Mensagem Final
   
   
 

 

 

 

 

 

 


Carlos Coelho – Director da UV

Senhor Presidente da JSD, senhor Secretário Geral Adjunto do PSD, minhas senhoras e meus senhores se esticarem a cabeça e fizerem um esforço, conseguem ver que, ao meu lado, está o nosso convidado desta noite, prova bem real de que o povo português tem razão quando diz que os homens não se medem aos palmos. Para quem está lá ao fundo e não percebeu, o Gonçalo Capitão não gostou da referência (RISOS). O nosso convidado de hoje tem como hobby a música, sobretudo a música clássica e jazz, e a leitura. Tem como comida preferida a italiana; como animal preferido, um cão, um cão muito especial, o cão dele; o livro que sugere, é um livro fantástico “As memórias de Adriano” de Marguerite Yourcenar, talvez o único livro em monólogo que eu adorei ler em toda a minha vida; o filme que sugere “2001: Odisseia no espaço” e a principal qualidade que gosta é a verdade na generosidade face ao outro.

O engenheiro Carlos Pimenta é um amigo de longa data, conheci-o na JSD. Ele é o principal responsável por eu me ter filiado na JSD e portanto percebem a influência política e pessoal que ele exerceu sobre mim e foi um homem que ao longo de toda a sua vida, marcou um exemplo de participação cívica e de coragem, desde os tempos das lutas associativas no Técnico, aos tempos como Secretário de Estado do Ambiente, como Deputado Europeu ou como Membro do Governo, teve muitas vezes que dar provas dessa coragem, dessa capacidade de fazer face aos desafios e de não soçobrar perante os obstáculos. Mas ao mesmo tempo que é um exemplo de criatividade e de energia, é uma pessoa com uma riqueza humana fantástica, capaz da maior candura e da maior generosidade para com os outros, é um exemplo real de alguém para quem o humanismo é algo que se vive e não algo que se estuda ou que se apregoa.

E há uma dimensão no engenheiro Pimenta que poucos conhecem, excepto aqueles que tiveram a felicidade de colaborar com ele na JSD, que é não o Pimentinha das campanhas, não o Pimenta das demolições, não o Pimenta das causas ambientais, não o Pimenta que esbraceja em nome das causas em que acredita, mas o Pimenta que reflecte sobre as circunstâncias em que estamos e sobre os desafios do futuro. Aquilo que mais gostei de fazer na JSD que foi o projecto para a Juventude Portuguesa, há muitos anos atrás, bebeu muito da influência que o engenheiro Carlos Pimenta nos trouxe relativamente à maneira de olhar ao futuro.

E a nossa geração e sobretudo a vossa geração, está a ser confrontada com transições muito grandes, com mudanças. Essas são mudanças que sentimos hoje cada vez mais. E creio que, como pontapé de saída, meu caro Carlos a pergunta que te fazia para iniciarmos esta conversa nesta tua conferência ao jantar é exactamente isso: estamos perante uma ruptura civilizacional? Há uma mudança de paradigma? A palavra ao nosso convidado o engenheiro Carlos Pimenta.

 

Eng. Carlos Pimenta

Muito boa noite e é com grande alegria que estou aqui hoje, faz agora um ano que esteve aqui a minha filha, de maneira que não se vêm livre dos Pimentas (RISOS). Eu tenho realmente todo o gosto em estar aqui, até porque fiz muitos anos o caminho e o percurso que vocês fazem, até que me puseram fora, porque já fazia má figura, já andava quase de bengala na JSD.

Eu penso que esta iniciativa da Universidade de Verão é uma iniciativa fantástica, porque se há coisa que o Carlos disse e que é completamente verdade é esta: nós estamos a viver um momento em que o tempo se acelera em termos da mudança. Houve momentos assim na história, quando há 500 anos se passou de 1492 para 1520, quem tivesse nascido pelo meio, acordou com um mundo completamente diferente. E foi um momento para a nossa civilização europeia em que, de repente, se descobriu o mundo, mudou-se a comida, mudou-se a geografia, mudou-se a medicina, mudou-se a descoberta de outros continentes, de outros povos de outras culturas, para o bem e para o mal. Mas este momento agora volta-se a viver, e nós estamos num momento de fractura, de ruptura, de mudança em todos os pontos de vista.

E portanto, quem quiser ser, um “espectador comprometido da vida que vive”, (que é o título dum livro de há muitos anos dum filósofo francês, Raymond Aron), ou mais do que isso até, um protagonista, tem hoje que ter uma atenção aos sinais dos tempos, tem que ter uma sede de conhecimento, de saber, de confronto de ideias que foi sempre a definição do Homem. Hoje é condição essencial para perceber, para poder decifrar sequer um pouco o que vai acontecendo à volta.

O Jorge Moreira da Silva falou-vos da mudança climática. Eu aconselho-vos a comprar o número deste mês da National Geographic que vai ser posto à venda, eu tenho o número aqui em inglês, que tem uma descrição absolutamente fantástica. Aliás eles jogam com o nome em inglês e chamam-lhe global warning, aviso global, fazendo um jogo de palavras porque geralmente costuma-se falar em global warming, mudando apenas “global warning, boletins de um mundo mais quente”. E este número, melhor do que tudo o que o Jorge ou eu possamos dizer, está fantástico, traduz o que é que a mudança climática, (que não é apenas aquecimento, pode ser até de arrefecimento súbito nalgumas áreas), está a trazer, nomeadamente na Europa, e como é que isto vai mudar tudo: a geografia, os territórios, as culturas, a actividade económica, a saúde, etc… E com mudanças absolutamente brutais, maciças mesmo.

O Jorge falou-vos disso e não vou repetir. Comecei por aqui porque é, talvez, desde o tempo em que as pequenas bactérias, há quase 4.000 milhões de anos, transformaram a atmosfera de metano numa atmosfera de oxigénio, sem o qual nós não vivíamos hoje aqui, e que foi um fenómeno de mudança global e de mudança até de tipo de vida. A primeira vida permitida que existiu na terra em que o bio, a vida, mudou o físico, a composição da atmosfera e a partir daí das rochas, dos oceanos e tudo e permitiu a emergência de outro tipo de vida, de que nós somos os herdeiros e representantes. Portanto, desde essa altura talvez, que não havia um processo de mudança induzida pelo homem tão rápida e tão súbita.

Como disse o Jorge, com certeza, a atmosfera mudou mais nos últimos 50 anos do que o máximo da mudança dos últimos 400 mil, vivendo o mundo nos últimos 400 mil uma sucessão de períodos em que o sítio onde estamos hoje a falar, estaria coberto de gelo. E nos últimos 50 anos mudámos mais a composição da atmosfera que o máximo da diferença nos anteriores 400 mil anos.

A partir daqui as equações deixam de ser válidas. E qual é o grande problema da mudança climática, além do problema físico? É que sendo um problema de origem humano é um problema deslocalizado. Quando eu comecei nas questões do ambiente, há 20 anos, os problemas de ambiente de que se falava e de que as pessoas se preocupavam, eram os problemas locais, era a ribeira que estava poluída, era o lixo, a lixeira que cheirava mal, os porcos, a pocilga. Coisas que se viam, que se sentiam, que se cheiravam. O CO2 não se vê, não se sente, não se cheira.

Eu morei no Barreiro durante 16 anos portanto, havia uma grande concentração de indústrias químicas, lembro-me de ir para a escola com um lenço em cima do nariz, tipo cowboy, porque com a humidade baixava o nevoeiro e havia os fenómenos da condensação da poluição nas gotículas de água do nevoeiro. Isso hoje melhorou porque as indústrias faliram infelizmente, não pelas boas razões que teriam sido se as indústrias tivessem melhorado. É essa a razão pela qual hoje o Barreiro é menos poluído, mas o que é que aconteceu? Estes problemas eram locais, a fábrica de ácido sulfúrico fazia a descarga e nós sentíamos a descarga, havia a sidificação, chovia ácido, as pessoas sentiam, portanto as pessoas protestavam. No CO2, eu estou a respirar, estou a produzir CO2, um carro está a andar na rua está a produzir CO2, e o CO2 que produz é o mesmo aqui ou em Pequim ou em Brasília e o efeito que tem com a atmosfera é o mesmo.

Ora aqui entramos num problema muito complicado. É que por exemplo um país como os Estados Unidos da América, que são 2% da população do mundo, (não chega a 3%), consome 25% da energia do mundo, e polui 25% da poluição do mundo, e produz 25% do CO2 do mundo. A União Europeia não chega também a 4% da população do mundo e faz 16% da poluição do mundo. Ora nós estamos a viver sobre o paradigma da emergência da Ásia como nova região, nova centralidade da economia mundial - e é uma das coisas que falaremos mais à frente - que muda completamente os dados da equação. Tivemos durante séculos um mundo centrado na Europa em termos da inovação tecnológica, da inovação do pensamento, do poder económico, do poder militar com a sucessão dos vários impérios, romano, português, espanhol, francês, inglês, vitoriano.

Depois tudo se deslocou para o outro lado do Atlântico: o centro de gravidade passou para Nova Iorque, de Nova Iorque tem vindo a passar para o lado do Pacífico e agora do lado do Pacífico claramente está a passar para a China, está a passar para a Índia, está a passar para esses países. A China num ano, de Junho de 2003 até Junho de 2004, aumentou em 42% as suas importações de petróleo, o que faz com que hoje, seja o segundo consumidor mundial de petróleo e já passou à frente da Europa. E não tenham qualquer dúvida que daqui a 20 anos a China é o país economicamente mais forte do planeta e é imparável. E portanto nós vamos ter que saber viver com isso.

A China vai ser a maior origem de turistas, o maior destino de turistas, a China vai-se integrar plenamente na economia mundial. E atrás da China vem a Índia que é mais um bilião e 200 milhões de pessoas, que também está a passar de uma forma mais silenciosa por um processo de mutação semelhante numa economia de serviços de alguma coisa. O que é que isto leva? Um processo de industrialização maciço da China de consumo de petróleo, de carvão, de aço, isto é de tal maneira assim que os preços de todas as matérias-primas, não apenas por causa da guerra do Iraque, dispararam.

O carvão que estava há dois anos a 39 dólares a tonelada está hoje a 85. O aço duplicou, tudo duplicou porque não há fretes – eu comecei a minha vida a trabalhar nos barcos, na vida profissional, quando tinha 17 anos – hoje os fretes de granéis estão todos tomados pelas importações da Ásia, apesar do período complicado em termos económicos que se viveu nos últimos anos. Portanto, isto significa em termos ambientais que estávamos a falar há pouco, uma impossibilidade prática, é que não há planeta que seja capaz de reciclar e integrar dentro do actual sistema de equilíbrio planetário do clima, das correntes que nós conhecemos, a pressão dos países da OCDE que já cá existiam, nomeadamente os Estados Unidos da América, à qual acrescem as novas potências que estão a emergir.

E eu não falei do Brasil ou não falei da América Latina, ou do México onde também se verificam movimentos importantes de aumento de consumos energéticos e de matérias-primas e de industrialização. Portanto, algo vai ter que acontecer, sob pena de acontecer algo que surja pela porta dentro sem nós podermos tomar conta.

Eu comecei pelo clima. Não sou um pessimista, sou um optimista por natureza, e o que me causa optimismo é a dimensão do desafio, por saber que é isso que puxa por nós, os grandes desafios. Tive a sorte de viver a minha juventude no meio da revolução, quando nós fundámos o PSD em 1974, em Maio de 74, e eu que na altura não gostava nada, era miúdo, tinha 18 anos estava a estudar e a trabalhar, era da oposição ao regime antigo lá na escola, no Técnico etc.; veio o 25 de Abril, fiquei um dia satisfeito mas no dia 26 de Abril já estava na oposição outra vez (RISOS).

Foi autêntico: no dia 26 de Abril já estava na oposição outra vez, de maneira que a minha alegria total demorou 24 horas, porque se passou dum regime, (a escola cercada pela polícia com gorilas lá dentro, com todo o género de coisas que vocês nem imaginam), para outro, com alunos postos na rua com processos de denúncia, etc. etc. etc. Realmente de um clima péssimo para outro de anarquia violenta, incontrolável e violenta. E portanto foi preciso construir o Estado democrático e o Estado de Direito de raiz e foi preciso lutar por ele, com pedras, com barricadas de sacos de areia nalgumas sedes do PSD e outras macacadas do género. Felizmente isto é um País de brandos costumes e fazem-se as revoluções.

Houve 5 governos e houve as manifestações e o Pinheiro de Azevedo e o Vasco Gonçalves e isso tudo e morreram 5 pessoas. Se fosse em Espanha não teria sido a mesma coisa, se calhar. Mas o que é certo é que fizemos isto, mas é nessas altura que as pessoas são chamadas. Nós hoje somos chamados.

Quais são os principais cortes que vocês vão viver na vossa vida e que nós vamos viver e que vão mudar isto completamente? Em primeiro lugar, vocês viveram nos últimos 10 anos, todos nós, a mudança que houve nas telecomunicações. As telecomunicações e o tratamento de informação, a informática, mudaram completamente e radicalmente o nosso quotidiano, mudaram a maneira como se trabalha, a maneira como se produz, o lazer, tudo.

Imaginem há 10 anos, sem telefone móvel, sem computador, sem Internet, sem nada disto. Bem, eu vivi toda a minha vida sem nada disto. Eu comprei o meu primeiro computador em 1985 na Secretaria de Estado das Pescas, lembram-se o primeiro Macintosh que saiu? O telefone portátil em 1987, era uma coisa que pesava 5 kg e custava 700 contos na altura. Além disso, as telecomunicações estavam baseadas no pagamento de quê? Tempo e distância. Para falar daqui para a Austrália ou para o Brasil, alugavam-se circuitos e quanto mais longe mais se pagava, bem como o tempo que se falava.

Com a Internet não se paga nem tempo nem distância e eu falo por vídeo-conferência no meu portatilzinho, com uma camerazinha pequenina, com um amigo meu que está do outro lado do mar e não pago nada, é gratuito, e estou a ver a cara dele. Isto virou tecnologicamente tudo. O facto de temos informação à disponibilidade, o facto de termos o google e outras capacidades de pesquisa da informação que nos dão acesso imediato às coisas mais esotéricas que a gente queira, (não é isso que estás a pensar Carlos) (RISOS), mas isso mudou tudo.

Tudo: a tecnologia, o negócio das telecomunicações, a maneira de viver mudou por via de saltos de uma verdadeira mudança de paradigma económico motivada por uma mudança de paradigma tecnológico. Com a energia vamos viver a mesma coisa. A idade do fogo que acompanha o homem de há três milhões de anos, e o sapiens sapiens há 150 mil anos, vai ter que acabar. O homem queima para se aquecer, para se iluminar, para cozinhar os elementos e mais tarde para se deslocar, com o motor de combustão. E o planeta não tem falta de combustíveis fósseis, temos umas dezenas de anos de petróleo, de gás natural e as reservas, depende do preço a que elas chegarem, mas temos muito carvão e temos muito metano no fundo do mar, temos o suficiente para queimar para 300, 400 anos - mesmo com a China e a Índia a desenvolverem-se.

Portanto não há insuficiência. Há apenas uma questão de preço, para chegar algumas dessas reservas, nomeadamente de metano ou algum tipo de petróleo que estão em camadas já mais profundas do mar. Será mais caro, tudo bem, será o fim do petróleo barato, o fim da energia barata, mas ela existe, porque as florestas do carbonífero das centenas de milhões de anos para trás passaram muitos milhões de anos, muitas centenas de milhões de anos a carbonizar e portanto, há combustíveis fósseis, não faltarão para nós queimarmos, agora queimamo-nos com certeza é com o aquecimento global.

Portanto, por via do paradigma ambiental, eu vou ter que mudar a forma de produzir, transportar e utilizar a energia. Se é através de pilhas de combustível com hidrogénio, (que é apenas um vector, portanto, terá que ser também produzido), se é através dos prédios cobertos inteiramente de células foto-voltaicas, de eólicas no mar (não são eólicas, mas parecidas com ventoinhas a apanhar as correntes do mar), eu não sei se será por várias tecnologias - ainda na terça-feira votámos num comité de ciência de tecnologia de Bruxelas, o programa de ciência e tecnologia para a energia da União Europeia para os próximos anos até 2011 e apostámos numa palete de tecnologias. Agora eu não tenho dúvidas é duma coisa: a mudança, os carros que vocês vão conduzir daqui a 10 ou 15 anos não terão nada a ver com os carros que nós hoje conduzimos. A forma de produzir, transportar e utilizar a energia irá mudar, e provocará mudanças brutais na economia, no poder do petróleo e dos países que o produzem, das companhias que o produzem. Haverá toda uma reorganização.

Tal como há 10 anos, a Vodafone não existia ou era uma pequena companhia, ou há 15 anos: o que era a Microsoft? Há 20 anos, as maiores companhias do mundo em termos de valor em bolsa, a Microsoft, a Intel e a Cisco, pura e simplesmente não existiam. Ou eram pequenos projectos de chafaricas, de uns curiosos, como era o caso da Intel, quando inventaram o micro processador, um grupo de jovens como vocês.

Mas há mais paradigmas que vão mudar. Um segundo que está iminente é o da revolução do infinitamente pequeno: as nano tecnologias vão mudar completamente a forma de produzir e de funcionar. Os micro motores, que só se vêm ao microscópio electrónico, e a capacidade de fazer “micro” vai mudar completamente a produção dos bens, dos equipamentos, dos processos de saúde, de coisinhas que se metem dentro do corpo que vão mexer e andar até ao sítio certo e escavar o mau colesterol depositado na veia ou o quer que seja. As pessoas falam pouco disso, mas muda completamente. Eu, por exemplo, estive aqui há uns tempos na universidade de Sidney e vi uma experiência: com um pequeno sensor, obtido pela mistura de biotecnologia e nanotecnologia, tinham conseguido reproduzir a membrana celular duma célula e fazer um equipamento de análise deste tamanho, que colocado na água da baia de Sidney a 2 km atirava-se um pacote de açúcar e notava a diferença.

Ora imaginem, o que é, em termos das análises médicas, em termos das análises dos processos fabris, em termos do controlo de tudo o que precise de ser controlado, eu poder utilizar em vez de equipamentos pesados, carrinhas, laboratórios e não sei o quê, poder fazer coisas que me cabem no bolso e que me transformam completamente a capacidade de analisar a realidade.

E em terceiro lugar, a grande revolução das ciências da vida, da biotecnologia, da engenharia genética, que levam o homem aos limites daquilo que até agora era o tabu dos tabus, que era criar vida, brincar a Deus. Mas notem que, sem informática, a biotecnologia não era possível, porque toda a descodificação do genoma, tudo, é feito com um apelo maciço de milhares de milhões ou de biliões de dados de informação. Eu não tenho qualquer dúvida que para o bem e para o mal, vamos ser levados a ter que fazer uma reflexão ética sobre os limites do que é admissível e do que não é admissível.

Isto porque vamos ter a capacidade de criar vida, de modificar vida, de utilizar os processos vivos para produzir, fazer viver e isto é algo que nem o Azimov no seu “I, robot” e outros escritores de ficção científica, imaginavam quando imaginaram o “2001 odisseia no espaço”. Foi por isso que dei essa sugestão de leitura, porque estava a pensar no tema da minha intervenção.

Portanto, quero dizer-vos isto: eu comecei a trabalhar aos 17 anos. Até aos 27, 28 quando entrei na política profissional, (que fiz durante uns anos), as tecnologias não mudaram muito. O mundo da escola que eu tive e do escritório onde eu comecei a trabalhar, não foi muito diferente do mundo onde eu comecei a actuar, já não como sindicalista, como agente estudantil ou da JSD, mas como pessoa com protagonismo de fazer coisas. Quando vocês estiverem no início da vossa vida profissional ou da vossa vida cívica mais activa aos 27, 28, 30 anos, 30 e poucos, será um mundo completamente diferente. Um mundo em que a Ásia emergiu como a potência mais dominante; e diferente em muitas mais coisas, na arquitectura, economia, política, tudo. A mera escala da mudança dos números é esmagadora: mil e duzentos milhões de indianos, mil e trezentos milhões de chineses, quatrocentos milhões de chineses que se industrializaram nos últimos 15 anos.

É tanto como na União Europeia a 25. É preciso termos a noção disto, quer dizer, é preciso termos a noção disto, e esqueçamos que a China é para fazer sapatos baratos e camisas baratas. Não é. A china vai emergir como uma grande potência, o maior laboratório da Microsoft está em Pequim. Tem uma capacidade ilimitada de busca de pessoas com valor: tem milhões e milhões de pessoas com vontade de subir e de dar o salto com uma gana enorme.

Resta-nos a nós um caso complicado (que eu não vou falar aqui, porque a minha intervenção não é sobre política externa): a bacia do Mediterrâneo, que é o berço de todas as civilizações, e a África berço da humanidade. Por ironia do destino, no momento em que a humanidade se globalizar verdadeiramente, (porque globalizada ela sempre foi toda, nós pensamos que não foi, mas sempre foi). Eu chego ao Japão e vejo uma estátua do Buda, (a primeira estátua do Buda foi copiada duma estátua dum atleta olímpico grego no Afeganistão, e foi a partir daí que os budistas passaram a fazer estátuas, porque antes representavam o Buda como uma pegada numa árvore).

Portanto o mundo foi sempre globalizado, o que não era tão depressa e de uma forma tão global, tão instantânea. No mês de Agosto estive em Londres e na Biblioteca Nacional de Inglaterra estava uma exposição muito bonita, da rota da seda, (aquilo que os portugueses foram dar cabo): os camelos que vinham lá da China, da Mongólia, por aí fora, pela Ásia Central, Uzberquistão, chegavam até ao Mediterrâneo e depois os venezianos e os italianos pegavam nos bens e despachavam pela Europa e fazia-se o comércio de longa distância, que nós substituímos com as nossas navegações no século XVI. É impressionante ver a correspondência, até familiar, das pessoas, ao longo de milhares de km, de marido para mulher, (emigrava-se dum lado para o outro), do comerciante que comprava um bem no meio de guerras e de caravanas assaltadas e cidades conquistadas e de migrações.

Eu nunca mais me esqueço quando entrei no museu de Ancara onde vi as tábuas cuneiformes dos hititas há 3500 anos e vi um contrato de casamento com o divórcio incluído, no caso de haver divórcio e se houver divórcio “vai esta casa para ela e isto para ele”, e se for culpa dela e se for culpa dele e etc, etc, ou seja, um contrato completo. 1500 anos antes de Cristo!!! Voltando ao nosso tempo, aquilo que vocês vão encontrar vai ser um mundo diferente em termos geopolíticos, vai ser um mundo forçosamente diferente em termos ambientais, vai ser um mundo com uma mudança total e radical nas tecnologias e nas formas de produção.

Vocês são herdeiros de, no mínimo, 2500 anos de lutas, fogueiras e assassinatos, antes de chegarmos a um Estado de Direito. Um Estado humanista, uma democracia que, embora tenha imperfeições, respeita a vida humana, e tenta criar condições para que as pessoas possam descobrir a beleza que têm dentro de si e que promove a abertura à arte, à musica, à natureza, e nos permite fruir de todas as múltiplas vertentes da personalidade que está em potência em cada bebé que nasce. E isto não foi de borla, houve muita gente que morreu na fogueira para chegarmos hoje onde estamos. Houve muita gente que morreu na fogueira e muitas fogueiras ateadas por muitos fanáticos de muitas cores, credos, incluindo em Portugal.

E até aqui na terra onde estamos a falar, Castelo de Vide, para não ir mais longe. Portanto, como é que nós vamos ser capazes de descobrir caminhos de progresso e de liberdade, de solidariedade no presente e com a geração do futuro, nomeadamente as questões ambientais, e de tentativa de maior justiça à escala planetária, para que aquilo que nos enche a televisão em dramáticas imagens no quotidiano que temos vindo a viver, seja algo do passado e que muitas das razões do desespero e muitas das razões de fundo que permitem que o saco se encha outra vez de fanáticos, se acabe de vez?

Esse é um desafio terrível porque vocês estão num mundo hiper competitivo em que têm que ser hiper eficientes, e a eficiência com competitividade geralmente não rimam com solidariedade e com companhia. Neste mundo o maior valor é conseguir um lugar ao sol, fazer mais depressa, mais barato, melhor, com maior penetração dos mercados (Portugal tem que também entrar nessa guerra mais a sério do que ao que tem entrado). É um desafio terrível mas ao mesmo tempo fantástico, aquele que vocês têm pela frente. E não se consegue de outra maneira, senão individual e colectivamente: por um lado a pessoa tem de ter uma grande fome e uma grande sede de viver e de saber, e por outro lado, descobrir em si que há uma enorme recompensa por dar algum tempo de generosidade a causas colectivas e ao outro de uma forma geral (seja um movimento político, seja um movimento cívico de qualquer ordem). E no fundo se posso dar-vos esta mensagem: é que isto é possível fazer. A sociedade portuguesa conseguiu fazer (e fazer bem) em dois momentos da sua história. A seguir tivemos dois séculos em que fez muito mal, e tem feito muito mal.

De uma forma genérica, por incapacidade de organizar sistemas complexos, por uma tendência de cada um “safar” o seu, falando em português corrente, por falta de persistência no tempo, por ódio aos procedimentos e às rotinas, que são chatas, que são aborrecidas, por falta de disciplina etc.

Eu vivi três coisas extraordinárias na sociedade portuguesa - e com esta termino porque é uma nota de optimismo. Muitas vezes me dá vontade de voltar a migrar. Eu vivi 12 anos lá fora e 10 vezes por semana penso fazer as malas e “zarpar”, como dizia o Zé Afonso há 25 anos. Mas ao mesmo tempo, depois redescubro a vontade.

Vivi três coisas extraordinárias na sociedade portuguesa. A primeira: vivemos uma revolução, ao fim de 50 anos de apatia, porque o nosso regime não foi fascista, o nosso regime foi um cobertor em cima do País. Faltou-lhe o lado heróico de transformação e de brutalidade maior que teve o franquismo (que foi protofascista mas que mudou a Espanha). O nosso foi um regime que pura e simplesmente não queria a industrialização, que não queria progresso, que não queria a escolaridade, queria um país parado no tempo que saldava as suas contas com 100 mil imigrantes por ano, e esta é a verdade, não sejamos meigos, porque não há que ser meigo.

Vivemos essa transformação e fizemo-la e construímos um Estado de Direito com o esforço de todos e de muita gente, em paz e com o mínimo de vítimas e não foi fácil. Vivemos processos em que a luta entre os dois blocos antagónicos, da altura, estava ao rubro com os partidos comunistas com votações de 30% na Itália, de 22% na França, e emergente potencialmente na Espanha, e em que havia a doutrina Kissinger - bem conhecida, aliás, nas suas memórias - em que ele preconizava que Portugal devia deixar-se ficar no Vasco Gonçalves para servir de vacina de imunização aos outros países do arco do Mediterrâneo da Europa. Éramos uma espécie de vacina para os outros, o caos daqui servia para os outros não fazerem o mesmo caos, nomeadamente a Espanha. Essa doutrina existiu e nós sofremo-la na pele.

A segunda: soubemos receber 1 milhão de pessoas num ano sem governo, (tivemos 5 governos, ou seja não houve governo), sem traumas maiores num fenómeno de uma beleza extraordinária, de uma beleza extraordinária, os mais velhos lembrar-se-ão do Ritz com as cuecas à janela a secar.Tudo quanto era hotel, pensão, colónia de férias, o que quer que fosse, recebemos 1 milhão de pessoas. Éramos 9 milhões, os franceses eram 40 milhões na década de 50, receberam 1 milhão de pessoas vindas da Argélia, e ainda hoje têm o Le Pen e têm as comunidades anti Le Pen. E nada daquilo ainda se resolveu. Nós recebemos 1 milhão e aqui chegaram e aqui se integraram e não havia Estado e não havia governo e foi a generosidade das pessoas, das famílias, as cadeias de solidariedade, foi uma coisa de uma beleza extraordinária, comovente mesmo.

A terceira foi quando nós tivemos no maior caos económico verdadeiro, a série de salários em atraso, em que ninguém pagava a ninguém, a EDP não recebia, a segurança social não recebia, ninguém pagava a luz, a água. As pessoas iam trabalhar, sem receber salário. No distrito de Setúbal havia 65.000 salários em atraso, no programa de emergência em 1985 nós dávamos de comer a 25.000 crianças que recebiam o pequeno-almoço, o almoço e um lanche às 4 da tarde antes de irem para casa, porque não tinham de comer em casa. Isto em 1985 foi há 19 anos.

E nós conseguimos no dia 1 de Janeiro de 1986 entrar na União Europeia em pior estado económico do que vários dos países do Leste que agora entraram e respondemos ao desafio e os primeiros 6, 7 anos são brilhantes, são brilhantes os primeiros anos. Depois começámos a andar para trás. Mas a recuperação de 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92 é extraordinário, respondemos ao desafio, fomos capazes de modernizar, fomos capazes de ter garra, vocês não viveram isso, há 19 anos. Não imaginam o que era o desespero em que as pessoas viviam em termos económicos, numa economia que era toda Estado, os bancos eram todos do Estado, os transportes eram todos Estado, era tudo Estado, e estava tudo falido, a EDP estava falida, estava tudo falido. Portanto era uma situação de catástrofe, só um louco é que pensaria que nós poderíamos ganhar o desafio de entrar na União Europeia e entrámos.

Aliás, eu não resisto a contar uma anedota que se passou nessa altura, porque foi um Governo na altura de coligação, era o Mota Pinto o Presidente do PSD, e depois foi o Rui Machete e depois foi o Cavaco Silva. Eu conto esta anedota porque é verdadeira e porque a vivi: no dia da assinatura, que foi a 12 de Junho de 85, no jantar oficial em Belém, nos Jerónimos, a certa altura o chefe do protocolo vai ter com o Mário Soares, que era Primeiro-Ministro, e diz assim: Oh Sr. Primeiro-Ministro está ali um marrequinho a meter a prata do serviço de Estado no bolso.

O marrequinho era o Giulio Andreoti, Primeiro-Ministro da Itália, que era cleptomaníaco e o Soares volta-se para o chefe do protocolo, (eu devo dizer que dei uma grande gargalhada), e diz assim: “deixe estar, o que ele acabou de assinar pagou a prata toda do País” (RISOS). E é verdade, mas nós temos que ter a noção do seguinte, meus amigos, nós soubemos responder, mas temos vivido uma situação artificial, temos recebido por ano mais de 3 mil milhões de euros líquidos de Bruxelas e outro tanto dos nossos emigrantes, ou seja são 6 mil milhões de euros, 1.200 milhões de contos em dinheiro antigo, são 4 milhões de contos por dia de dinheiro gratuito, de dinheiro que chega aqui a Castelo de Vide e com isto a família se é dos emigrantes, repara a casa, compra um carro, põe a senhora de idade no lar, faz uma operação, manda o miúdo estudar e a Câmara Municipal faz o esgoto, faz a estrada, faz a obra.

Nós temos estado a receber 4 milhões de contos por dia de borla desde 86, entre Bruxelas e os emigrantes. Isto não é vida, e é vida que acabará também, nos próximos 10 anos ou que vai diminuindo progressivamente. Portanto, eu termino com esta palavra (UM MINUTO INAUDÍVEL DE GRAVAÇÃO).

E portanto chegou a hora, de outra vez, com garra e com criatividade e sabendo que estamos a viver o período de maior explosão cientifica, tecnológica, económica de globalização de tudo ao mesmo tempo, de sabermos agarrar o futuro com as nossas mãos. Muito obrigado. (PALMAS)

 

António Santos (grupo encarnado)

Muito boa noite a todos os senhores membros da mesa, muito boa noite ao engenheiro Carlos Pimenta, muito boa noite a todos os meus colegas aqui presentes. Gostaria de começar com a nossa primeira pergunta, do grupo vermelho. Como já foi referido, relativamente à implementação de empresas de energias renováveis, gostaria de perguntar ao Eng. Carlos Pimenta quais são os incentivos previstos para o recrutamento e captação dos quadros técnicos locais para as novas empresas associadas às energias renováveis?

 

Eng. Carlos Pimenta

Olhe, eu até lhe digo, nem era preciso nenhum incentivo. O que é preciso é que o País tenha uma política energética, coisa que não tem tido. O país é rico em energia, não é pobre em energia, a energia é um macrossistema, e sendo um macrossistema dá uma ideia da eficiência ou da não eficiência do País. Portugal está em situação de emergência energética, estamos a importar 90% da energia que consumimos, repito, 90% da energia que consumimos. Este ano a conta vai chegar aos 5 mil milhões de euros, mil milhões de contos. É uma brutalidade, temos a pior taxa de execução de utilização dessa energia da União Europeia a 15. E no entanto, temos sol que chegue e não se fazem painéis solares nas casas nem para aquecer água.

Fizemos mil casas o ano passado, a Grécia fez 45 mil casas, a Áustria fez 42 mil casas e não tem sol ou tem pouco. A Dinamarca fez mais do que nós, (para dar exemplo de países da nossa dimensão). Vento: eu dirigi a construção de um parque eólico que começou a funcionar a semana passada, demorou 5 anos e 3 meses a licenciar e 9 meses a construir, utilizando a tecnologia mais moderna que há no mundo. Temos água, temos litoral, temos biomassa, temos geotermia nos Açores e temos muita ineficiência para buscar, muitos “megawats”: casas que se forem bem construídas consomem 2/3 menos da energia do que as casas normais que estão aí no mercado e há casas e até prédios de 14 e 15 andares em Lisboa, bem construídos, que consomem isso. Não é teoria o que estou a dizer.

Investir nas energias renováveis ou no controle da poluição é sempre a mesma equação: custos de investimento em vez de custos de funcionamento, com uma diferença, porquê custos de investimento? Eu se quiser ter água quente solar para tomar o duche tenho que pôr lá o painel solar, ou seja, tenho que pôr lá massa cinzenta, porque nem todos os painéis servem para todos os sítios, tenho que o orientar bem, pôr bem o depósito, fazer aquilo tudo bem feito. Se fizer isto mal feito, tenho dois problemas: gasto o dinheiro e tomo o duche frio.

Se eu fizer o convencional, ponho um esquentador e pago o gás. Pronto não tenho mais problemas, e o país está todo a viver assim. Portanto, se nós apostarmos nas energias renováveis, e o mesmo é válido para o ambiente, nós estaremos como a Espanha, que tem 40.000 pessoas a trabalhar em energia eólica. Investiu no ano passado 300 milhões de contos em novos equipamentos, 1.500 milhões de euros. Nos últimos dez anos pôs a funcionar 7.500 mil milhões de euros, 1.500 milhões de contos. Números extraordinários, números extraordinários. A Galiza fez mais o ano passado em energia eólica do que nós nos últimos 15 anos juntos. A Galiza, com incorporação galega de 800 pessoas e 3.000 pessoas a trabalhar na indústria. Nós pagamos aos Árabes.

Resultado: apostar nas energias renováveis, apostar na conservação de energia, é economicamente cheio de sentido, porque são tecnologias que nós podemos, em grande parte, fabricar em Portugal. A Galp tem centenas e centenas de painéis solares em armazém, porque é a dona da melhor fábrica portuguesa de painéis solares, e nem sequer as escolas são feitas com painéis solares, ou os ginásios, ou as piscinas. Não pode ser. O Governo aprovou em Agosto, e diz que em 60 dias põe cá fora, um programa para as energias renováveis. Eu ofereci-me imediatamente para ajudar nisso e como eu, muita outra gente que trabalha nisto porque temos técnicos que são capazes de fazer.

Nós podemos criar milhares de postos de trabalho, não preciso de incentivos, preciso apenas que se valorize como deve ser os vários componentes, incluindo o componente da poluição. Dentro de duas semanas espero poder apresentar ao Ministério da Economia e ao Ministério do Ambiente, um conjunto de soluções com uma série de gente que trabalha nos renováveis: 3 estudos de fundo feitos por 3 equipas diferentes, sobre a economia das renováveis mostrando que o País pode investir, deve investir.

Se não quiser entrar em incumprimento de Quioto e das directivas europeias, deve investir qualquer coisa como 4 mil milhões de euros daqui até 2010. São 4 pontes Vasco da Gama, são 120 estádios de futebol do Euro. Isto agora é com estádios de futebol que se mede (RISOS), havia os pesos e medidas, na Revolução Francesa acabou-se lá com os canteiros e os hectómetros e passou a ser o metro, o litro, o quilo, cá nós medimos isto em estádios. De maneira que são 120 estádios e com isto satisfazer qualquer coisa como 9 terawatt/hora, 10 terawatt/horas de energia eléctrica por ano, o que significa aproximadamente 1 bilião de euros de valor de electricidade produzida por ano.

 

Rui Fernandes (grupo roxo)

Boa noite a todos. Uma notícia do “Público” do passado mês de Agosto cita o engenheiro, quando diz que Portugal não tem uma política energética. O que é que poderemos fazer para que seja possível avançar na prática, nesta matéria?

 

Eng. Carlos Pimenta

Isso é uma pergunta que nos dava para a noite toda com muito gosto. As pessoas podem fazer muito. E podem fazer a todos os níveis. Podem fazer lá em casa, indo ao Aki, ao Continente ou lá onde quer que seja e comprarem lâmpadas de baixo consumo, para começar. É uma primeira medida. Uma segunda medida é, a não ser em casos médicos extremos, não ter ar condicionado em casa. E quando a casa tiver obras, pôr vidros duplos, procurar isolar um bocadinho.

Se forem umas obras maiores, ver se é possível ter uma entrada de ar frio a norte, uma saída de ar frio a quente, para ter um bocadinho de arejamento natural, etc. Se a pessoa tem uma influência num clube de futebol, numa autarquia, numa instituição qualquer que seja, numa misericórdia, numa escola, procurar que essa escola, esse estádio, essa biblioteca, esse bloco de apartamentos seja construído com critérios bioclimáticos. A escolha de materiais, a escolha de orientação, a circulação do ar, a iluminação, o aquecimento, o arrefecimento, com 5 a 7% de investimento a mais, poupa entre 75 a 70% em casas de habitação, entre 76 a 60% em edifícios públicos.

Ar condicionado em Portugal só se justifica em salas, como esta em que estamos aqui agora, em que haja uma enorme concentração de pessoas durante um espaço muito curto. E mesmo assim, dêem isso de barato. O resto não se justifica. E no entanto os picos de consumo de electricidade hoje em dia, em termos de aumento percentual, verificam-se no Verão e não no Inverno.

Portanto, pode fazer, como consumidor em casa, quando vai comprar um frigorífico, olhar as estrelas e ver a classificação A, B, C, D, não sei quantos; quando vai comprar um apartamento, uma pessoa que comece a vida, vai pedir um empréstimo ao banco, nunca ninguém pergunta quais são os consumos que a casa vai ter, ninguém pergunta.

É que se o tipo não investiu e meteu aquecedores eléctricos, vocês já pensaram o seguinte: eu estou a importar carvão para Sines, ou a importar gás natural lá para cima para a Tapada do Outeiro… Estou a importar carvão, vem o barco, descarrego o barco, ponho o carvão, portanto, estou a gastar energia, energia mecânica, transportes, depois atiro o carvão para dentro da fornalha da central térmica da EDP, fogo, transformo aquilo em energia térmica. Depois aquilo faz o quê? Ferver a água. Passa a água a vapor. Portanto mais uma transformação. Depois o vapor fica com pressão faz andar uma turbina, portanto outra vez, energia mecânica. A energia mecânica é transformada em corrente contínua. A corrente contínua é transformada para a alterna, de alta tensão para ser transportada. Só nas linhas eléctricas perde-se 12,8% da electricidade gerada em Portugal. Nos outros países perde-se 8%. A Central do Carregado a trabalhar 24 horas por dia, não dá para as perdas. E depois o que é que vocês fazem em vossa casa?

Ligam o radiador para se aquecerem a 21 graus. É um crime. Paguei 4 toneladas de carvão, para 4 quilos de carvão, 4 metros cúbicos de gás e utilizei a energia útil de 1. Ou seja, 27%. Os outros 3, é como dizia o Pinheiro de Azevedo, “é só fumaça”, porque é só fumaça. Paguei 4, 4 toneladas de carvão a 85 dólares a tonelada, quando nas contas para a formação da tarifa, está contada a 39, esperem pelo aumento, 4 metros cúbicos de gás natural, e depois andei a passear com ele, a queimá-lo, a transformá-lo, para depois me aquecer a 20 graus. Isto faz sentido? Só um país rico.

Aliás o mesmo se passa com a água. Eu uma vez vim de Bruxelas, pedi uma audiência ao Prof. Cavaco Silva, dávamo-nos muito bem e ele achava-me piada, eu voltei-me para ele, entrei na sala dele, cumprimentei-o e disse: “Senhor Professor, o senhor é Primeiro-Ministro num país muito rico!”. “O que é que você quer dizer com isso, oh Pimenta?”, “O que é que eu quero dizer com isso. Então você já viu, senhor Professor, vai buscar água a Castelo de Bode, que está a mais de 100 Km de Lisboa, transporta-a à conta de energia, trata-a quimicamente, trata-a bacteriologicamente, tem uma estação de tratamento na Asseiceira, outro em Lisboa, tem uma frota de gente de bata branca, obedece aquela água a 70 parâmetros de qualidade, bacteriológicos, físicos, químicos, etc., etc. e depois lava ruas, apaga fogos, lava carros, lava barcos, rega jardins com essa água?! Só um país muito rico é que pode fazer isto com água que custa 100 escudos por metro cúbico. Um país pobre não pode”. Mas é o que está a acontecer?

Nós estamos a fazer isto tudo com água que obedece aos critérios de qualidade da União Europeia. Na maior parte dos concelhos a perda de água nos canos, é superior a 1/3 e nalguns casos a 40%. Água a 100$00 o metro cúbico. Para além de regar, de apagar fogos, de lavar carros, lavar barcos, lavar isto tudo, também serve para regar o subsolo. Só um país rico. Estamos outra vez na mesma. Custos de investimento versus custos de funcionamento.

Qual é a coisa interessante a fazer com os custos de investimento? Os custos de investimentos muitas vezes fazem-se como o emprego em Portugal. Porque se eu faço uma aerogeradora, eu fiz metal, fiz pás, fiz geradoras, fiz electrónica. Para produzir o quê? Para produzir electricidade a partir do vento. Se eu queimo o carvão em Sines, o que é que eu fiz? A turbina vem lá de fora e o carvão também. Comprei 4, queimei 3, que perdi, paguei os 4, para as contas do Jorge Moreira da Silva, de Quioto, e quem cá estiver em 2008, no Ministério do Ambiente e no Ministério das Finanças. Eu quero saber quem é que vai pagar a conta dos certificados, porque as modelizações matemáticas feitas pelo meu grupo de investigação diz-me que neste momento Portugal está numa infracção potencial - não sei se ele o disse aqui - entre 100 a 300 milhões de euros/ano de certificados de poluição de selo 2 para comprar, que é mais uma pura saída de divisas, sem qualquer entrada. Quer dizer, compramos o carvão, queimamo-lo para o ar e depois a seguir vamos pagar os direitos para queimar esse carvão, é brilhante. É uma equação brilhante.

 

Luciana das Neves (grupo castanho)

Boa noite. Ainda nas energias renováveis. Sendo Portugal um dos Países com maior potencial energético ao nível das ondas e das marés, como avalia a possibilidade de aproveitamento destas energias renováveis, destas fontes, também em face das experiências já realizadas?

 

Eng. Carlos Pimenta

Eu, as marés não apostava nelas, porque há duas grandes barragens de marés que conheço pessoalmente e depois há outras, uma na Holanda e outra no norte de França, em que a diferença de amplitude entre a maré alta e a maré baixa é grande, é maior do que aqui. Apesar daqui também ser razoável. Mas implica obras de engenharia civil maciças. Na prática estamos a fazer uma barragem no mar. É maciço.

As ondas já são outra coisa.

Se me falarem neste momento em energias renováveis, é assim: em casa de cada um, o solar térmico é uma obrigação. Sobretudo para quem vive em vivendas e tenha um telhado virado a sul. E estudem bem o problema, porque se calhar não vale a pena sequer estar a fazer estruturas metálicas complicadas, porque a casa fica feia e perde-se alguma coisa na inclinação. Perde-se 5 ou 10% na eficiência, mas fica colada ao telhado, desde que o telhado esteja virado a sul e “está a andar” e funciona. É tecnologia provada e a tecnologia portuguesa até é excelente. Eu diria, até é boa demais, porque levaram longe demais o aumento da temperatura da água e se eu quisesse ser um economista ultra rigoroso, o painel solar australiano ou israelita faz uma transformação mais económica, porque não leva tão longe o aproveitamento do sol, mas em compensação é mais barato. Mas a tecnologia portuguesa desenvolvida por uma equipa portuguesa do Técnico e do LNETI e fabricada pela GALP, é excelente. Posso fazer publicidade. É empresa grande e grande parte do Estado é a “Ao Sol”. É um must.

Para quem tem lareiras em casa e vive no campo, pode-se melhorar extremamente a eficácia da combustão através das ditas salamandras ou de lareiras ligeiramente fechadas e depois fazer qualquer coisinha para aproveitar o ar quente para poder aquecer a casa, ou o chão.

Para produzir electricidade as duas tecnologias que hoje são altamente económicas, rentáveis, que não são protótipos, que são de combate, digamos assim, é a hídrica e a eólica. A hídrica tem menos sítios para se fazer hoje em dia, porque as grandes barragens que havia a fazer, (umas melhores outras piores), estão feitas na sua generalidade. A eólica é a grande aposta que no futuro, no futuro não, no presente, pode dar muita quantidade bruta de energia. E estamos a falar em 8 a 9 terawatts/hora até 2010. O consumo no ano passado foi 43 terawatts/hora, para terem a noção dos números. Consumimos 43, em princípio em 2010 vamos consumir 60 terawatts/hora. A União Europeia impôs-nos, com o nosso acordo, um tecto, um objectivo de 39% destes ditos 60, serem feitos a partir de renováveis, ou seja, as barragens que já existem mais as eólicas a fazer. Mas hoje com o atraso que já levamos, é impossível chegar aos 39%, é a minha opinião pessoal! Portanto, vamos ter problemas com Bruxelas antes de 2010, quer a nível do CO2, quer a nível de energias verdes, mas podemos fazer uma aposta maciça no eólico.

A geotermia que já hoje faz um 1/3 da electricidade de S. Miguel ainda tem mais algumas potencialidades para dar. A biomassa tem que ser revista. Tem potencialidades para dar, a biomassa. Tem que ser melhor feita do que foi feita no passado, são processos mais complicados porque é preciso gerir, durante o tempo, porque enquanto que o vento, o sol e as ondas é a natureza que os dá, a biomassa é o homem que a recolhe. E portanto é preciso recolher de forma permanente no tempo, senão, faço o investimento e depois não alimento o sistema. Ainda no outro dia, na presidência aberta do Jorge Sampaio, estive lá, ainda era o Theias o Ministro, estive com o Theias e com o Jorge Sampaio, a visitar um exemplo de biomassa muito bem feito: biogás a partir de pocilgas, na zona do Parque Natural da Serra de Aires/Candeeiros. Funciona magnificamente. Eles associaram-se, foram obrigados a isso, há um camião que recolhe aquele líquido, que é o esgoto dos porcos, e aquilo vai para uma fermentação, produz o biogás e o biogás produz electricidade que está a ser vendida à rede e está a funcionar bem. E não é nada do outro mundo de complicação tecnológica. Portanto, ainda há alguma coisa a fazer.

Mas grande é a eólica. Depois vem alguma coisa de hídrica, a seguir a biomassa e depois a geotermia localizada. As ondas são uma tecnologia a apostar, nós temos muita energia nas ondas, não temos a mesma da Escócia, a Escócia tem mais mas eu acredito em novas experiências tecnológicas. Vai-se fazer um primeiro projecto em Portugal, por uma empresa do grupo da PORTUCEL e da SECIL, do grupo Enercis, vão fazer uma primeira experiência no Norte, que são uma espécie de chouriços flutuantes que andam para baixo e para cima, e vamos ver o que é que isso dá. Eles vão meter ali 5 milhões de euros. Dinheiro privado. Portanto, é a sério.

Deixei para o fim aquilo que eu penso que será a revolução daqui dos próximos anos, que é o fotovoltaico. Eu acredito que o fotovoltaico não será feito com a tecnologia de hoje: vai ter uma grande revolução. E penso que vai ser através do fotovoltaico feito em filme, ou seja, feito em rolos – quando vocês compram aqueles rolos da GLAD ou da VILELA, estão a ver que vou ao supermercado fazer compras, daqueles rolos para se pôr nas coisas do frigorífico, o fotovoltaico irá por aí. Hão-de ser rolos de coisas transparentes e forra os vidros, forra os telhados, forra as paredes, forra os cortinados e nós nem percebemos que aquilo está a produzir electricidade. Os japoneses e os coreanos estão a apostar nisso.

Quais são as tecnologias em que a Europa é líder? A Europa é líder neste momento na tecnologia eólica. Produziu no ano passado 5,5 mil milhões de euros de tecnologia. Os americanos foram os primeiros, depois estiveram adormecidos durante muitos anos, fizeram algum esforço durante os anos do Clinton, durante os anos do Bush não fizeram nada e agora estão a acordar outra vez, através da General Electric. A General Electric investiu 2 mil milhões de euros ou dólares, 2 biliões de dólares nos últimos 2 anos em energia eólica. E querem ser os líderes mundiais. Neste momento os líderes mundiais são os dinamarqueses, seguidos dos alemães.

Portanto eu penso que há um enorme futuro para as renováveis. E que Portugal é um país rico em produtos energéticos e que as renováveis têm uma enorme geração de emprego, enorme geração de emprego. Pois não comparem o emprego que é criado a fazer os equipamentos, a manter os equipamentos do que pura e simplesmente consumir o combustível sólido. Não há qualquer comparação. As renováveis têm muito mais fixação de emprego. E depois como as renováveis por definição são dispersas no território, os projectos são dispersos no território. E não são uma grande central térmica em Abrantes e outra em Sines e outra na Tapada do Outeiro, mas são centenas, senão milhares de projectos que cada um deles tiveram a sua engenharia, a sua economia, o seu financiamento, os seus seguros, o seu estudo de ambiente, a sua colocação. Tudo isto é matéria cinzenta descentralizada a funcionar, é fixação de massa cinzenta, é fixação de know-how. Porque é gente que depois fica a saber fazer. E é abertura de mercados de exportação. Eu sempre tive zaragatas políticas com os espanhóis: os resíduos da aldeia de Ávila, as pescas quando eu era Secretário de Estado das Pescas, tivemos que apresar os barcos espanhóis, e mais uma série de macacadas: foram sempre umas grandes guerras com os espanhóis. Mas eu tenho uma enorme admiração por aquilo que aquele país fez nos últimos 20 anos.

Eu se olhar, por exemplo, para a energia, há dez anos, a Espanha era um país como nós. A empresa de metalomecânica EHN, ninguém ouviu falar aqui, quase ninguém ouviu falar, que é a Hidroeléctrica de Navarra, fica ali no País Basco, há dez anos era uma oficinazeca. Hoje tem a funcionar 2 mil milhões de euros de eólicas e uma pequena hídrica; abriu um parque nos Estados Unidos e abriu agora um prédio inteiro na Austrália para fazer investimentos em toda a bacia do Pacífico. A Iberdrola, era há dez anos uma empresa do tamanho da EDP, hoje é cinco vezes maior do que a EDP. Tem 2.500 mil milhões de euros de parques eólicos a funcionar e 4 mil milhões de euros em carteira de desenvolvimento.

Eu andava no 1º ano do liceu, hoje tenho 49, devia ter 10, foi há 39 anos, quando ali no Barreiro, havia dois colegas meus que eram gémeos e que eram filhos do feitor da Herdade de Rio Frio. E o governo de Salazar tinha, nessa altura, declarado a utilidade pública da Herdade do Rio Frio, para fazer o aeroporto. O aeroporto internacional de Lisboa, o da OTA (RISOS). A Espanha, neste momento, a 3ª potencial mundial em termos de tecnologia de alta velocidade, está a fazer uma rede de ligação de todas, não apenas capitais de autonomia, mas de todas as cidades secundárias das autonomias, de Zamora, de Vigo, da Corunha, de Barcelona, de Tarragona, de tudo. Tudo ligado por TGV. E grande parte da incorporação é espanhola. Agora anunciaram o mega projecto de 15 grandes dessalinizadoras.

Se vocês repararem, só uma coisa, o mundo precisa de energia e de energia limpa. Eles são a 3ª potência mundial neste momento. Apostaram em fazer uma fileira industrial que, como eu disse, tem hoje 40 mil pessoas a trabalhar, produziu o ano passado 2 mil milhões de euros de bens e serviços novos. O mundo precisa de energia limpa e de energia e muita. O mundo precisa de transporte de massas. Quando olhamos para a Ásia é gente que não acaba. Daí o transporte de massas sobre carris. Eles são os terceiros do mundo, a seguir aos franceses e aos japoneses. O mundo precisa de água doce. A água doce é um grande problema. Não sei se o Jorge falou aqui hoje, mas é um grande problema, a água doce. Hoje as dessalinizações são coisas quase protótipas, há uma em Porto Santo, os israelitas sabem fazer alguma coisa, etc. Mas não há uma indústria enorme de dessalinizadoras. Vai haver. Vai haver. O mundo precisa de muita água doce.

Nós temos que ter visão estratégica e temos que ter estabilidade nas orientações estratégicas que tomamos. Nós não podemos mudar de política e isso tem acontecido em Portugal, não apenas quando muda o Primeiro-Ministro, mas também quando muda o Secretário de Estado. E é o que acontece em Portugal há 25 anos. Não pode ser. Nós temos que gerar sobre grandes dossiers uma discussão séria e o momento de decisão. E essa decisão tem que ser assumida e tem que ser estável no tempo. De outra forma não há possibilidade e há um zig zag em todas as políticas. Seja da saúde, seja da agricultura, seja da energia, do ambiente, de que quer que seja.

Portanto, ponhamos os olhos na vizinha Espanha, não vamos mais longe. Acredito na Espanha, aquela gente tem vontade de fazer. E está a fazer. E portanto nós temos que acordar para isto. E temos que ser profissionais e temos que fazer as coisas como deve ser. Mas eu acredito, eu sou optimista e que vou continuar a apostar aqui, vou. E penso que aquilo que saiu no “Público” e de que falava há bocado, eu acredito nisto. E acredito e se Deus quiser há-de acontecer. (PALMAS)

 

João Ferreira (grupo azul)

Boa noite engenheiro Carlos Pimenta. Em primeiro lugar e em nome do grupo azul, gostávamos de agradecer a disponibilidade que o engenheiro demonstrou ao estar aqui connosco e ao presentear-nos com esse pouco que faz parte de um grande saber que acredito que o engenheiro possui e a nossa pergunta, fugindo um bocado do tema das energias mas estando intrinsecamente ligado, ia no sentido da política de investigação e desenvolvimento. Eu acredito piamente que se algum país quiser estar na vanguarda tecnológica e de certo modo industrial, tem que, de certo modo, apostar uma grande vertente na investigação e desenvolvimento. Ora sendo nós, digo isto com bastante orgulho, um país pequeno, acredito também que talvez devêssemos fazer uma reflexão séria sobre o tema e não negligenciando nenhuma área, mas apostarmos numa determinada direcção.

Se me permite, há pouco tempo estive num seminário da task force portuguesa da ESA, um seminário vocacionado para industriais portugueses, onde explanaram com uma clareza extremamente elevada o cenário da indústria aeroespacial na Europa. E eu lembro-me perfeitamente de olhar para um dos slides onde tinha as diferentes indústrias das diferentes componentes do sector aeroespacial, e havia lá sectores que só tinham uma e duas indústrias a nível europeu. E eu pensava: “se tivesse capital era aqui que eu ia investir. Porque é onde está o sector com menos oferta”. E então, não me querendo alongar, engenheiro, gostaríamos realmente de saber a sua opinião sobre política de investigação e desenvolvimento e as suas implicações.

 

Eng. Carlos Pimenta

Muito rapidamente, aliás, o Jorge foi Secretário de Estado da Ciência, e eu sou um fanático da ciência e tecnologia, porque me interessou sempre desde miúdo. Assino mais revistas do que aquelas que posso ler, e sempre o fiz. O meu irmão hoje está ligado a projectos também da ESA, porque ele seguiu a vida académica no Técnico, e tem uma vida santa, faz investigação, mas faz investigação a sério, ainda por cima investiga os quarks, física de partículas. Enfim, tenho muita pena que as coisas em Portugal não tenham continuidade. Quer dizer, de vez em quando há assim uns programas da ciência viva, de difusão, mas depois morre o interesse e é só futebol.

Temos que saber se queremos ser uma nação de utilizadores do Multibanco ou de gente que foi capaz de fazer o Multibanco, porque nós fizemos o Multibanco mais depressa e melhor do que os outros todos. É o sucesso tecnológico. Depois, não nos soubemos organizar para o vender internacionalmente. E fizemos o mesmo com a Via Verde. Tivemos dois sucessos tecnológicos de know-how português, inteiramente português, que podiam ser hoje standard mundial e só não foram porque não tivemos a persistência de montar uma estratégia de internacionalização desses dois produtos que fazem falta a toda a gente. Repare que ainda hoje, não há nenhum país da Europa em que se faça no Multibanco o que você faz. Pagar os impostos, pagar a conta do seguro, pagar a contribuição autárquica, pagar o meu telemóvel, eu sei lá o quê. Nós fomos o primeiro, porque houve algum tipo lúcido do Banco de Portugal que obrigou os bancos todos a terem um único sistema. Todos. Porque lá fora cada banco tinha o seu sistema, eram incompatíveis. Só hoje é que são compatíveis.

Não vamos entrar agora aqui em política científica, daria para o resto da noite. Mas há coisas que se estão a fazer e não se devem fazer. Por exemplo: nós estamos a formar gente, hoje em dia há bastantes bolsas, enfim nunca há as suficientes, mas já há bastantes e até são razoáveis para doutoramento. Mas o problema é este: você pode formar de uma só vez 7 tipos numa coisa qualquer e depois não há lugar para um único. Nem para um. Portanto, das duas uma, ou deitou 7 vezes esse dinheiro fora, em termos da República, porque depois essa gente vai para um emprego qualquer ou então vai emigrar. Portanto, a política de doutoramentos (hoje até existe), tem que ser conciliada com políticas de carreira científica, de incentivos fiscais e de emprego. É muito pouco o que as empresas gastam em investigação e desenvolvimento. Pouquíssimo. As empresas não estão a gastar mais do que o Estado. Não estão a gastar. Estão a investir pouco. Em números agregados, se vir no PIB, é quase nada. Significa que há que fazer um esforço, através da política fiscal, através de diálogo social com as organizações patronais e com os sectores de promover esse tipo de coisas.

E depois, o Estado não pode apostar em tudo, mas havia 3 ou 4 sectores em que se poderia apostar, não em termos da ciência abstracta, mas em termos de cluster de actividades económicas. Por exemplo, eu tive muita pena que aqui há uns anos não fosse possível criar um cluster de saúde em Portugal. Foi uma coisa que um grupo de pessoas, em que eu cheguei a andar metido, andou de volta de vários ministros ao longo de vários governos a tentar convencer. Porque nós temos o clima para isso, podíamos fazer um pouco como o Texas faz e como outras regiões ao sul de França, nalgumas regiões, etc. Podíamos ter dois ou três centros de ponta de investigação ligados a uma região. E até temos o Centro de Oeiras que é bastante bom e tem gente muito boa à frente dele, muito boa. Porque a indústria da saúde é um turismo caro, intensivo, de mão-de-obra muito qualificada e de alto nível de consumo. Se você souber trazer para aqui tipo de clínicas que façam recuperações ou de terceira idade, ou de doenças mais complicadas, etc., etc., tem enfermagem, tem laboratórios, tem acompanhamento médico, tem fisioterapia, tem os serviços de lazer, porque quem tem dinheiro para pagar isso a seguir quer jogar golfe, ou quer passear, ou quer pescar, ou quer ir ópera e isso tudo motiva outro tipo de actividades, etc., etc., etc. Era um cluster em que nós devíamos ter apostado. E que talvez ainda possamos apostar. Mas já perdemos muito tempo. Mas para isso é preciso quebrar algumas rigidezes que o sistema teve durante estes anos todos, numerus clausus estúpidos para a medicina e depois importar médicos do estrangeiro.

Resumindo e concluindo: dois tipos de coisas. Primeiro despertar o País inteiro para o valor, o interesse, o gosto pelo saber e pela ciência e pelas ciências. Isso é uma atitude pró positiva que é preciso incutir nas pessoas a todos os níveis, desde pequeninos, porque depois as pessoas tomam decisões na sua vida e essas atitudes de base que têm reflectem-se nas decisões que tomam, quando forem presidentes de câmara ou forem o que forem. Segundo, apostar e continuar a apostar na formação de recursos humanos de alta qualidade, mestrados, doutoramentos, ligar um pouco isso à política de emprego e num mundo ideal apostar em 3 ou 4 clusters novos de saber intensivo e que tenham possibilidade de utilizar saber intensivo, mão-de-obra intensiva e por arrastamento outro tipo de actividades que qualifiquem para cima modelos de desenvolvimento em algumas regiões. (PALMAS)

 

Carlos Coelho

Bem é altura de dar a palavra ao grupo da casa. Aproveito para agradecer ao grupo cinzento a hospitalidade e o facto de nos ter recebido na sua mesa esta noite. E dou a palavra ao Zé Oliveira.

 

José Oliveira

Boa noite. Antes de mais queria agradecer à organização por ter cá trazido o engenheiro Carlos Pimenta. Para mim, a Universidade de Verão já adquiriu valor porque trouxe um orador exemplar. Muito obrigado pela sua presença. (PALMAS).

Houve dois grupos que me roubaram as perguntas e nós tivemos que improvisar um bocado. É o seguinte: com o decorrer das suas respostas e das perguntas efectuadas pelos outros grupos ficamos apenas com uma dúvida, que consiste na ideia que tem em relação à reciclagem. Gostaríamos que dedicasse algumas palavras sobre esta temática.

 

Eng. Carlos Pimenta

Sou extremamente a favor da reciclagem, da compostagem e da separação de resíduos, como aliás escrevi numa resposta a uma das vossas perguntas que será publicada no JUV. É muito virtuosa por muitas razões. Primeiro em termos de educação ambiental. A melhor forma de educar é fazer as pessoas participar. Eu lá em casa, pendurado no radiador de água quente ligado ao painel solar, tenho sempre 3 sacos de plástico. São os do lixo. Um, onde vão os produtos orgânicos. Como nós vivemos numa pequena quinta são compostados na sua totalidade e isso é um volume enorme, as pessoas não fazem ideia da quantidade de cascas de banana, restos de fruta eu sei lá de quê, das alfaces que se cortam, é uma quantidade enorme de produtos compostáveis orgânicos e que nós fazemos a compostagem connosco e utilizamos aquilo depois para adubo e funciona, uma maravilha. E o resto que vocês também fazem do papel, das embalagens, do vidro, das pilhas que se põem à parte e que entregam na FNAC ou outro sítio onde haja para reciclar as baterias.

E os meus miúdos de 8 anos hoje se me vissem a mim pegar numa embalagem do iogurte líquido que se bebeu e que se passou por água e metesse no caixote do lixo, seria criticado! Aliás a minha filha é uma fanática que está sempre a criticar-me, que eu não sou verde suficiente, tenho que estar sempre em sentido: se a luz ficou acesa, etc etc. Portanto, pela educação ambiental e pelo efeito económico da sustentabilidade, nós temos de aumentar dramaticamente, intensamente, o contacto com os cidadãos e criar melhores esquemas de recolha dos resíduos triados ou por triar para fazer reciclagem, reutilização, compostagem.

Vou dizer uma coisa, porque há para aí uma grande polémica, não sei se há aqui gente de Coimbra, eu sou totalmente contra a incineradora de Coimbra para resíduos domésticos. Mas, completamente contra. Não se justifica em termos económicos e é péssimo em termos de imagem e da educação ambiental que se dá às pessoas. Para uma recicladora doméstica, quanto mais papel eu meter, mais aquilo arde. É o contrário do que se deve fazer. Mais, vou dizer outra coisa. Nós hoje em Portugal, como em muitos países, estamos a fazer uma degradação permanente do capital natural.

Porque como os bens ambientais não custam dinheiro a começar pela água dos rios, ninguém dá valor aos bens ambientais, (valor económico), portanto, não há dinheiro para investir na sua manutenção e recuperação e o cheque salda-se através da degradação do capital natural. E vou ser claro. A EPAL, ou por exemplo, as águas de Monchique, ou de Coimbra, ou de quem quer que seja, deve ser a única actividade económica que eu conheça, que vende uma matéria prima, tratada, trabalhada, que lhe mete valor em cima, mas que na folha de cálculo do Excel, o valor da matéria prima é zero. Quer dizer, a água é de borla. A que a EDP turbina para fazer electricidade também é de borla. E resultado: onde é que há dinheiro para recuperar o Tejo? Não há. Porque os utentes do Tejo não pagam pelo recurso hídrico que consomem.

O mesmo se passa com o lixo. Se eu tenho uma incineradora e tenho a noção que vai tudo lá para dentro da fornalha, eu não dou nenhum valor. Quem é que vai fazer compostagem? Quem é que vai fazer reciclagem? Ninguém vai fazer, vai tudo para dentro da caldeira. Então não pode ser. Não pode ser. Portanto, para mim está claro, eu participei, aliás, em algumas campanhas, e as pessoas reagem, os miúdos reagem na escola, os velhos reagem, os adultos reagem, as pessoas reagem. É uma área por onde se eu tivesse de começar uma campanha de educação ambiental, eu começava pelo lixo. Começava pelo lixo.

É imediato e é onde se conseguem resultados rápidos e onde se podem mobilizar as pessoas organizando concursos e depois pode-se ir até para reciclagens de coisas mais complicadas. Lâmpadas, mercúrio, coisas dessas. Coisas já mais complicadas, porque se pode ir também. Mas é preciso todos nós fazermos um esforço muito grande. E se todos nós pensarmos, os postes de electricidade velhos que ficam para aí abandonados. Ficam para aí, eu em frente à minha casa tenho 3 postes de electricidade de betão de pé sem linhas eléctricas. Não pode ser. Isto é um valor em termos de reciclagem. Em energias renováveis, a ventoinha, o aerogerador ao fim de 20 anos, é reciclável a 98%.

O valor daquilo enquanto sucata, é superior ao custo da desmontagem. E desmonta-se numa semana. O meu business plan (para os bancos agora é tudo em inglês) tem lá no fim o custo de desmontagem, o valor da reciclagem. E isso paga completamente a remoção e renaturização da serra. È que fica completamente renaturizada. Dois Invernos e duas primaveras depois, não se consegue perceber onde é que esteve lá um aerogerador. Eu sei porque já tive que desmontar um por um problema técnico. Não fica lá nada. E recicla-se a 98%.

Portanto, nós temos que o fazer e se vocês estão metidos no poder local, havia duas coisas a fazer, uma de fundo e uma de curto prazo. A de curto prazo é pegar nos lixos. A sua pergunta tem toda a razão de ser. É bingo. É por aí que tem de se pegar. É chegar às pessoas, é fazer campanha junto das pessoas, fazer concursos, ser criativo, ser imaginativo, apelar á participação das pessoas. Segunda coisa. É tentarmos ver se conseguimos ter, isso agora já é mais complicado, mas é mais de fundo, no ciclo de revisão dos planos directores municipais, um verdadeiro planeamento estratégico ambiental para a sustentabilidade. Chamemos-lhe agenda XXI, chamemos-lhe o que quisermos. Mas que o PDM não seja uma fotografia estática de dizer “este terreno é urbano, este é agrícola, este é florestal, este é o que quer que seja”. Pelo contrário, o PDM tem de ser uma verdadeira dinâmica, em que estejam os transportes, esteja tudo. O que é a vida do município, as águas, a energia, os ciclos, etc. Portanto, por aí acertou em cheio, para mim seria uma grande prioridade em termos do País e das Autarquias. (PALMAS)

 

Susana Faria (grupo rosa)

Boa noite. Nós passámos hoje a tarde e grande parte da noite a falar de ambiente. E ficamos surpreendidos por termos falado em questões globais de desenvolvimento sustentável, directrizes internacionais e nunca termos referido aos procedimentos de prevenção, de fiscalização, de punição, dos recursos nacionais e locais. E portanto, a nossa pergunta: afinal Portugal utiliza dos seus recursos naturais de forma sustentável? Quem garante, quem controla, quem fiscaliza que Portugal proceda de forma sustentável?

 

Eng. Carlos Pimenta

Bom. Quem guarda os guardas, diziam os romanos, não é? Temos de ser nós próprios a guardar-nos a nós próprios. Mesmo assim hoje em dia meio País passa o tempo a queixar-se do outro meio País a Bruxelas. A pergunta é muito boa, também daria para uma noite inteira e eu diria que tem duas maneiras de abordagem. Uma pela economia e outra pelos sistemas administrativos e direito de fiscalização. Pela economia, é preciso que o ambiente exista em termos económicos. É sempre mais barato para quem produz, despejar o esgoto não tratado na ribeira ou no mar, do que obviamente mudar de tecnologia. É sempre mais barato. Qual é a única forma? É de haver uma autoridade “bacia do Tejo”. Carlos V criou a primeira na Holanda há 500 anos, a gente está à espera.

O Tejo é uma coisa notável. Eu gosto muito dos rios. O Tejo é “gerido”, (porque não é gerido), na CCR do Alentejo, em Évora, por causa do Sorraia e do lado de cá, (do lado esquerdo), na CCR de Coimbra por causa do Zêzere, do lado de lá. E depois em Lisboa. Entretanto do Tejo só 1/3 da bacia é que está em Portugal. Do outro lado só há uma cuenca que é do Tejo…

(PASSAGEM INAUDÍVEL DURANTE UM MOMENTO)

Lembro-me da história de dois industriais que eram inimigos têxteis, eram concorrentes e tinham instalações perto dum rio, mas um estava a jusante do outro. O de cima, despejava no rio a água a ferver tingida de azul ou de encarnado, conforme as cores. Uma maravilha! O de baixo queria fazer o seu processo industrial e não conseguia. Queixava-se ao Ministério do Ambiente. Mandava-se lá um funcionário, mas nós não tínhamos meios, e ele voltava a queixar-se. Passado algum tempo, o homem nunca mais apareceu. E eu até disse para a Dra. Olga, que era minha Chefe de Gabinete, “Dra. aquele industrial de Vila do Conde nunca mais apareceu. Será que o problema se resolveu?”. Passados mais um mês ou dois, apareceu o outro. O que é que o primeiro tinha feito? Tinha comprado a quinta acima do outro (RISOS) e tinha feito dois canos, um para buscar água e o outro para levar o esgoto. (RISOS). Isto é verdade, aconteceu comigo. É óbvio que o recurso tem que se colocar na economia e a partir daí a economia funciona.

Segunda coisa: nós já temos leis que cheguem e fiscais que cheguem, o que é preciso é fazer? Meus amigos, não me venham com desculpas. O que é preciso? Eu tive um caso no Zêzere. Também não havia quase legislação nenhuma. Havia um tipo (ainda por cima poderoso porque tinha conexões políticas), que tinha uma enorme exploração de areias, ilegal, no Zêzere. Camiões, gruas no Zêzere todo. Uma coisa industrial em grande. E eu recebi queixas de várias pessoas e mandei lá os guarda-rios. Atiraram-nos ao rio. Autenticamente. Foram atirados ao rio (RISOS). Bom. Foram atirados ao rio e eu passei-me da cabeça, vi tudo vermelho à minha frente. Vocês são do grupo rosa, mas eu vi pior do que rosa, vi vermelho.

Telefonei ao Comandante Geral da GNR. “Senhor agente vá tratar da barba a esse tipo”. Um dia às cinco horas da manhã, jipes, metralhadoras, tudo fechado. Apreendemos camiões, gruas, areias, bateleiros, tudo preso, tudo apreendido, uma coima de 80 mil contos em cima. Vendemos tudo em hasta pública. Fomos ao tribunal e ganhámos. Foi uma juíza, na altura. Como é que é? Faz-se porque se quer fazer. Nós temos leis que cheguem, temos fiscais que cheguem. Eu não consigo perceber que hoje se ouça na televisão e rádio: o rio está cheio de peixes mortos a boiar. Eu não percebo. Francamente, não percebo. Dura lex sed lex.

Há uma pergunta a que eu não respondi (porque também ela dava para uma noite inteira), sobre se a pessoa deve ser dura ou se deve fazer a negociação, se deve castigar. As duas coisas. É o cacete e a cenoura. Eu dou-vos outra história. Era meio-dia, eu ia sair para almoço e telefona-me o Director Geral muito aflito pois a Portucel estava a fazer a manutenção da fábrica de papel de Setúbal, na parte de transformadores de energia eléctrica e outras partes e estavam a despejar no Sado uma substância ultra proibidíssima, ultra cancerígena. Um garrafão de 5 litros daquilo contamina completamente um estuário inteiro. E eu já tinha mandado os fiscais. Os tipos tinham-nos posto fora do portão da Portucel, que é uma empresa pública a 100%. Tinham-nos posto na rua. Bom.

Deu-me uma coisa no estômago, cancelei o almoço, ainda não havia faxes, foi por telex, e ainda hoje me lembro do Despacho que fiz, às 2 horas da tarde. Ponto um: Pára. Ponto dois: Põe umas bóias para conter o derrame. Ponto três: Limpa. Ponto quatro: vai indemnizar, porque vou interditar a pesca e o uso balnear do estuário do Sado, (durante uma semana esteve interdito) e vocês vão pagar a conta. Ponto cinco: processo de responsabilidade civil à empresa. Ponto seis: processo-crime aos administradores (empresa pública). Às três da tarde estava-me a telefonar o Ministro da Indústria. (RISOS). Era o Santos Martins. “Oh Pimenta você quer pôr na cadeia o Presidente da Portucel?”, “Senhor Engenheiro, já está tudo no Procurador-Geral da República”.

Bom a Portucel, a Soporcel e a Celbi, as três grandes do papel, e a Caima, estavam em 86 com uma poluição hídrica equivalente a 4 milhões de habitantes - só a hídrica. Ou seja, aquelas fábricas eram equivalentes a uma cidade de 4 milhões de pessoas, sem qualquer departamento de esgoto, a despejar directamente no rio. E entrámos num braço de ferro. E ao fim de 15 dias chegámos a um acordo. Eu levantei as queixas.

Cinco anos depois, tinha um milhão equivalente de habitantes. Portanto, reduziram em 75% a carga poluente química e orgânica dos rios. E eu hoje, sabendo o que sei, tinha feito muito mais, na parte da energia, na parte de resíduos, na parte de poluição atmosférica, etc. Mas ali concentrei-me mais na hídrica, enfim, era preciso começar. Foi o primeiro contrato-programa que se fez.

O Ministério do Ambiente, em tempos, assinou 18 contratos-programa com 18 sectores industriais. Tipografias, concentrados de tomate e outros agro-alimentares, por aí fora. Depois, é sempre assim, a instabilidade é grande e os ministros vão mudando – isto até foi começado no Governo de Cavaco Silva e depois continuou no Governo de Guterres – mas isto foi-se esboroando ao longo do tempo.

E depois a Inspecção do Ambiente fazia uma coisa curiosa: as empresas que recusaram aderir ao contrato-programa, como estavam todas clandestinas em termos de esgotos, não estavam na base de dados, não estavam fiscalizadas, e por isso só se caía em cima das outras que estavam no contrato. O que lançou para aí uma bernarda. Portanto, conseguiram-se alguns sucessos. Mas o gosto ficou a meio.

Hoje a armadura legislativa da União Europeia é brutal. E a área do ambiente é que tem mais. Eu próprio que estive 12 anos na Comissão do Ambiente do Parlamento Europeu, não conseguia acompanhar, (não conseguia digerir) - e era profissional daquilo - a quantidade de directivas e de normas. Até porque os produtos químicos que nós utilizamos são milhares. Portanto as normas, os limites, as concentrações, os testes, a exigência sobre os laboratórios certificados, sobre isto, sobre aquilo, é diária. Na nossa sociedade cada vez é mais sofisticada. Temos os instrumentos. É uma questão de vontade política do lado da economia, (nos recursos naturais) e do lado da aplicação, fiscalização e simplificação da fiscalização. Eu dei um exemplo anedótico do Tejo para dizer que era possível poupar, ter um único centro de comando, menos gente e ter, por exemplo, muito mais mecanismos de auto-controlo. Sobretudo hoje com a informática e Internet, pode haver controlo à distância. (PALMAS)

 

Carlos Coelho

Vamos agora fazer dois blocos de questões e dou a palavra em primeiro lugar ao João Alexandre do grupo amarelo.

 

João Alexandre

Boa noite. Como o engenheiro falou há pouco de energia fotovoltaica, nós - grupo amarelo - temos conhecimento de uma construção a nível europeu dessa mesma energia no concelho de Moura. Gostaríamos de saber mais sobre a rentabilidade deste investimento, como é que se vai negociar com a EDP e que apoios serão fornecidos pelo Estado ou pelos municípios. Obrigado.

 

Sara Graça (grupo laranja)

Boa noite. A minha pergunta é a seguinte: o que é que falta para desbloquear e desburocratizar o investimento privado dos tais 120 campos de futebol nas energias renováveis e alternativas.

 

Carlos Pimenta

Pergunta simples. É muito simples, mas boa. Moura. É assim. O regime legal em vigor que é um decreto-lei de 28 de Dezembro de 2001, dá a projectos pequeninos de fotovoltaico, uma remuneração interessante, semelhante à espanhola. Cerca de 100$00 o Kw/hora fornecido à rede. É um bom investimento. Agora, a última vez que foi possível apresentar candidaturas na Direcção-Geral de Energia, houve 400 cidadãos deste País, entre os quais eu, que se candidatou, entregou um dossier técnico de candidatura, para fazer o seu pequeno projecto caseiro de fotovoltaico para vender à rede eléctrica. Portanto, eu diria, no fotovoltaico temos que dividir em primeiro lugar estes projectos que eu estou a falar. São projectos até 5 quilowatts. Estamos a falar num volume de investimento até 25.000€, portanto 5.000 contos, que vai vender à rede a uma remuneração que é boa, semelhante à espanhola e que paga o projecto, digamos, em 6 anos. Ao fim de 6 anos está o projecto pago e depois tem 10, 15 anos de uma receita interessante. É um bom projecto para fazer.

Os privados portugueses concorreram em pequeno número, (houve 400 que apresentaram pedidos), na Alemanha é programa para 100.000, mas eles também são maiores. Eu estou convencido que isto vai arrancar a nível destes projectos pequenos. Depois há os chamados, (também em pequenino), sistemas isolados. Esses não precisam de incentivo nenhum e são rentáveis por si. É o SOS nas auto-estradas da BRISA, são as antenas dos telemóveis, são as pessoas que têm pequenas necessidades de emergir num sítio onde não há fio eléctrico. E então põem uma célula fotovoltaica e uma bateria. E aquilo se for uma coisa de baixo consumo, de telecomunicações ou uma coisa do género, resolve o problema.

O problema que colocou é diferente. É o problema de Moura. Estamos a falar num projecto de 64 megawatts, um projecto de 300 milhões de euros para mais. O projecto de Moura, com remuneração da energia eléctrica para projectos dessa dimensão, não é rentável. Ou é muito pouco rentável. Porque a energia vai ser vendida a cerca de 30 cêntimos o quilowatt/hora. Portanto, o projecto de Moura depende da vontade política de criar uma fileira tecnológica, de fotovoltaico em Portugal (como os espanhóis têm). Ou seja, fazer o projecto de Moura e dar um subsídio extraordinário para fazer um projecto dessa dimensão isolado, muito francamente, não tem sentido. Dizer, “já há uma fábrica em Évora que trabalha para a Shell, (salvo erro), e que está a fazer componentes para fotovoltaico” e dizer “o fotovoltaico vai dar um salto tecnológico nos próximos 10 anos”. Como eu disse, penso que se vai passar das actuais células para outro tipo de filme, inclusivamente, até pode ser pelas biotecnologias, umas algas que utilizam a energia do sol.

Portanto, o projecto de Moura é viável e interessante no quadro de uma política energética que valorize a criação de uma fileira fotovoltaica a sério, em Portugal. Agora, já passaram 5 secretários de estado – ontem fiz a conta, desde 1 de Janeiro de 2001, ainda não ha 4 anos, já conheci 6 Ministros do Ambiente e 5 Secretários de Estado da Energia. Só digo que isto assim não vai lá. Não é possível. Porque a cada criatura é preciso apresentar os dossiers todos outra vez. E quando eles começam a aprender alguma coisa, são remodelados. (RISOS). Não pode ser. É que não pode ser. É que é preferível ter um menos bom que faça a legislatura. Já vamos em 4 Ministros do Ambiente do nosso Governo. Secretários de Estado da Energia já vamos em 3. O PS foi a mesma coisa. Não dá.

O que é que é preciso? Olhe. Vou-lhe responder. Estabilidade na vontade. Mais nada. Não é preciso subsídios - a não ser de projectos experimentais. Imaginem que eu quero fazer um projecto experimental de hidrogénio em Porto Santo que combine a dessalinização com a eólica, com a fotovoltaica, etc: é claramente um projecto de características “protótipo IDID” - estou numa outra categoria. Aí, com certeza, tenho que candidatar este projecto a Bruxelas, aos programas comunitários, tenho que arranjar dinheiro português, vou apostar em formação de matéria cinzenta português, de doutoramentos, de mestrados, ponho empresas portuguesas a participar nisso. Perfeito. Autocarro a hidrogénio no Porto, dos Serviços Municipalizados do Porto. Com certeza que não é rentável, não há uma infraestrutura de bombas de gasolina, de autocarros, etc. No entanto, projectos experimentais com certeza. No campo dos protótipos, no campo das experiências, Biodíesel, etc.

Projectos de energias renováveis em Portugal - precisamos de duas coisas: que o País, de uma vez por todas, diga que quer explorar os recursos energéticos naturais que tem, e que o diga de uma forma clara e não apenas em Resolução do Conselho de Ministros, porque dessas estamos cheios. A última foi de 28 de Abril do ano passado. E está perfeita. Eu digo-lhe, eu nas aulas que dou até utilizo aquilo como texto. Até está bem feito. Os objectivos, os instrumentos. Óptimo. E depois? Primeiro é preciso dizer, mas dizer com voz grossa, “o País vai fazer um milhão de metros quadrados de solar plano, o País vai fazer 4 mil megawatts de eólico, o País vai fazer x megawatts de biomassa, o País vai fazer não sei quantos projectos tipo Moura”. Mas tem de ser objecto de decisão assumida, não apenas pelo Ministério da Economia e do Ministério do Ambiente, mas sim pelo Governo no seu todo, discutida com o Parlamento e discutida com a oposição. Porque em energia, quando eu decido um projecto, tenho um ciclo de 5, 6, às vezes, 10 anos, até a primeira ideia estar completamente operacional e testado.

Portanto ninguém faz uma fábrica de eólicas em Portugal, se não tiver uma perspectiva até 2012, 2013. Não faz. É mais barato, menos arriscado comprar no mercado. É preciso uma ventoinha compra-se na Dinamarca. E digo-lhe: até aproveita melhor a energia do vento. Como os sítios são diferentes, compro para cada sítio a melhor ventoinha, a mais adaptada. Como quem tem que comprar uma frota de automóveis e compra um Smart e a seguir compra um Land Rover, um Land Cruise. Senão anda tudo de Renault. Até tem lógica este regime. Se eu quero alguma coisa e não quiser fazer fabrico, mas é uma decisão que tem de ser discutida com o sector empresarial, com as associações onde estão empresas respeitadas, EDP, grupo Queiroz Pereira, grupo Galp, SONAE, por aí fora. É preciso sentar esta gente, não são muitos, são 12, 15 pessoas, que têm associações profissionais.

Os cientistas que trabalham nisto também não são muitos, e também estão associados. Faz-se a discussão, chega-se a uma decisão. A decisão é assumida, se for preciso o Parlamento ratifica de debate sobre política energética e o País vai para a frente. Assim fez a Dinamarca, a Holanda, a Alemanha. Agora não pode ser com medidas avulsas, inaugurações e coisas do género.

Eu penso que este aumento do preço do petróleo que chegou aos 50 dls. foi muito bom. Foi muito bom. Porque de um dia para o outro apareceram vários artigos sobre Economia na imprensa: Expresso, revista “Única”, Visão, Focus, Público, Diário Económico. Durante 2 anos praticamente ninguém me telefonava, o petróleo chegou aos 50 dls e o telefone não parava (RISOS). “Ora lá está o maluquinho das ventoinhas”. Isto é autenticamente verdade. Eu, no último mês, em fornecimento de dossiers técnicos para a comunicação social, que precisava de saber dados técnicos dos megawatts, dos custo disto, etc, foi o Expresso, Público, Visão, Focus, Diário Económico, Jornal de Negócios, TSF, Antena 1, a RTP é na 5ª feira e porquê? Porque o petróleo chegou a 50 dls. Pronto. E de repente toda a gente sentiu que tinha de fazer qualquer coisa. A Newsweek da semana passada, não sei se viram, eram 30 páginas sobre as energias renováveis. Já referi a National Geographic deste mês, e a edição de Junho tinha 40 páginas sobre o fim do petróleo barato. Mas eles traduziram mal, porque em inglês era “the end of cheap oil” – e em português puseram “fim do petróleo” o que é abusivo. Agora é preciso esta persistência.

Eu penso que vamos lá por causa disto. Porque tocou a campainha do alarme e as pessoas de repente perceberam que importamos 90% da energia e a média dos países da UE é 45. E portanto, nós sentimos duas vezes mais do que os outros os choques petrolíferos. E, portanto, temos que fazer qualquer coisa. E acho que isso foi bom. Antes tarde do que nunca. (PALMAS).

 

Carlos Coelho

Há uma regra que foi aprovada o ano passado que me obriga agora a agradecer a presença do nosso convidado para, por uma questão de cortesia, lhe darmos a última palavra. Queria dizer-te, Carlos, que em nome de todos agradeço muito o facto de teres vindo cá e até com algum sacrifício da tua vida pessoal. Foi muito interessante tudo aquilo que nos disseste e tudo aquilo que ainda vais dizer nas duas últimas respostas que vais dar. Mas sobretudo pela oportunidade que deste a muitos dos que aqui estão que não conheciam o famoso “pimentinha” e que agora vêem que não é apenas um homem que fala de energia, mas é sobretudo um homem que fala com energia e com a energia das convicções, o que é importante na vida e na política. E agora sim, os dois últimos grupos para fazerem as perguntas e as últimas respostas do nosso convidado, dou a palavra ao Orlando do grupo verde.

 

Orlando Leal

Senhor Eng. Carlos Pimenta, estou aqui nesta ponta da sala que me dá um panorama diferente do seu, são os extremos e que me permite dizer sinceramente (agora que estamos perto do fim), passamos uma noite muito agradável nesta terra simpática, acolhedora, com estes pratos típicos alentejanos que o nosso chefe bem preparou, mas sobretudo com uma palestra, uma aula, uma excelente lição de vida e uma excelente lição ambiental. Aqui no seu curriculum, que estive a analisar enquanto jantava, no ponto 4 fala-se na intervenção social e política. Reparamos que há cerca de 4 anos que não tem qualquer tipo de actualização e que vemos que o senhor Engº passou para outras actividades, outros ramos empresariais. A minha pergunta ou provocação, não sei, se calhar sou daqueles que gosta dos políticos que dão murros na mesa e que lutam pelas suas convicções, é que quando é que vamos ter ponto 4 actualizado (PALMAS) – eu por mim falo, já tinha saudades de o ouvir e acho que o País essencialmente está com muitas saudades suas. Não sei se é uma pergunta, se é uma provocação, mas deixo-a na mesma. Muito obrigado.

 

Carlos Coelho

Muito obrigado, Orlando. Última pergunta João Aurélio – grupo bege.

 

João Aurélio

Boa noite senhor Eng. A nossa questão prende-se com o seguinte: produção industrial de cânhamo. Cânhamo, cannabis geneticamente transformado. (RISOS).

Esta planta é uma planta que não precisa de levar químicos fertilizantes, não polui a terra. Serve para fins têxteis, compete com fibras derivadas. Serve para a alimentação humana e animal. Serve para a construção, serve para a cosmética, de que é que estamos à espera para implementar este tipo de produto na nossa sociedade? (RISOS).

 

Carlos Pimenta

Ora duas provocações para acabar. O cânhamo é conhecido pelos portugueses há séculos. Eu desde que comecei a fazer de aprendiz de feiticeiro com a agricultura biológica (RISOS) (conseguimos enxertar duas macieiras, estou cheio de orgulho este ano), tenho estado a trazer plantas, a plantar e a experimentar as mais diversas variedades que trago. É óbvio que essa e outras variedades de valor acrescentado elevado, têm espaço em Portugal. Eu lembro-me de ter falado muitas vezes com o Arlindo Cunha, quando ele estava em Bruxelas e constatar que nós não temos tamanho e nunca teremos para inundar o mercado de quantidade como os espanhóis, os franceses ou os alemães.

Mas nós temos capacidade, se queremos ter uma agricultura com o mínimo de rentabilidade, de ter produtos muito bons e muito específicos e de alto valor acrescentado. O azeite tem que ser muito bom, tem que ser muito bem embalado, tem que se fazer como o Roquette fez aqui na Herdade do Esporão, de criar uma boa marca, por exemplo. Nós temos feito nalguns sectores progressos extraordinários. Quando eu fui para Bruxelas, há 12 anos, não se conseguia encontrar uma garrafa de azeite português, nada. Era italiano, era espanhol, etc.

Hoje encontra-se azeite português de belíssima qualidade, com prémios em Los Angeles, de primeira pressão a frio, biológico, controlado, do Douro, de Trás-os-Montes, do Alentejo, fantástica qualidade. E compete com os melhores da Toscânia ou da Umbria. Mesmo bom e bem embalado, com garrafas bonitas que se vendem no Centro Cultural de Belém e noutros sítios assim. Portanto, temos que ir para coisas de valor acrescentado, como esse tipo de plantações e outras. Não adianta estarmos a produzir ao quilo, comida a peso, não dá. Não temos a área para fazer comida a peso. Não temos. O queijo tem que ser muito bom, tem que ser certificado, o vinho tem que ser muito bom, tem que ser certificado, tem que ter embalagens bonitas, tem que ter o marketing certo. Desenhado para o consumidor certo. É isso que temos de fazer em todas as variedades e estar abertos.

Eu só queria dizer uma palavra para terminar. Foi um gosto enorme estar aqui hoje. Um gosto. Um gosto muito grande. O Carlos já me tinha dito o ano passado que isto era uma reunião das pessoas que pensavam dentro da JSD. É verdade. E tinha-me dito que era um curso vivo, não era uma coisa unidireccional, aqueles gajos chatos e o resto do pessoal a ouvir e tomar nota, não, nada disso. Disse-me que tinha dinâmica, que tinha grupos, que tinha competição, tinha participação. E a mim deu-me um gosto enorme estar aqui e uma alegria muito grande. Fez-me andar para trás uns anos, a sério. Agradeço muito este convívio que aqui houve. O jantar que me proporcionaram foi muito agradável e realmente desejo a todos que este curso, esta Universidade de Verão seja efectivamente aquilo como começámos, num século de conhecimento e das mudanças de paradigma e das fracturas de tudo, que isto ajude a cada um de nós ter aquele brilhozinho nos olhos que nos faz andar para a frente e todos os dias sonhar, como dizia o poeta, “o mundo avança como uma bola nas mãos de uma criança”. Muito obrigado.