que pudéssemos todos pagar? Insistindo na pergunta do Franscisco, não seria mais fácil estabelecer um imposto que realmente pudéssemos todos pagar? O exemplo de Espanha é um bom exemplo mas parece que aqui em Portugal nós pensamos de outra maneira: quando aparece a TV Cabo, surge logo uma economia paralela, outra empresa para vender cartões para viciar o próprio aparelho. Nós somos assim, temos que arranjar sempre um sistema paralelo. Hoje de manhã perguntavam-me: qual é a melhor maneira de se poder chegar atrasados à Universidade de Verão em vez de estarmos lá às dez? Temos que inventar uma desculpa, mas às dez cá estávamos todos.

A outra pergunta é mais séria. É sobre interioridade, até porque sou de Castelo Branco.

Será que Portugal tinha vantagens se o interior do país tivesse uma taxa de impostos mais baixa? Não iríamos então acabar com desertificação, nomeadamente com o êxodo das empresas para outros pontos e trazendo para o interior um capital industrial que faz muita falta? Muito obrigado.

 

Prof. Diogo Lucena

Começando pela primeira: o problema dos incentivos para fazer batota, existe! Acho que quanta mais intervenção do Estado mais incentivos haverá para fazer batota, como no caso de ser necessária uma licença para vender uma máquina, ou se eu tiver vantagem em fazer “reporting” de um preço errado. É evidente que a intervenção do Estado é um incentivo para fazer isso.

Eu de facto vendo a máquina por oitenta, noventa ou mais (não vendo por menos de oitenta porque perderia dinheiro). Posso escrever cinquenta mas vendo por oitenta. Por outro lado, você não está disposto a pagar mais de cem porque senão perde dinheiro a comprar a máquina. Ambos ganhamos se fizermos um preço no meio e aí não somos amigos, somos adversários directos: tudo o que eu ganhar a mais, você perde. Se o Estado entra pode causar distorções, e mais: pode matar a transacção. Como eu dizia, pode ir ao extremo de nem sequer se fazer o negócio. Se o Estado disser que quer 20 de imposto nesta transacção, se eu corromper o fiscal e só pagar 5 de imposto então estamos no meu primeiro exemplo - eu se calhar até lhe dou 2 que é para ele só me cobrar o imposto de 5.

Isto prende-se com este último exemplo que dei, se o sistema fiscal for muito complicado, ele diz que esta máquina é uma máquina daqueles bens que só paga 5 e eu consigo corrompê-lo. Mas se for sempre 15, igual para todos, ele não pode fazer isso com tanta facilidade. É evidente que quanto mais complexo for o sistema, quanto mais depender de licenças, decisões administrativas e intervenções, mais margem há para criar esses mecanismos laterais.

E não esqueçamos que os homens são o que são. Se eu desenhar as instituições para um homem novo, puro, sério, etc, eu provavelmente acabo matando 30 milhões (RISOS) porque todos os Regimes que quiseram isso mataram 30 milhões de pessoas no fim. E depois o Homem não é novo, não se porta conforma as normas que eu desejo e depois vou ter de o meter na Sibéria (RISOS), porque ele se porta mal.

É preferível desenhar as instituições para as pessoas tal como elas são (com os seus defeitos e qualidades) e depois haverá os que fazem mais batota que outros. E os que eu apanhar, ponho na prisão. Eu não acredito na ideia de que é possível mudar a natureza das pessoas: vai haver sempre tentativa de fuga aos impostos, qualquer que seja o sistema fiscal e há uns que permitem mais que outros. Nos sistemas onde a probabilidade de apanhar infractores é maior, a probabilidade de infringir é menos.

Não se deve ir mais longe que isto: quando se foi mais longe deu sempre mau resultado.

Não sou partidário da ideia de que os impostos devem ser diferenciados geograficamente. Se as empresas têm algumas vantagens em se localizaram no interior, fá-lo-ão. Por outro, julgo que é bom criar-se infra-estruturas de uma forma mais bem distribuída no território: se levava 10 horas de carro para ir a Trás-os-Montes e agora levo 3 horas e meia, isso faz uma enorme diferença sobre a probabilidade de uma indústria se poder tornar viável em Trás-os-Montes. E também diminui os custos de eu ter uma indústria em Lisboa e vender produtos a outra em Trás-os-Montes. Mas o ponto central é que as empresas localizar-se-ão onde lhes for mais vantajoso do ponto de vista económico e eu tenho é que tornar o “campo de jogos” horizontal e não inclinado. Onde ele é inclinado, devo pô-lo horizontal. Agora inclinar o sistema para as pessoas irem para determinado lado significa colocar as empresas onde é mais caro operar e eu não tenho vantagem nenhuma em fazer isto.

 

Jorge Nuno Sá

Obrigado.

São muitas as inscrições para este segundo período mas receio que não vamos ter tempo para tudo.

 

Rui Freitas – Grupo Bege

Bom dia Senhor Professor.

A pergunta que lhe queria fazer, é uma pergunta que me preocupa e diz respeito às futuras gerações: o endividamento generalizado da sociedade portuguesa e o crédito mal parado.

Nós assistimos todos os dias a notícias que nos dizem que o crédito mal parado aumenta no nosso país e o que mais me preocupa é que não é só nas famílias. São as famílias, os privados e até as autarquias estão endividadas. Depois temos o problema do poder de compra ou seja, temos de constatar que o poder de compra, a meu ver, enquanto estudante de Economia, vai estar hipotecado durante alguns anos. E mesmo nas autarquias, aquilo que as gerações futuras quererão fazer, provavelmente não vão poder fazer porque quando lá chegarem nem sequer têm recursos porque andam a pagar o empréstimo que o senhor autarca contraiu há trinta anos para fazer mais umas rotundas. E o que preocupa é que ainda por cima são bens de consumo final e não meios de produção, ou seja, não há investimento.

Gostaria de saber em que medida é que nós podemos, de futuro, solucionar esta questão que hipoteca totalmente a retoma económica e todo o futuro da estrutura económica portuguesa.

 

Prof. Diogo Lucena

Estou de acordo que é um problema muito sério mas talvez seja menos angustiado.

O problema económico central é (supostamente) terem sido feitas rotundas que não eram precisas e, no fundo, gastaram-se recursos sem benefícios. Tem razão, se eu tivesse gasto o dinheiro a fazer coisas que tivessem um retorno, a geração futura saía mais rica.

A minha geração já vos “tramou” quando fez rotundas que não são precisas e já não há nada a fazer, está feito, e para isso não há solução. Esses recursos já não os posso aproveitar para fazer outros.

O outro aspecto é o aspecto financeiro: quando eu entro em roturas financeiras eu acabo por ter ineficiências do ponto de vista da economia real. A ligação entre as duas é um problema que eu talvez possa evitar mas não estou convencido que as famílias portuguesas não estão muito endividadas comparado com o que historicamente era. Não estão muito endividadas com aquilo que se passa noutros países, por exemplo. Também não somos uns “loucos” varridos. Mas a questão toda é saber se as famílias vão ter forma de fazer face ao endividamento - “eu hipotequei a minha casa e agora vou ficar sem casa e a minha filha deixa de herdar a casa”. Isso é um prejuízo, mas não o é para toda uma futura geração nacional.

Pode haver um conjunto de pessoas incapazes de fazer face aos compromissos financeiros e portanto, vão perder bens, mas a casa continua a existir. Ou seja, se essa casa é útil e presta serviços de habitação úteis - o facto de não prestar à minha família não significa que tenha sido um desperdício como investimento. A futura geração nacional não fica mal, a pessoa que comprou a casa vai deixá-la ao filho dela.

O Rui colocou-me duas questões diferentes: para uma, a resposta é que não há nada a fazer, o recurso gasto está enterrado. Aí até sou mais pessimista do que o quadro que pintou. Para a outra sou mais optimista, se o dinheiro for bem gasto em activos que são úteis e que têm retorno, de facto pode haver uma redistribuição de riqueza devido às crises financeiras das pessoas que calcularam mal quando se endividaram. Mas isso não é um problema agregado, é um problema individual.

 

Hélio Figueiredo – GRUPO ENCARNADO

Desde já quero agradecer a possibilidade que o moderador me deu para usufruir da palavra e também agradecer toda a recepção e os meios que a organização esta a dar aos participantes.

Hoje vim a saber que há trinta anos atrás foi assinado o Acordo de Lusaka que permitiu a Moçambique ser um país independente e que alterou também a conjuntura económica do país, há trinta anos atrás.

Em 2003, com Martins da Cruz, na altura Ministro dos Negócios Estrangeiros, Portugal entendeu dar um novo impulso à diplomacia económica, não só em termos de afirmação externa, mas também no investimento estrangeiro em Portugal.

Senhor Professor, a sua sapiência deu-nos muito a conhecer hoje. Gostaria que o senhor professor pudesse fazer um balanço da diplomacia económica portuguesa nos últimos anos.

 

Prof. Diogo Lucena

Há um nível a que eu não sei responder: não conheço em pormenor o comportamento de vários Embaixadores.

Acho que o nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros não tinha uma alta prioridade na parte económica. Era pena e julgo que os outros países tinham uma prioridade mais alta e eu acho óptimo que essa preocupação seja introduzida, até porque se criou uma duplicação de estruturas nas nossas representações externas que às vezes não ajuda nada e cria enormes confusões nos sítios onde estamos representados.

Temos o Ministério dos Negócios Estrangeiros por um lado, o “patrão” do ICEP é outro, estão em edifícios diferentes, não dizem as mesmas coisas, organizam coisas ao mesmo tempo, enfim. Havia ganhos de eficiência em integrar estas coisas todas por isso acho que isso foi uma boa medida. Não sei avaliar ainda, o impacto que isso vai ter no comportamento dos nossos representantes diplomáticos, ainda é cedo para perceber se vão mudar muito de atitude ou não.

A minha geração de diplomatas não era muito sensível a isso. Acho que a geração mais nova é mais e são eles agora que estão a chegar a Embaixadores, a minha geração está a sair.

Quando se fala no investimento estrangeiro em Portugal acho que isso tem muito mais a ver com Governo do que com a representação externa portuguesa. Ou seja, tem relação directa com aquilo que se passa cá, com as regras de jogo cá dentro e com aquilo que os Ministros dizem quando os potenciais investidores vêem a Portugal. Não estou convencido que a atracção de investimentos é evidente, ou que a relação diplomática tenha importância. Facilita imenso, pode dar imensa informação, pode ajudar investidores mais pequenos lá fora a encontrar os parceiros cá, tudo isso - mas os grandes projectos já são a um nível diferente, na minha opinião.

Convinha-nos muito ter investimentos estrangeiros sobretudo com certas características e tudo o que podermos fazer para isso é bom.

 

Jorge Nuno Sá

Nuno Sousa do grupo azul.

 

Nuno Sousa

Muito bom dia a todos. A minha pergunta é sobre a produtividade e a diferença entre o sector privado e a função pública. Todos nós que estamos na política devíamos ter um gosto especial pela função pública, senão enveredaríamos pelo mundo empresarial até conseguirmos ser ricos, ou empresários de sucesso.

É no café que se reúnem os treinadores de bancada e eles não falam só de futebol, falam nomeadamente de política. Muito mais de política do que de futebol, sobretudo quando vão buscar o cartão de eleitor e têm menos notas dentro da carteira (RISOS). Aí definem o voto não pelo número de eleitor mas pelo número de notas que têm na carteira. E quando se fala de função pública fala-se de jogos de cartas, qualquer funcionário público é especialista em jogos de cartas, não tem mais nada que fazer (RISOS), e agora os mais actualizados já jogam ao solitário no computador em vez da sueca. Há uma ideia de ineficiência e de uma série de “qualidades” que não abonam muito a favor do nosso Governo, que no fundo é o patrão dessa mesma função pública que é apelidada de preguiçosa nas conversas de café.

Se muitos se dedicam a aperfeiçoar esse tipo de qualidade, eu acho que nós, esta nova geração, se deve aperfeiçoar em encontrar outros padrões de qualidade que nos aproxime mais do sector privado, que muitos apelidam de eficiência e de ter grandes gestores. Se calhar tem menos gente mas gente mais qualificada e acho que isso tem a ver com um factor muito simples. É essa a questão que quero colocar.

Será que a introdução de contrato individual de trabalho na Função Pública não resolveria esse tal problema de liderança, e desses tais 70.000 Directores Gerais não quererem gastar correctamente os recursos? O Professor foi Director de uma Faculdade e teve, concerteza, uma experiência no estrangeiro que lhe alargou o horizonte e proporcionou outro tipo de experiências. Mas nem todo o chefe de divisão, nem todo o chefe de repartição tem essa formação e poderá não gerir o seu pequeno, grande ou médio orçamento da forma mais justa ou da forma em que aplique o dinheiro público para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.

A minha questão directa é:

Quais as consequências da introdução deste contrato individual de trabalho na Função Pública e nomeadamente para as Câmaras Municipais?

Muito Obrigado

 

Prof. Diogo Lucena

Agradeço a sua introdução deste tema do Contracto Individual de Trabalho. Faz todo o sentido, e eu gostaria de ver, excepto nas funções de soberania, as leis de trabalho serem iguais na Função Pública e no sector privado. Não vejo porque é que um informático no Estado tem que ter uma lei de trabalho diferente de um informático de uma empresa. Outra coisa é um soldado ou um Juiz, aí tem que haver regras específicas porque eles estão a exercer funções de soberania, que só podem ser exercidas pelo Estado e têm que ser exercidas pelo Estado, Aí é importante criar regras diferentes.

Agora na maior parte das situações não a diferença. O que eu gostava era de ter uma fusão do sistema: haver um sistema único. Isso facilitaria muito a entrada e saída das pessoas do sector privado porque hoje em dia uma pessoa que sai da Função Pública perde uma data de direitos porque vai para o privado; e se sai do privado para o público perde uma data de direitos porque sai do privado, Segurança Social, etc. Essa diferenciação de regimes diminui muito a mobilidade e a capacidade de gerir bem os recursos.

Quando uma pessoa entra para o sector público tem que estar o resto da vida no sector público - não há nada a fazer - o que limita muito a capacidade de resposta.

Isso também é verdade no sector privado, mas muito menos.

No curto prazo, a introdução destas novidades vai trazer muito menos efeito do que pode parecer porque eu de facto tenho lá 40 pessoas que fazem pouco mas não posso ver-me livre delas. Tenho que lhes pagar o salário à mesma. Terei de as aproveitar da melhor maneira possível - é o que eu tenho e não vou meter mais 20 pessoas porque aí terei 40 mais 20. Resolvia o problema com 20 se eles fossem melhores mas não posso. Terei de continuar com 40.

A longo prazo não tenho incentivos para repetir a experiência, se ainda for Director quando eles se começarem a reformar, deixo sair três e meto apenas um que seja bom, em lugar de meter três igualmente maus. Daqui a uns anos a coisa estará melhor. Ou espero, ou faço à americana: digo às pessoas que podem ir embora porque não posso pagar os salários. As leis portuguesas não permitem. Quando se põe o problema concreto numa Câmara Municipal, o Presidente da Câmara não pode alterar a lei nacional, ele tem que a cumprir e está muito limitado nas políticas de gestão que faz.

Dar mais instrumentos ao Presidente de Câmara é bom desde que se lhe criem os incentivos certos: as duas coisas têm que ir em paralelo. Eu não posso resolver tudo mas se posso fazer uma parte, então resolve-se a parte possível. Não se deve ser fundamentalista, até porque as pessoas não aceitam mudanças tão radicais. Mas isso não é razão para não se caminhar.

Eu conto sempre este passo de uma história que li num livro francês: Um tenente chegou ao Norte de África (naqueles portos que os franceses tinham na Argélia) e disse que queria uma palmeira no meio da parada porque não havia. O sargento, que era um tipo experiente, disse: “isso não era possível porque demora cinquenta anos a crescer”. “Ai leva? Então já devia ter sido plantada há trinta!”, respondeu o tenente. A minha resposta é essa, não vamos conseguir mudar as coisas de repente, por isso tem que começar já.

PALMAS

 

Carlos Coelho

Muito obrigado.

O Jorge Nuno dá-me nota de que havia mais pessoas que queriam fazer perguntas, o Senhor Professor Diogo Lucena vai almoçar connosco e portanto aqueles que têm perguntas para fazer, sugiro que se juntem à nossa mesa e que aproveitem para falar com o nosso convidado durante o almoço.

Na pergunta do Senhor Vereador Nuno Sousa sobre os contratos da Função Pública, o Professor Diogo Lucena referiu que as funções de soberania devem ter outro salário e deu o exactamente o exemplo da defesa.

O soldado mais ilustre que nós temos é um Capitão (RISOS) e portanto eu pediria ao Senhor Deputado Gonçalo Capitão que assumisse com a Zita e o Alexandre a continuação dos trabalhos. Eu e o Jorge Nuno vamos acompanhar o Professor Diogo Lucena lá fora e eu volto aqui para vos dar apenas mais uma mensagem, a seguir ao exercício que vão fazer com os nossos avaliadores.

 

Alexandre Picoto – Conselheiro

 

Eu pedia-vos em primeiro lugar que nas vossas pastas retirassem os marcadores de avaliação. (UM MINUTO INAUDÍVEL NA GRAVAÇÃO)

 

Deputado Carlos Coelho

Como os mais atentos viram nas regras há agora uma pergunta muito simples: acham que a aula de economia com o Prof. Diogo Lucena foi útil?

Vocês vão avaliar de braço no ar a utilidade para vós (que é subjectiva) da sessão que acabámos de ter e é esse voto que vão fazer presidido pelo Alexandre.

 

Alexandre Picoto

Vamos então fazer a votação por filas por favor.

A primeira fila pode votar. Podem baixar. A segunda fila. Podem baixar. A terceira fila. Podem baixar. A quarta fila. Podem baixar. A quinta fila. Podem baixar. Muito obrigado.

 

Deputado Carlos Coelho

E pronto, temos o voto que correspondeu à vossa avaliação da utilidade do tema. Eu não vos disse mas vocês tinham a ficha já com isso. 5 significa muito útil, 4 bastante útil, 3 normal, 2 pouco e 1 nada útil.

Esta vai ser sempre a grelha das avaliações. O 5 é sempre muito bom e o 1 corresponde ao mau.

Foi-vos distribuído hoje de manhã, num envelope fechado, uma ficha de avaliação sobre o Tema Economia. Essa ficha é para preencherem, não têm de o fazer já. Quem quiser preencher já, preenche e à saída vota. O depósito deste voto é obrigatório, é um voto secreto. Como vêem, nessa ficha vão ter que avaliar o tema: a grelha é sempre a mesma, se o acharam importante, se foi interessante, se trouxe novidades - os três factores de avaliação do tema. Relativamente ao orador, se ele sabia da matéria, se transmitiu bem, em termos de capacidade pedagógica de comunicação e se gerou empatia (se vos pôs à vontade). Depois sobre os suportes, neste caso não houve suportes (nem textos de apoio nem suportes audiovisuais). Aí podem avaliar com 1.

No tempo dedicado ao tema há uma grelha própria que está explicada em baixo: votam 5 se acham que devia ser dado muito mais tempo ao tema, 4 se acham que devia ser dado mais tempo, 3 se concordam com o tempo, 2 se devia ser mais curto e 1 se devia ser muito menor o tempo dedicado ao tema Economia. Repito esta votação pode ser feita já ou durante o almoço como quiserem é um voto secreto, depositam na urna, a Lena e a Vera fazem o controle das descargas e nós vamos agora almoçar. É um serviço buffet. Quem quiser fazer perguntas ao Prof. Lucena sugiro que se junte à nossa mesa e retomamos impreterivelmente às 14h30 com o Eng.º Jorge Moreira da Silva sobre Ambiente. Obrigado e até já.